Edição 2016 do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua perde dois curadores

Por temer que o evento não tenha qualidade garantida, Eduardo Moreira e Diego Bagagal se desligam

por Carolina Braga 16/10/2015 08:00

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(foto: Reprodução)
Uma homenagem ao The Living Theatre, companhia precursora do teatro experimental nos EUA, com direito à vinda de uma produção e exposição temática. Negociações para criações compartilhadas de artistas mineiros com profissionais do Bouffes du Nord, teatro de Paris que abriga, entre outras, peças do diretor inglês Peter Brook. E a presença de montagens polêmicas como a sul-africana Exbihit B, de Brad Bradley, alvo de protestos em Londres.

Essas poderiam ser algumas das atrações da próxima edição do Festival Internacional de Teatro Palco e Rua de Belo Horizonte, o FIT-BH, se um problema antigo não tivesse dado novamente o ar de sua graça: desorganização. “Só pode acontecer se tudo for armado com muita antecedência. Aí é que está o nó da coisa”, resume o ator e diretor Eduardo Moreira, que anteontem anunciou sua saída do cargo de curador do FIT, juntamente com o também ator e diretor Diego Bagagal. Eles haviam assumido em fevereiro, juntamente com Walmir José, que permanece no posto.

A falta de organização volta a ser um fantasma para esse que já foi um dos principais eventos internacionais de artes cênicas realizados no Brasil e vem perdendo qualidade e relevância. “Houve uma atmosfera de respeito em toda a condução do trabalho. A partir da etapa em que precisávamos efetivar a produção dos grupos e dos artistas é que a coisa se perdeu, com grandes problemas de comunicação e de articulação”, afirma Moreira.

A saída da dupla de curadores é mais um capítulo da crise que insiste em marcar presença  na história recente do festival. A população sabe que de dois em dois anos há uma programação de esperado alto nível na cidade. Na troca de comando, os organizadores ainda demonstram dificuldade para atender com tranquilidade a essa agenda.

Desde 2010, quando o FIT chegou a ser cancelado pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) com a alegação de dificuldade de captação em ano de Copa do Mundo, a trajetória do festival é inconstante. As edições de 2010, 2012 e 2014 foram pensadas e realizadas por equipes diferentes.

GESTÃO

Ex-diretores e curadores, como Carlos Rocha, Marcelo Bones e Richard Santana, não têm dúvida de que a principal dificuldade sempre foi a gestão. Carlão, que esteve à frente da maioria das edições do festival, cita Samuel Beckett, ao lembrar que a rotina era um eterno Esperando Godot. “A cada edição, ficava ali no mesmo lugar, tentando saber se Godot vem ou não vem”, diz, mencionando os atrasos e as incertezas sobre a permanência da equipe e os repasses de verba.

O “sonho” de Carlão era ter uma equipe fixa, orçamento e condições para um planejamento maior. Uma das justificativas para o FIT ser bienal era justamente a necessidade de ter um ano de antecedência para fechar contratos e, assim, conseguir pauta com grandes companhias.

A decepção foi constatar que, embora a teoria contemplasse uma formação mais perene, a realização da mostra de espetáculos era o que mais interessava à Prefeitura de Belo Horizonte, que realiza o evento. “Gosta da festa. Essas coisas trazem muito mais voto do que qualquer coisa cotidiana. É um problema crônico da política brasileira”, critica Carlão.

Marcelo Bones, que assumiu o FIT logo após a saída de Carlos Rocha, e voltou como diretor artístico em 2012, faz avaliação semelhante. “É cada vez mais premente para os festivais uma estrutura organizacional mais bem acabada. A gente tinha que avançar para melhorar essa estrutura. Seria interessante se pudesse experimentar durante três edições e depois ser renovada. Não se pode cristalizar o mesmo pensamento”, afirma.

O convite a Eduardo Moreira, Diego Bagagal e Walmir José para assumir a curadoria do FIT-BH 2016  foi oficializado em janeiro deste ano. Para Moreira, essa antecedência é uma prova de que existe a preocupação por parte da FMC com a organização do festival. “O grande desafio é a efetivação desse desejo de mudança”, diz. Moreira e Bagagal optaram por abandonar o cargo ao perceber morosidade no encaminhamento das sugestões apresentadas pela curadoria.

“Os prazos estão atrasados. É uma corrida contra o tempo. É preciso que se monte uma estrutura rápida e eficiente que possibilite trazer determinados grupos que, pela qualidade e excelência do trabalho, são muito requisitados”, afirma Moreira, ressaltando que o FIT está previsto para junho do ano que vem. Os oito meses que antecedem a data significam prazo mais que apertado, sobretudo para as negociações internacionais.

O produtor venezuelano Richard Santana, que foi curador do FIT nas últimas edições coordenadas por Carlos Rocha, explica que a diferença entre os grupos de nível simples, médio e alto está na agenda. “Os grandes grupos têm a agenda fechada um ano antes”, diz. Do tempo que vivenciou a adrenalina do FIT, lembra que a confirmação do repasse de verba se dava faltando apenas cerca de três meses para a abertura do festival.

“É uma incerteza muito grande a cada edição. Existe o compromisso. Você não pode bloquear a agenda de um grupo de alto nível para depois falar ‘desculpe, tive um problema com o repasse’. Isso não se faz. É o nome do curador no mercado internacional”, diz.

“Ontem (terça-feira) recebi uma mensagem do produtor do Bouffes du Nord dizendo que não tem mais como pedir aos atores e cantores do espetáculo que esperem uma definição sobre a vinda ao Brasil. Precisamos trabalhar com previsão e planejamento que permitam a concretização de nossos sonhos”, afirma Eduardo Moreira.

FMC diz que fará “grande edição”

Embora em tom ameno e conciliador, a carta enviada por Eduardo Moreira e Diego Bagagal à imprensa na última terça-feira informando seu desligamento do FIT deixa claro que a dupla de curadores teme uma edição pífia em 2016, em contradição com as propostas robustas que apresentaram, e não quer ter que responder por algo que escapa ao seu controle.

A decisão dos dois curadores de se afastar culmina um clima de tensão que se arrasta há meses e que já incluiu outros desligamentos na equipe, na área de produção. Segundo o Estado de Minas apurou, a atriz Dayse Belico, que é servidora da FMC e responsável pelo Teatro Francisco Nunes, também foi nomeada curadora, há aproximadamente dois meses, numa tentativa de amenizar e recompor o diálogo entre a equipe e a Diretoria de Artes Cênicas da fundação, comandada por Cássio Pinheiro.

A FMC não atendeu à solicitação de entrevista feita pela reportagem. Por meio de nota, a instituição afirmou que a primeira etapa de trabalho da curadoria foi realizada. “A partir dessas informações, será dada sequência ao trabalho, com a efetivação dos contatos com grupos e companhias sugeridos, além da busca por perfis de espetáculos não contemplados na proposta entregue, como peças de rua, infantis e de grupos locais, além de atividades de ações formativas”, diz a nota.

A instituição reitera que está cumprindo todas as obrigações contratuais. “O trabalho segue no âmbito da instituição, com os dois curadores que darão continuidade e que terão agora a responsabilidade de levar adiante o trabalho junto com as equipes técnicas e administrativas da FMC. Proximamente iniciaremos a produção e equipes externas serão contratadas. A Fundação Municipal de Cultura segue, portanto, firme no projeto de entregar em junho de 2016 uma grande edição do FIT-BH.”

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