Uma garota com idade suficiente para ler um livro com quase 300 páginas no ano 2000, quando O diário da princesa (Galera Record, R$ 42) foi lançado, provavelmente crescera durante a década de 1990. Meninas adeptas de gargantilhas de elástico, estampas vichy e batons marrons, retirados de filmes como As patricinhas de Beverly Hills, as leitoras da norte-americana Meg Cabot estão, hoje, no início da fase adulta. Depois de colecionar figurinhas das Spice Girls e dos Backstreet Boys há duas décadas, elas gerenciam o início da carreira e até planejam constituir família - ou simplesmente lutam pela autonomia de não fazê-lo. São o público-alvo de O casamento da princesa (Galera Record, R$ 39).
>> ENTREVISTA: Meg Cabot
Quando você escreveu O casamento real, pensou que se destinava a novos leitores, de uma outra geração? Ou aos leitores que seguiram Mia desde o lançamento de O diário da princesa, há 15 anos?
O primeiro O diário da princesa foi publicado no ano 2000, nos Estados Unidos. Muitos dos leitores daquela fase têm, hoje, a idade da personagem Mia no novo livro, entre 25 e 26 anos. Eles estão encarando os mesmos desafios da vida que ela encara em O casamento da princesa: a formatura, o primeiro emprego, o início da carreira, um possível casamento e o começo da própria família. Nos Estados Unidos, esse livro é voltado para jovens adultos. Mesmo que Mia esteja mais velha, ela ainda é a mesma pessoa. Tem os mesmos medos, obsessões e, como muita gente, tenta encontrar seu lugar no mundo. Eu espero ter escrito um livro para qualquer pessoa, fãs antigos e novos fãs, que possam apreciá-lo mesmo sem ter lido os livros anteriores ou visto os filmes.
Na internet, os fãs antigos são maioria. Você acredita que Mia Thermopolis acompanhou o crescimento das garotas dos anos 1990? Qual o segredo para manter essa relação?
Eu acredito que Mia tem muito em comum com as garotas da idade dela. Isso porque eu conheço muitas garotas de 25 ou 26 anos que estão nas mesmas circunstâncias que ela, mesmo não sendo princesas. Muitas têm incertezas sobre o que fazer com suas próprias vidas, carreiras e romances. Elas sentem como se tivessem bebido um pouco demais e não compreendessem o que preocupa suas famílias, seus pais. Não é tão diferente de como eu me sentia nessa fase da vida. Ou até mesmo de como me sinto na minha idade atual!
No começo dos anos 2000, a construção psicológica da protagonista encorajou as garotas a lutarem contra alguns paradigmas, como padrões de beleza. Mia não era a garota mais bonita, nem a mais graciosa. Você acredita que essa “batalha” seria mais fácil agora, quando o feminismo está mais forte?
Eu espero que sim. Mas, de algum modo, acredito que está piorando. Pelo menos nos Estados Unidos, temos algumas celebridades que insistem em não ser feministas por que não entendem o que essa palavra significa. Para elas, isso parece algo negativo, quando, no fundo, significa exatamente o que a Jennifer Lawrence está pedindo: recompensas iguais por trabalhos iguais. Ainda existe uma enorme pressão para que as garotas sejam as mais bonitas, as mais magras, as mais populares. Isso é algo que percebemos em O casamento da princesa, quando Mia comenta o fato de ser sempre comparada a Kate Middleton. É a comparação entre uma jovem e uma princesa, Mia tem que aprender quem é, enquanto luta contra os paparazzi e os stalkers, tudo isso enquanto é exposta pela mídia. Crescer na era das redes sociais é um fenômeno completamente novo. Essa geração é a primeira a enfrentá-lo. Escrever sobre isso é um desafio interessante e engraçado.
Como as referências modernas acrescentadas ao livro, como seriados do Netflix, ajudam a atrair os leitores atuais para uma história criada há 15 anos?
O casamento da princesa é a história de uma jovem mulher de 26 anos que vive em Nova York e, por acaso, é a herdeira do trono de um pequeno principado europeu. Não havia como contar essa história sem usar referências do mundo atual. São muitas referências atuais que ela, como nobre, precisa conhecer, pois ameaçam seu país. E até mesmo os seriados mencionados ajudam a entender que aquele é o mundo onde os personagens vivem, e que ele é real. Eu acho que as referências à cultura pop ajudam os leitores a reconhecer a si mesmos. Isso dá veracidade à história.
