Os fragmentos da carreira se espalham em quadros pela parede. Estão lá o inesquecível Mercúcio, personagem de Romeu e Julieta (1992), cartazes de Um moliére imaginário (1997), Salmo 91 (2007), Antes do silêncio (2011), Amor e outros estranhos rumores (2012) e tantos outros. Também tem fotos. Em uma delas está o elenco do Grupo Galpão e Ariano Suassuna. Este é o cenário do escritório do ator Rodolfo Vaz.
Diariamente, quando ele se senta ali para trabalhar detalhes dos bastidores teatrais – sim, ele também tem que lidar com essa parte –, o ex-integrante do Grupo Galpão pode até não se dar conta do quanto aquele conjunto de imagens representa. Mas o ex-jogador de futebol de salão do Cruzeiro, pai do Lucas (17) e da Júlia (12), não faz o tipo nostálgico. Reconhece a importância do percurso na formação de um ator. Constantemente, porém, reafirma a importância do risco.
Aos 53 anos, Rodolfo Vaz estreia neste sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, a peça O capote, com direção de Yara de Novaes, texto de Drauzio Varella e Cássio Pires. A montagem é uma adaptação da novela homônima de Nikolai Gógol (1809-1852). É também o primeiro espetáculo produzido por ele – e a parceira, a também atriz Fernanda Vianna – estando oficialmente fora da companhia que ajudou a fundar. Foi no início deste ano que Vaz assinou a papelada da “separação” com o Grupo Galpão. “É difícil. É igual ex-esposa, cheia de filhos crescidos, que são os espetáculos. Faço parte dessa história. Nunca vai se romper”, comenta.
Desde 2007, quando se licenciou para fazer Salmo 91 a convite de Gabriel Vilella, Rodolfo não participou de nenhuma nova peça da trupe. Sua saída foi gradual. Afastou-se da atuação, das discussões artísticas e, paralelamente, passou a se dedicar a projetos fora de Belo Horizonte. Fez três peças em São Paulo (Por um fio, Amor e outros estranhos rumores e O continente negro), uma no Rio (Adeus à carne) e outra em Belo Horizonte (Antes do silêncio), esta sob a direção do mestre Eid Ribeiro.
Juntou-se ao Galpão novamente apenas para a remontagem de Romeu e Julieta, em 2012. Teve certeza de que a química do passado já não era a mesma. Os novos voos precisavam ser mais frequentes e, de fato, independentes. “Queria um formato novo”, assume. Rodolfo queria mais provocação e risco enquanto intérprete. Nunca pensou que seria fácil. Esta semana, ao ver a entrevista do colega Antônio Fagundes no programa Roda viva, exibido pela TV Cultura, foi tocado por uma charge de Paulo Caruso que colocou, na voz do veterano galã da TV, a frase: “Conselho para um jovem ator: seja famoso”.
INCENTIVO
Rodolfo lembrou que já conversou sobre isso com Fagundes. Crítico feroz dos mecanismos de incentivo à cultura vigentes no Brasil, essa foi uma “alternativa” para fazer com que o público tivesse interesse em chegar ao teatro. O argumento é simples, mas um tanto cruel e injusto. Se Antônio Fagundes for para Manaus e ninguém soubesse quem ele é, a plateia estaria vazia. Tudo muda para quem é famoso.
“Quando saí do Galpão, pensei: famoso eu não fiquei. O meu grupo ficou famoso, mas agora já não estou mais lá. Já não sou nada. Fico sendo um ator conhecido, mas que não chama público”, refletiu. Na linha de raciocínio de Fagundes, se Rodolfo fosse para Manaus, será que haveria alguém interessado em assistir ao seu trabalho?
O capote estreou em julho no Centro Cultural Banco do Brasil, no Centro de São Paulo, e demonstrou o contrário. Foram dois meses de casa lotada. A temporada mineira será de um mês e a expectativa é a mesma. Embora o espetáculo tenha sido criado na capital paulista, Rodolfo Vaz não atribui o bom resultado ao fato de estar na maior cidade do Brasil. “Todo lugar é difícil”, sintetiza.
Ele definitivamente não é mais um a reforçar o êxodo de atores para o Rio e São Paulo. Antes de entrar para o Grupo Galpão, em 1986, mudou-se de mala e cuia para Londres. Era um período de dúvidas e a experiência na Inglaterra seria importante para definir se seguiria a carreira de ator ou não. Foi convidado para trabalhar com a então jovem companhia Cumplicité, em criação no National Theatre.
Ao se surpreender com a formação daqueles atores, se deu conta do quão jovem é sua terra natal. “Eu pensava: Belo Horizonte não tem nem 100 anos. É preciso correr atrás do atraso de ser jovem”, diz, lembrando citação de Nelson Rodrigues. “Envelheçam o mais rápido possível”, recomendava o autor de Vestido de noiva.
Hoje, reconhece o rápido amadurecimento cultural da capital mineira, mas faz ressalvas. “A cidade atravessa um momento incrível. Ao mesmo tempo, acho que existem grupos muito bem estruturados, com sede própria, livros impressos e que os atores são muito ruins. São malformados e filhos de editais”, critica.
