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Deborah Colker e Cláudio Assis percorrem Rio Capibaribe para elaborar espetáculo

Em entrevista, a dupla fala sobre 'O cão sem plumas', novo espetáculo da Cia. Deborah Colker, que terá direção de ambos

Isabelle Barros
Bailarina e cineasta visitam a nascente e a foz do Capibaribe - Foto: Brenda Alcantara/Esp DP
Ao serpentear por mais de 200 quilômetros Pernambuco afora, o Rio Capibaribe traz em seu leito uma amostra das riquezas e misérias que a convivência entre o homem e a natureza podem conter. Seu curso d’água, inicialmente cristalino, dá lugar a um cenário de degradação que não passou despercebido por João Cabral de Melo Neto (1920-1999), poeta pernambucano que eternizou as contradições do rio e suas margens. Décadas depois, a coreógrafa Deborah Colker e o cineasta Cláudio Assis partem do legado do escritor para firmarem uma parceria de peso. Os dois preparam, juntos, o espetáculo O cão sem plumas, baseado no poema emblemático de Cabral, cuja estreia está prevista para 2017 pela Cia. Deborah Colker.

Para se aproximar mais do universo ligado ao rio, Deborah está em Pernambuco, acompanhada por Assis, para uma viagem de quatro dias. Na quinta, a dupla visitou uma das nascentes do Capibaribe, localizada no município de Brejo da Madre de Deus, no Agreste pernambucano. Ontem, ambos embarcaram em um passeio pela foz do rio, no Recife.
O périplo de Deborah pelo Estado termina entre hoje e amanhã, em uma sambada na Zona da Mata.

As conversas iniciais para o espetáculo começaram a ocorrer há cerca de dois anos, mas Deborah e Cláudio são amigos há muito tempo, conhecem muitas pessoas em comum e chegaram a morar na mesma rua no Rio de Janeiro. “Várias pessoas já nos falaram para trabalharmos juntos, apesar de termos estéticas completamente diferentes. Somos duas pessoas de personalidade forte que fazem as coisas à sua maneira. Acho que alguém deve se juntar para trabalhar com outro alguém se for por uma necessidade profunda. Cláudio já me falava muito sobre o rio, mas na verdade, foi um acontecimento casual que me fez querer montar O cão sem plumas. Um dia, fiquei presa em um engarrafamento no Rio de Janeiro e, no carro, li o poema. Foi uma emoção muito intensa, comecei a chorar. A partir disso, procurei o Cláudio”, detalha Deborah.

Os ensaios do espetáculo já começaram e Cláudio foi ao Rio de Janeiro para acompanhar esta fase inicial do projeto, definido por ambos como um híbrido entre dança, cinema e poesia. A ideia dos dois é desenvolver o espetáculo ao longo do ano que vem, em paralelo a outros compromissos já assumidos pela dupla. Cláudio está envolvido com o lançamento de seu novo filme, Big Jato, e Deborah está na equipe das Olimpíadas do Rio, em 2016. “O rio se esconde, ele é intermitente, assim como o nosso projeto”, afirma a coreógrafa, em referência à visita a Brejo da Madre de Deus, onde os dois estiveram em um trecho no qual o Capibaribe corre debaixo da terra, a oito metros de profundidade.

A conversa com a dupla aconteceu ainda sob o impacto de ambos com a paisagem da nascente do rio, em contraste com a degradação humana e natural que afeta o curso d’água até a foz. O eco da experiência amplificou a percepção de ambos sobre O cão sem plumas. “Com essa viagem, entendemos porque ele escreveu sobre o rio.
Nossa necessidade é a de fazer uma obra poética, mas não panfletária. João Cabral falava sobre o que se está vendo, sobre o refletir e, quem sabe, transformar a realidade. O Capibaribe é como uma árvore ao contrário. As raízes, espalhadas por várias cidades, são as nascentes, que se juntam para formar um grande tronco. É quando o rio começa a se tornar valente, até brigar com o mar", pontua Cláudio.

Deborah, por sua vez, destaca duas histórias vividas no Agreste pernambucano como encontros poéticos que a emocionaram. “Ontem encontrei um cão sem plumas. Era o Biu. Esse homem viu pedaços de madeira no leito seco do rio e disse: ‘não vou tirar isso daqui. O rio trouxe, o rio vai levar’. Também nos contaram outra coisa.
Em abril, houve uma chuva muito forte e o rio veio com tudo. A zona rural estava sofrendo com uma seca forte e, quando a enxurrada veio, à noite, as pessoas começaram a sair de suas casas e comemorar, até mesmo com fogos de artifício”.

A montagem de O cão sem plumas também faz parte de uma reflexão da coreógrafa sobre o lugar do seu ofício no mundo. “Tenho pensado muito sobre o que é a dança contemporânea. É preciso repensar os códigos. Cada vez mais vejo que não dá para colocar a dança em caixinhas como "dança moderna" ou "balé”. A dança é mistura, é um híbrido".

A visita à nascente e à foz do Capibaribe serão seguidas por ligações mais profundas do espetáculo com o rio a partir do ano que vem. “A nossa intenção é, futuramente, instalarmos uma base em Pernambuco, conversar com as comunidades que podem fazer parte desse projeto e dialogar com outros bailarinos pernambucanos e grupos de dança". O cineasta também já começou a entrevistar pessoas relacionadas ao rio e a João Cabral para um registro documental sobre o Capibaribe.

SAIBA MAIS


%2bOLIMPÍADAS
%2bAntes de estrear O cão sem plumas, Deborah tem um projeto de peso: vai participar dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, como coreógrafa e diretora de movimento das cerimônias de abertura, no dia 5 de agosto, e encerramento.

%2bDIELSON
O bailarino pernambucano Dielson Pessôa volta a fazer parte da Cia. de Dança Deborah Colker, da qual havia saído em 2013, após uma passagem de oito anos. Além de ter retomado o papel de Pushkin no espetáculo Tatyana, também baseado em uma obra literária, Dielson faz parte do corpo de bailarinos que estará em O cão sem plumas. Em 2014, o artista estreou seu primeiro solo, intitulado O silêncio e o caos, que circulou pelo Brasil inteiro este ano, criado a partir das experiências sentidas por ele em um surto psicótico.

%2bPOEMA
O Cão sem plumas foi publicado em 1950 por João Cabral de Melo Neto, enquanto morava em Barcelona e trabalhava como membro do corpo diplomático brasileiro. O poema, publicado quando o escritor tinha 30 anos, levou João Cabral a ser considerado um dos grandes nomes da literatura nacional. Dividida em quatro partes, a obra trata, com secura e precisão, do Rio Capibaribe, trazendo a degradação da paisagem e dos homens que nele habitam, como uma metáfora da condição humana..