"Não é só um senso estético, é fonte de conhecimento. Artistas não são luxo. Os pontos de vistas provocam espectadores por meio dos aspectos políticos e sociais”. Reafirmando a importância da arte para a sociedade, mesmo em tempos de crise, a artista plástica Andrea Lanna abriu a terceira edição do ciclo de seminários Arte é preciso, promovido pelo Estado de Minas na noite desta quinta-feira, 1º. O evento, realizado no Espaço Cultural do jornal, faz parte de uma iniciativa que precede o leilão da Jornada Solidária – marcado para 10 de novembro.
Para inteirar a plateia sobre o trabalho que desenvolve como doutoranda em arte e tecnologia da imagem na Universidade Federal de Minas Gerais, Andrea apresentou um vídeo-teaser de sua produção. A pesquisa se baseia na geração 80 mas, segundo ela, pode ser empregada às outras décadas. “Os anos 70, 80 e 90 estão encadeados”, diz a artista, que descreve o primeiro ciclo como mais cerebral, o segundo ligado à materialidade e o último à arte aberta, múltipla."Quando Minas vai contar a sua história?”, indagou Andrea, antes de enumerar uma série de especificidades que mostram o grande potencial do estado nas artes. Mesmo com o maior museu a céu aberto, os artistas mineiros passam por percalços que não atingem os residentes do Rio de Janeiro ou São Paulo. “Minas Gerais tem uma vivência específica. A produção que se realiza aqui por causa disso é da mais alta qualidade. Parece que a gente produz melhor quando passa aperto”.
O também artista plástico Fernando Lucchesi foi bem mais breve em sua fala. “Não entendo nada de arte, mas de trabalho. Tudo que aprendi foi na rua, com meus colegas e livros”, resumiu, antes de apresentar seus trabalhos ao público presente.
Por meio de fotos, Cláudia Renault fez uma cronologia de seu trabalho artístico. Ela iniciou suas produções com xilogravura na década de 1970.
“Sempre tive contato com a arte. Minha irmã mais velha era artista plástica. Este meu fascínio me acompanhou a vida inteira”, contou. Na década de 80, ela começou a se interessar por tiras de madeira e o que mais encontrava pelo caminho, como malas, portas e caixas de fósforo. Nos anos 90, em meio à construção da casa, ela se viu diante de materiais diversos para a sua produção, como latas de tinta, areia e vidro. As instalações então foram criadas a partir desses elementos e brincam com a utilização da luz e da água.No doutorado em Coimbra (Portugal) seu trabalho entrou em nova fase. “Falei com o meu orientador que, se não tivesse um atelier, iria enlouquecer”, lembra. Tudo chamava sua atenção, e esses objetos foram sendo recolhidos por ela e preenchendo as paredes do local. Quando já não havia mais espaço, as ruas viraram sua galeria. Surgiu assim o trabalho Habitar como poética. Cláudia encerrou sua apresentação dizendo que o que move o artista é a inquietação.
Thales Pereira, pintor e designer, foi responsável por um dos momentos mais divertidos da noite. Ao apresentar suas obras de forma bem-humorada, ele conquistou o público. Tickets for heaven, Dolly deu mole, Iceberg herói e Sonho de um burocrata foram algumas das obras apresentadas. Ele detalhou que as notícias o inspiram a criar, além da própria intuição do que virá a seguir na sociedade. “Qual a diferença da gente para outras pessoas? Ficamos com fama de ser sensíveis. Mas, na verdade, somos iguaizinhos. Temos é um impulso que, se não for realizado, vira angústia”, resumiu.
Rodrigo Vivas, doutor em história da arte e mediador do debate, fez um discurso provocativo, ecoando as angústias de Andrea Lanna. “Por que uma cidade como Belo Horizonte não conseguiu sobreviver ou ter uma memória de seus artistas?”, questionou. Para ele, só existe uma possibilidade de vivência da arte: a partir do contato com a obra.
“Que sociedade é essa que não fica indignada com as 1,4 mil obras que estão fechadas no Museu de Arte da Pampulha”, questionou. O mediador acredita que a resposta simplória de que o “brasileiro não gosta de cultura” é equivocada. “Por que as pessoas fazem fila para ver a obra ‘Guerra e paz’ e a Igrejinha da Pampulha está entregue às traças?”, questionou.
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Andrea Lanna acredita que talvez o “espírito do colonizado” seja a resposta a esse problema. “Nós do interior aderimos com maior facilidade ao que é cosmopolita”. Ela lembrou que o mesmo acontece em outras áreas, como literatura, cinema e música. Já Thales lembra que o sucesso no circuito atualmente é medido em dinheiro. “Para os colecionadores, obra boa é obra cara.”
A próxima e última edição do ciclo de seminários Arte É Preciso será realizada no próximo dia 22. O evento contará com os convidados Tadeu Bandeira, diretor do Centro de Arte Popular Cemig; o designer Gustavo Greco, a historiadora Letícia Julião e a arquiteta e decoradora Patrícia Hermanny. A mediação será do artista plástico Marco Túlio Resende.OPINIÃO DOS PARTICIPANTES
"Achei importante a fala do Rodrigo sobre a valorização dos artistas de Minas Gerais. Acho importante, porque sou professora e é isso que vemos em sala de aula. As crianças não têm acesso, porque não querem. Vão ao cinema, shoppings, mas não aos museus. Há 8 anos, perguntei quem já havia visitado um museu e só um me respondeu. Ele foi ao Louvre. As crianças têm que conhecer, experimentar a arte daqui”.
Giovana de Abreu Romualdo, 45 anos, professora
Flávia Albuquerque, galerista
“Achei ótimo. Gostei das falas dos artistas colocando suas experiências. A fala do Rodrigo Vivas foi de muita lucidez. Trouxe boa contribuição para o seminário”.
Carlos Wolney Soares, vice-diretor da escola Guignard
“Muito legal. Cada mesa é muito bem composta. Vê-se pela interação do público com as temáticas. Vi a primeira edição pela internet, participei da segunda e virei na próxima”
Bárbara Ferreira, 59 anos, artista plástica
“Achei muito bom. Gostei da iniciativa. Mas queria que pegasse 'mais fogo'. Nós, artistas, estamos aqui, mas o empresariado não foi tocado. Cadê os envolvidos com as questões públicas de cultura?”
Mário Azevedo, artista plástico