Assim como Antônio Fagundes, Rodolfo Vaz também é contrário ao esquema formado pelas leis de incentivo. Faz uso delas porque não tem outra alternativa. Mas, para ele, há algo de viciante e perverso nesse universo de disputa desenfreada por editais. Para ele, há uma geração de atores que, por dominar o quesito burocracia, acaba sendo mais bem-sucedida do que artistas veteranos. Rodolfo manifesta incômodo com a distorção causada por esse sistema. Depois de experimentar produzir o próprio trabalho, não mudou sua convicção de que ator não deveria ser obrigado a gastar energia para viabilizar suas peças. Rodolfo sabe que o lugar do ator é no palco.
Personagem se encontra com o intérprete
Akaki Akakievitch, o protagonista de O capote, de certa maneira sempre correu atrás de Rodolfo Vaz. Yara de Novaes, hoje diretora da montagem, foi a primeira a chamar a atenção para isso. Quando a atriz substituiu Fernanda Vianna no elenco de O inspetor geral (2003), do Grupo Galpão, ela já havia sugerido ao colega uma leitura mais atenta. Para Yara, Akaki era a cara de Rodolfo.
Depois foi a vez de Drauzio Varella que, ao fim de seis anos, resolveu colocar a mão na massa e presentear o amigo com uma adaptação do conto de Gógol. “Estou muito satisfeito com a peça porque acho que ela reflete o que eu queria. Se está bom ou ruim fica para quem assiste. Estou muito feliz de estar conseguindo provocar mais do que ser legal”, diz Rodolfo.
A novela de Nikolai Gógol foi escrita em 1842. Na história, um escrevente de uma repartição pública de São Petersburgo precisa se submeter a severas restrições a fim de conseguir economizar dinheiro para comprar um novo capote. Rodolfo divide a cena com os atores Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas.
O capote é uma montagem multimídia. Detalhe: o lance aqui é ser pop com um exemplar clássico da literatura russa do século 19. É ser também contemporâneo ao falar sobre estruturas cristalizadas, caretice social e excesso de burocracia. Além do texto teatral, a música – executada pela musicista Sara Assis e o vídeo – assinado por Rogério Velloso – complementam a narrativa e potencializam a palavra. Rodolfo Vaz define a peça como pop. “É muito mais do que isso, mas é pop”, reforça. (CB)
O capote
De Nikolai Gógol, adaptação de Drauzio Varella e Cássio Pires. Direção de Yara de Novaes. Com Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan, Marcelo Villas Boas e Sara Assis. De 10 de outubro a 9 de novembro, sempre de quinta a segunda, às 20h. Teatro I. Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Diariamente, quando ele se senta ali para trabalhar detalhes dos bastidores teatrais – sim, ele também tem que lidar com essa parte –, o ex-integrante do Grupo Galpão pode até não se dar conta do quanto aquele conjunto de imagens representa. Mas o ex-jogador de futebol de salão do Cruzeiro, pai do Lucas (17) e da Júlia (12), não faz o tipo nostálgico. Reconhece a importância do percurso na formação de um ator. Constantemente, porém, reafirma a importância do risco.
Aos 53 anos, Rodolfo Vaz estreia neste sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, a peça O capote, com direção de Yara de Novaes, texto de Drauzio Varella e Cássio Pires. A montagem é uma adaptação da novela homônima de Nikolai Gógol (1809-1852). É também o primeiro espetáculo produzido por ele – e a parceira, a também atriz Fernanda Vianna – estando oficialmente fora da companhia que ajudou a fundar. Foi no início deste ano que Vaz assinou a papelada da “separação” com o Grupo Galpão. “É difícil. É igual ex-esposa, cheia de filhos crescidos, que são os espetáculos. Faço parte dessa história. Nunca vai se romper”, comenta.
Desde 2007, quando se licenciou para fazer Salmo 91 a convite de Gabriel Vilella, Rodolfo não participou de nenhuma nova peça da trupe. Sua saída foi gradual. Afastou-se da atuação, das discussões artísticas e, paralelamente, passou a se dedicar a projetos fora de Belo Horizonte. Fez três peças em São Paulo (Por um fio, Amor e outros estranhos rumores e O continente negro), uma no Rio (Adeus à carne) e outra em Belo Horizonte (Antes do silêncio), esta sob a direção do mestre Eid Ribeiro.
Juntou-se ao Galpão novamente apenas para a remontagem de Romeu e Julieta, em 2012. Teve certeza de que a química do passado já não era a mesma. Os novos voos precisavam ser mais frequentes e, de fato, independentes. “Queria um formato novo”, assume. Rodolfo queria mais provocação e risco enquanto intérprete. Nunca pensou que seria fácil. Esta semana, ao ver a entrevista do colega Antônio Fagundes no programa Roda viva, exibido pela TV Cultura, foi tocado por uma charge de Paulo Caruso que colocou, na voz do veterano galã da TV, a frase: “Conselho para um jovem ator: seja famoso”.
