Lançado dez anos depois do bem-sucedido Vinicius, o documentário, do mesmo diretor, Miguel Faria Jr., serve a vários propósitos. Enche de lágrimas e emoção os mais velhos, na mistura de material histórico e inédito, nostalgia e atualidade. Provoca os mais jovens ao apresentar um escritor, músico e compositor lúcido e bem humorado, disposto a se revelar com sincera generosidade e abrir importantes caixas de diálogo.
O disco com a trilha sonora, que chega às lojas em ação paralela à exibição nos cinemas, contempla os dois públicos. E consegue surpreender até quem já coleciona milhares de audições de alguns de seus clássicos e lados B. Mesclando artistas de vários quilates e épocas, em oito das 10 faixas, o CD é mais do que um suvenir ao qual recorrer quando der saudade do filme, é uma das melhores coletâneas, entre as centenas que nosso maior compositor vivo já mereceu.
Já na abertura, com um tema pouco conhecido da maioria, a belíssima Sinhá, cantada pelo próprio autor, qualquer ouvido com algum grau de sensibilidade pode entender que é possível falar de temas como injustiça social, paixão, admiração da beleza, jogo de cintura, opressão, racismo e outras questões tão gritadas em atos e omissões com uma sensibilidade poética e musical única original. E, no encerramento, a autobiográfica Paratodos, a outra faixa defendida por Chico, é aula de história do Brasil e da música popular brasileira.
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ELITE BRANCA
Cartola e Jackson do Pandeiro, presentes na canção, e Nelson Cavaquinho, que está numa das cenas, produziram música de altíssimo nível, sofisticada e, ao mesmo tempo, popular. E não vieram da elite branca da zona sul carioca. E o sambista Péricles, que vem do grupo de pagode Exaltasamba e faz uma boa leitura de Estação derradeira, mostra que, quando tem chance, trabalha com material mais sofisticado do que o habitual com tranquilidade. Caso de lembrar famosos versos de Gilberto Gil, mais otimista: “O povo sabe o que quer/ Mas o povo também quer o que não sabe”.
Na categoria emoção, a portuguesa Carminho dá dois shows de dramaticidade lusa a serviço da MPB. Faz uma versão de Sabiá de dilacerar corações e divide com Milton Nascimento uma arrasadora versão de Sobre todas as coisas, um dos maiores acertos dos muitos da dupla Edu e Chico. Mas nem só de drama vivem o filme e o disco. Adriana Calcanhotto e Mart’nália atualizam e capricham na malícia do samba Biscate, uma das provas mais nítidas de que Chico é um dos mais eficazes herdeiros de Noel Rosa. E a revelação Moyseis Marques, um dos mais promissores novos talentos da cena carioca, se sai bem em outro samba, Mambembe.
Unindo técnica e sensibilidade, Mônica Salmaso não consegue superar a versão original de Simone, mas dá elegância inédita ao delicado caso de Mar e lua, enquanto Laila Garin, que recentemente viveu Elis Regina nos palcos, dá aula de como uma atriz pode revigorar um clássico, com uma leitura quase minimalista de Uma canção desnaturada. O efeito é, ao mesmo tempo, semelhante e oposto ao da gravação de Elza Soares para Meu guri.
Fechando o repertório, Ney Matogrosso demonstra a competência habitual ao cantar uma das mais cinematográficas obras de Chico, As vitrines. Mas a sensação, tanto no vídeo quanto no áudio, é de que poderia ter rendido mais, por seu potencial centenas de vezes demonstrado.