Na próxima quinta, será lançado Vik Muniz: Tudo até agora – Catalogue raisonné 1987-2015 pela Capivara Editora. São dois volumes, 900 páginas, 1.400 imagens, entre desenhos, esculturas e fotografias e uma entrevista com o artista feita pela crítica Luísa Duarte. “Fazer um catálogo geral é igual arrumar a casa. Trinta anos de atividade, sem organização, fazem com que a casa vire uma bagunça. Organizada, ela ganha um certo frescor”, diz Vik sobre como se sente em relação à publicação.
Não se trata de uma obra apenas para especialistas, avisa.“Meus trabalhos são produto de uma certa erudição, mostram a complexidade do jogo entre a imagem e como elas são feitas.
Segundo Vik, “existem fluxos criativos que não são tão visíveis e que para ser percebidos dependem da observação imagem por imagem. Um catálogo permite ver o quanto você se aprimorou, um trabalho ecoando em outro, possibilitando a consciência do que foi feito”. Além disso, um catálogo raisonné “organiza a parte burocrática da relação com o mercado”. Esse aspecto não é nada secundário para quem se firmou como o artista brasileiro com mais presença em leilões internacionais. Nessas ocasiões, ele observa, chovem pedidos de informações sobre as obras e declarações de autenticidade, inclusive.
ALERTA
Em duas ocasiões, Vik Muniz enfrentou problemas com falsificação de obras suas. Numa, tentaram imprimir imagens de sua autoria no mesmo escritório em que ele trabalha. O responsável pela empresa alertou o artista. Em outra, falsificaram inclusive sua assinatura, na Itália. “Nunca imaginei que pudesse acontecer, até porque não são trabalhos que valem tantos milhões de dólares assim para alguém falsificar. É uma situação muito ruim. Tira a credibilidade da sua produção no mercado”, afirma.
Ele diz que as falsificações foram rapidamente identificadas porque a marca de seu trabalho é a máxima nitidez das imagens, produto de altíssima tecnologia, o que dificulta imitações.
“Trabalho com a experiência do espectador”
Vik Muniz falou à reportagem por telefone. Nascido em São Paulo, hoje ele vive e trabalha nas cidades do Rio de Janeiro e Nova York. De família modesta, que morava no Bairro Jardim Panamericano, zona norte paulistana, ele começou a trabalhar aos 17 anos na área de publicidade. Aos 19, tornou-se consultor para outdoor.
Voltando para casa certa noite, tentou apartar uma briga é foi confundido com o agressor. Levou dois tiros da vítima, que, mais tarde, reconheceu o erro e doou a ele uma quantia em dinheiro.
Seus primeiros trabalhos são releituras de fotos da revista norte-americana Life feitas com açúcar, chocolate, catchup, lixo etc. Materiais que, mais tarde, usa para fazer retratos e réplicas de obras clássicas de várias épocas. “Estou sempre me referindo a imagens que fazem parte do arquivo mental das pessoas, a arquétipos, ícones, estereótipos. Trabalho com a experiência do espectador.” Fotografar e mudar a escala das montagens permite levar a matriz para “um plano mental”, explica. “Sou, de alguma forma, artista conceitual.”
Recentemente, Vik Muniz fotografou versos de obras famosas. Com vaidade, já que é homem que veio de meio simples, conta que conseguiu que o Louvre o deixasse fotografar o verso da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Fez o mesmo com Lição de anatomia, de Rembrandt, e Moça com brinco de pérola, de Vermeer. Ainda pretende registrar o verso de O grito, de Munch, e O beijo, de Klimt. As obras dessa série deverão ser expostas na Holanda, em junho do ano que vem.
AUTORRETRATO
DIÁLOGO E ENCANTAMENTO
“Criar tensão entre o material e a ideia é prática constante da primeira até a obra mais recente. A primeira impressão é de algo familiar, que vem junto com um problema. E o espectador começa a fazer perguntas que não faz a outras imagens. Isso é interação, diálogo, não consumo de imagens. É algo mágico. Quando você se encanta com uma pessoa, quer saber mais sobre ela. O valor artístico de uma coisa está em sua capacidade de seduzir, criar diálogo, engajar o espectador num tipo de relacionamento que é afetivo”
ORIGEM HUMILDE
“Trabalho criando uma arquitetura que permita várias leituras das imagens, que ofereçam várias portas para o espectador entrar nelas. Venho de família humilde. A primeira vez que meus pais foram ao museu foi para ver uma exposição minha. Ficava pensando: será que minha mãe entende o que faço? Ou essa imagem ia intrigá-la?. Se eu conseguir só intrigar alguém, já está bom. A arte é um dos poucos elementos do mundo da comunicação que é reflexiva, que olha para si mesma”
ENGRENAGEM EXPOSTA
“Minhas imagens demonstram como as imagens funcionam, mostrando o processo como foram feitas. Há relógios que fazem pensar no tempo e outros que, além disso, mostram as engrenagens dele. O que espero é que essas imagens, que estão fora do fluxo natural das imagens que nos oferecem, funcionem como vacina que, impactando, façam as pessoas questionarem as imagens e como são feitas. E se relacionem da mesma forma com outras famílias de imagens, prolongando a experiência que tiveram nos museus e nas galerias de arte para além desses locais”
ECOLOGIA MENTAL
“A arte contemporânea tem papel fundamental em otimizar, esclarecer o mundo em que vivemos. Até porque, engaja o indivíduo num diálogo com o mundo. Talvez estejamos vivendo a melhor época da humanidade. Já pensou como devia ser a Idade Média? Ou como eram os anos 1960? O mundo está melhorando, apesar de parecer que só há coisas ruins. Estamos precisando criar uma ecologia mental dedicada a formas de entender o mundo e a eficiência no sentido de se relacionar com ele da melhor maneira possível”
ESTADOS UNIDOS
A melhor definição para os Estados Unidos continua sendo a de Tom Jobim: “É bom, mas é uma merda e é uma merda mas é bom”. Os norte-americanos fazem as coisas primeiro e depois pensam. Eles têm uma coragem, uma inconsequência, algo quase ingênuo, que acaba sendo bonito. Vivendo lá você aprende a ser assim. Hoje nos relacionamos com o mundo muito através da comunicação. É bom experimentar fazer coisas sem ser via comunicação, se engajando e acreditando que podem acontecer. Muitas coisas boas vieram de pessoas que acreditavam que o mundo podia ser melhor.