INCENTIVO
Rodolfo lembrou que já conversou sobre isso com Fagundes. Crítico feroz dos mecanismos de incentivo à cultura vigentes no Brasil, essa foi uma “alternativa” para fazer com que o público tivesse interesse em chegar ao teatro. O argumento é simples, mas um tanto cruel e injusto. Se Antônio Fagundes for para Manaus e ninguém soubesse quem ele é, a plateia estaria vazia. Tudo muda para quem é famoso.
“Quando saí do Galpão, pensei: famoso eu não fiquei. O meu grupo ficou famoso, mas agora já não estou mais lá. Já não sou nada. Fico sendo um ator conhecido, mas que não chama público”, refletiu. Na linha de raciocínio de Fagundes, se Rodolfo fosse para Manaus, será que haveria alguém interessado em assistir ao seu trabalho?
O capote estreou em julho no Centro Cultural Banco do Brasil, no Centro de São Paulo, e demonstrou o contrário. Foram dois meses de casa lotada. A temporada mineira será de um mês e a expectativa é a mesma. Embora o espetáculo tenha sido criado na capital paulista, Rodolfo Vaz não atribui o bom resultado ao fato de estar na maior cidade do Brasil. “Todo lugar é difícil”, sintetiza.
Ele definitivamente não é mais um a reforçar o êxodo de atores para o Rio e São Paulo. Antes de entrar para o Grupo Galpão, em 1986, mudou-se de mala e cuia para Londres. Era um período de dúvidas e a experiência na Inglaterra seria importante para definir se seguiria a carreira de ator ou não. Foi convidado para trabalhar com a então jovem companhia Cumplicité, em criação no National Theatre.
Ao se surpreender com a formação daqueles atores, se deu conta do quão jovem é sua terra natal. “Eu pensava: Belo Horizonte não tem nem 100 anos. É preciso correr atrás do atraso de ser jovem”, diz, lembrando citação de Nelson Rodrigues. “Envelheçam o mais rápido possível”, recomendava o autor de Vestido de noiva.
Hoje, reconhece o rápido amadurecimento cultural da capital mineira, mas faz ressalvas. “A cidade atravessa um momento incrível. Ao mesmo tempo, acho que existem grupos muito bem estruturados, com sede própria, livros impressos e que os atores são muito ruins. São malformados e filhos de editais”, critica.
Assim como Antônio Fagundes, Rodolfo Vaz também é contrário ao esquema formado pelas leis de incentivo. Faz uso delas porque não tem outra alternativa. Mas, para ele, há algo de viciante e perverso nesse universo de disputa desenfreada por editais. Para ele, há uma geração de atores que, por dominar o quesito burocracia, acaba sendo mais bem-sucedida do que artistas veteranos. Rodolfo manifesta incômodo com a distorção causada por esse sistema. Depois de experimentar produzir o próprio trabalho, não mudou sua convicção de que ator não deveria ser obrigado a gastar energia para viabilizar suas peças. Rodolfo sabe que o lugar do ator é no palco.
Personagem se encontra com o intérprete
Akaki Akakievitch, o protagonista de O capote, de certa maneira sempre correu atrás de Rodolfo Vaz. Yara de Novaes, hoje diretora da montagem, foi a primeira a chamar a atenção para isso. Quando a atriz substituiu Fernanda Vianna no elenco de O inspetor geral (2003), do Grupo Galpão, ela já havia sugerido ao colega uma leitura mais atenta. Para Yara, Akaki era a cara de Rodolfo.
Depois foi a vez de Drauzio Varella que, ao fim de seis anos, resolveu colocar a mão na massa e presentear o amigo com uma adaptação do conto de Gógol. “Estou muito satisfeito com a peça porque acho que ela reflete o que eu queria. Se está bom ou ruim fica para quem assiste. Estou muito feliz de estar conseguindo provocar mais do que ser legal”, diz Rodolfo.
A novela de Nikolai Gógol foi escrita em 1842. Na história, um escrevente de uma repartição pública de São Petersburgo precisa se submeter a severas restrições a fim de conseguir economizar dinheiro para comprar um novo capote. Rodolfo divide a cena com os atores Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas.
O capote é uma montagem multimídia. Detalhe: o lance aqui é ser pop com um exemplar clássico da literatura russa do século 19. É ser também contemporâneo ao falar sobre estruturas cristalizadas, caretice social e excesso de burocracia. Além do texto teatral, a música – executada pela musicista Sara Assis e o vídeo – assinado por Rogério Velloso – complementam a narrativa e potencializam a palavra. Rodolfo Vaz define a peça como pop. “É muito mais do que isso, mas é pop”, reforça. (CB)
O capote
De Nikolai Gógol, adaptação de Drauzio Varella e Cássio Pires. Direção de Yara de Novaes. Com Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan, Marcelo Villas Boas e Sara Assis. De 10 de outubro a 9 de novembro, sempre de quinta a segunda, às 20h. Teatro I. Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).