Sobre O diário da princesa, que comemora 15 anos, muitas mudanças ocorreram entre 2000 e 2015. Isso modificaria o que você escreveu, caso o livro fosse construído hoje? Há algum ponto que modificaria, algum conflito ou personagem ao qual daria maior destaque?
Como todos os autores, eu também tenho, certamente, pontos que gostaria de refazer, se pudesse voltar atrás. E faria diferente. John Green mencionou, por exemplo, que o uso da palavra “retardado” em um dos seus livros é algo do qual ele se arrepende. Era uma palavra comum entre alguns jovens dos anos 1990 e início dos anos 2000, mas incomoda os leitores atuais. Eu provavelmente removeria as referências ao ator Heath Ledger ser sexy. Ele era, é claro. Mas sua morte foi tão trágica, que essas menções parecem inapropriadas.
Há uma referência, num dos livros, em que a princesa Mia está ansiosa para ganhar um pager no Natal. Um pager! Eu li isso recentemente e dei uma boa gargalhada! (Risos) Na verdade, pedi que não mudassem isso, porque é um reflexo preciso da geração em que ela cresceu. E é também uma coisa que uma garota de 14 anos, naquela época, gostaria de ter. Se crianças lerem e perguntarem aos pais o que é um pager, tudo bem. As famílias precisam deixar de lado seus aparelhos eletrônicos e conversar mais. Pelo menos sinto isso aqui, nos EUA.
Quanto aos autores brasileiros, há algum que a inspire mais?
Infelizmente, há poucas autoras brasileiras cujos livros sejam traduzidos para o inglês e estejam disponíveis nos Estados Unidos. E eu gosto de apoiar o trabalho de mulheres escritoras. Clarice Lispector continua sendo a mais acessível nos Estados Unidos. Eu gosto da escrita dela porque é inteligente, misteriosa e me faz pensar no mundo de outras formas, sob novas perspectivas. Adriana Lisboa e Vanessa Barbara também são inspiradoras e têm trabalhos traduzidos para o inglês.
Além de outros conflitos e aspirações, Mia, protagonista da série O diário da princesa, está sempre buscando a felicidade no amor. Você acredita que essa ainda seja uma busca das mulheres atuais? Ainda é uma prioridade, a realização amorosa?
Oh, querida, agora estou um pouco preocupada com a tradução para o português, em como isso vai soar. Porque eu acredito que, agora, Mia esteja procurando por sua própria realização, sua missão, um encontro consigo mesma, que é o que todas as mulheres - e todos os homens com cérebro - procuram. É o sentido da vida. A felicidade no amor é secundária diante disso, já que não se pode encontrá-la até que você encontre o seu próprio lugar no mundo e a felicidade consigo mesmo(a). Isso não ficou claro nos livros? Se não ficou, preciso falar com meu editor!
Você já declarou, em outras oportunidades, que escreve para os jovens. Você sente que encoraja debates nessa faixa etária? Acredita na literatura como ferramenta de transformação?
Um bom entretenimento também provoca reflexão nas pessoas, mesmo quando não percebem que estão refletindo. Se consegui isso, fico muito feliz. Certa vez, li um comentário de uma criança sobre meus livros, dizendo assim: “eu amo os livros da Meg Cabot porque eles são engraçados e, ao mesmo tempo, sempre aprendo algo com eles, mesmo quando não tenho a intenção.” Ha! Fiquei mais comovida por esse comentário do que por qualquer prêmio que já ganhei.
O que você pensa a respeito das adaptações da Disney para o cinema? Gosta da Mia vivida por Anne Hathaway? Já ventilaram a possibilidade da continuação da série nas telonas?
Eu sei que circularam rumores sobre um terceiro filme durante algum tempo. Meus lábios estão cerrados. Tudo o que eu posso dizer é que Fat Louie amaria se isso acontecesse! E eu, claro, já garanti a minha parte.
A ironia e o sarcasmo são traços marcantes no senso de humor da protagonista. São características suas?
Nem sei do que você está falando… (Risos) Isso foi uma piada. Eu acho, na verdade, que é muito importante não levarmos a vida tão a sério. Muitas coisas ruins acontecem no mundo todos os dias. Para suportar isso, especialmente se você vive na América, um pouco de humor é necessário. Imagino que no Brasil seja do mesmo jeito.
Sei que sua agenda está apertada no Brasil. Mas se tivesse um tempo extra no país, o que gostaria de fazer?
Pretendia tomar muitas caipirinhas. (Risos) Brincadeira! Não, não é brincadeira. Também gostaria de comprar algumas Havaianas, pois não encontramos mais sandálias boas desse tipo nos Estados Unidos.