“Mas, raisonnés não são só para especialistas”, defende o editor, bibliófilo, colecionador e curador Pedro Corrêa do Lago, de 57 anos, da editora Capivara, que, no Brasil, é a casa que mais enfrentou o desafio de lançar obras completas de artistas brasileiros.
Corrêa do Lago não menospreza o valor técnico de um catálogo raisonné, mas o prazer e a importância que eles oferecem, avisa, está à disposição de todos. “Ter num só volume ou caixa o conjunto da obra realizada por um autor, entender a trajetória dele, as transformações pelas quais a linguagem passou, as fases, é uma experiência impactante e muito saborosa para qualquer pessoa”, garante. “É um modo privilegiado de conhecer e fruir arte”, acrescenta. A Capivara já editou sete catálogos gerais: Frans Post, Albert Eckout, Taunay e o Brasil, Debret e o Brasil (já em quarta edição), Rugendas e o Brasil, Palliére e o Brasil e, sinalizando a crescente importância da arte contemporânea brasileira, Vik Muniz.
“A nossa proposta é apresentar os tesouros do Brasil”, afirma Corrêa do Lago. “Na Europa e nos Estados Unidos, o levantamento da obra dos grandes artistas está feito. No Brasil, ainda há muito a fazer.
Urgência
A rarefação de catálogos gerais de artistas brasileiros, para o editor, tem motivos. Primeiro, a falta de recursos (as publicações foram viabilizadas por leis de incentivo), seja no Brasil ou no mundo. Depois, apesar de a pesquisa ter avançado, observa, ainda há escassez de pesquisadores e “pouca demanda de pesquisa sobre arte”. Situação que contrasta, observa, com a urgência de produzir mais volumes, em especial sobre os modernistas brasileiros, “porque pessoas que têm opinião e conhecimento, importante, sobre o que eles fizeram estão morrendo”, conta. Nem é objetivo dos catálogos “disciplinar o mercado”, mas, reconhece o editor, as publicações têm um papel nesse sentido ao investigar os vários temas ligados à questão da autoria e creditação correta de uma obra.
Catálogos raisonnés rendem polêmica. O pesquisador brinca que está acostumado a receber ligações de colecionadores dizendo que as publicações estão dando prejuízo a eles. Aleijadinho e a sua oficina, obra de estreia da Capivara dedicado à obra de Antônio Francisco Lisboa, rendeu processo e apreensão devido às atribuições que defendeu. “Nunca imaginei que pudesse acontecer isso, mas aos 57 anos nada me surpreende”, observa.
A editora Capivara foi criada em 2002. O nome remete à imagem do animal, então um roedor desconhecido pelos europeus, em pintura de 1630 feita por Frans Post. Corrêa do Lago define a editora como casa voltada para assuntos brasileiros na área de arte e história. Avisa que a editora é “projeto de casal” – a sócia, majoritária, é a esposa, Bia Corrêa do Lago. “Estamos editando livros que gostaríamos que existissem para nós comprarmos”, brinca. Áreas a se desbravar são, na opinião dele, a fotografia e a pintura do século 19. O próximo trabalho vai ser dedicado a Thomas Ender (1793-1875), um austríaco que cruzou o país registrando fauna, flora e a população.
Corrêa do Lago é sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, integrante do Conselho da Fundação Bienal de São Paulo desde 1993 e, desde 1994, membro vitalício da Sociedade Internacional de Bibliofilia. Foi curador do módulo O olhar distante da Mostra do Redescobrimento, organizada pela Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais, da Fundação Bienal de São Paulo, e da exposição O século 19 na fotografia brasileira, organizada pela FAAP no Palácio Itamaraty, em Brasília.
PESQUISA
A confecção de um catálogo raisonné é feita a partir de ampla pesquisa junto a museus e colecionadores e, quando for o caso, à família do artista, para mapear todas as obras realizadas. Para a tarefa, uma comissão de reconhecidos especialistas examina todas as obras que foram apresentadas tendo um determinado artista como autor. “Baseada na experiência de seus membros a respeito do estilo e das características da pintura do artista, a comissão reconhece ou não a autenticidade das obras. No caso de um ou mais membros terem dúvida quanto à autenticidade, a obra não é aceita e é mencionada como obra duvidosa. Quando a comissão é unanimemente contrária à obra, esta é classificada entre as atribuições rejeitadas”, explica.
Em caso de descoberta de novas obras após o fechamento da edição, elas são inseridas em posteriores reedições do catálogo. Todas as obras analisadas ganham fichas técnicas que, preferencialmente, apontam o histórico de seus sucessivos proprietários. Admite-se que a última localização seja citada apenas como “coleção particular” para preservar o anonimato do proprietário atual. É metodologia que, no Brasil e no mundo, sempre gera discussão e polêmica entre colecionadores e instituições. Corrêa do Lago elogia a atitude do Museu Histórico Nacional, que, diante de uma obra de Debret com autoria contestada, formou comissão técnica e convocou os autores do catálogo para discutir os laudos. A comissão reconheceu as análises e mudou a atribuição da autoria da peça. “Essa é a atitude correta”, afirma.