'Uma cidade se inventa' aborda a relação de Belo Horizonte com seus escritores e os reflexos na literatura

Livro de Fabrício Marques é lançado neste sábado, na livraria Scriptum

por André Di Bernardi Batista Mendes 26/09/2015 08:00

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Joao Marcos Rosa/NITRO
(foto: Joao Marcos Rosa/NITRO)
Fruto de uma pesquisa literária e jornalística de nove anos, o poeta e jornalista Fabrício Marques lança hoje (26/09), na livraria Scriptum, Uma cidade que se inventa, uma espécie de perfil da capital mineira pelo olhar de poetas, contistas e romancistas. São cerca de 80 entrevistados e um levantamento de mais de 160 obras de ficção (poesia e prosa) que falam de Belo Horizonte. A publicação conta ainda com infográficos (mapas da geografia literária da cidade, em décadas diferentes) e um ensaio fotográfico de João Marcos Rosa, com 70 fotos produzidas especialmente para o projeto.

Fabrício Marques é dono de um coração generoso e cúmplice, codelinquente de seus pares. Entre muitos outros, escreveram sobre Belo Horizonte Abgar Renault, Affonso Ávila, Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, João Batista Melo, Lino de Albergaria, Maria Esther Maciel, Paulo Mendes Campos, Pedro Nava, Roberto Drummond, Carlos Herculano Lopes... A lista é longa e saborosa.

Desde sempre, uma cidade. Desde sempre, um lugar de construções literárias, um espaço que acata edificações – e opções – poéticas. Uma cidade propícia para discursos. Contudo, faz-se necessário o alerta: Belo Horizonte sempre foi um lugar de “falares baixos”, de surdinas, de conluios, no que este quase verso indica, sugere em termos de acordo, trama e aliança. Trata-se de uma cidade propícia para maquinações, uma cidade propícia para o silêncio de pássaros e poetas. Desde sempre, uma cidade de bons e grandes vagabundos, uma cidade de letras e letrados.

A ideia para a obra surgiu de forma natural, sem grande presunção. “No início, foi tudo meio despretensioso e espontâneo, ganhando forma com o desenvolvimento da pesquisa. Há uma riqueza muito grande nas versões que os escritores construíram ao longo do tempo sobre a cidade. Percebi isso mais claramente em 2006, quando escrevi uma série de reportagens em torno da geografia literária da capital mineira, ou seja, dos locais com alguma importância para poetas, contistas, romancistas e memorialistas. De lá para cá, continuei a pesquisa, que pôde ser efetivada com o apoio da Lei de Incentivo à Cultura do município e da editora Scriptum”, explica Fabrício.

Capital
 
O autor tenta, com o livro, algum tipo de contato, uma conexão com esta realidade chamada Belo Horizonte. E o que é melhor: este decifrar de poetas, contistas e romancistas não descortina. Antes, acrescenta véus e véus de neblina e mistério. Tudo foi dito sobre a cidade que, como ficamos sabendo depois da leitura deste belíssimo livro, continua, para o bem do todos, para o bem de tudo, ainda indecifrável. O tecido urbano que envolve a capital de Minas Gerais é feito da mais pura renda, da mais estranha seda.

Pampulha
 
O livro foi tomando formas, ganhando corpo, aos poucos. “Estruturei o livro considerando as gerações literárias que se sucederam ao longo do tempo, fixando como marco a construção do complexo arquitetônico da Pampulha, em 1943. Avancei pelas décadas seguintes, incluindo as gerações contemporâneas. Incluí nomes ligados a outras artes, como Tavinho Moura, Márcio Borges e Fernando Brant (Clube da Esquina), tendo em vista o diálogo fecundo da literatura com a música e outras manifestações artísticas. Esse é, digamos, o ‘esqueleto’ do trabalho”, diz.

Cabe em Belo Horizonte uma rua, que se chama Bahia. Como disse Paulo Mendes Campos, “a únca rua de Belo Horizonte que dava a impressão de poder conduzir-nos para fora do espaço moral de Belo Horizonte”. Como não citar o verso “Minha vida é esta,/subir Bahia/descer Floresta”, do mais que mineiro Rômulo Paes? Cabe na cidade o Malleta, cabe o Viaduto Santa Tereza, o coração do coração da cidade, com seus 390 metros de extensão e 13 metros de largura, com seus arcos feitos de cimento e vertigem ininterrupta, palco de acrobacias transgressoras de um tal Carlos Drummond de Andrade. Em 5 de agosto de 1926, foi lançada a pedra fundamental do viaduto, feito para ligar o Bairro da Floresta ao Centro.

Poetas criam semânticas, inventam e reinventam lugares. Fabrício inventa, antes, decifra, por meio de outros, um sistema linguístico amoroso que vai da Pampulha, com seu complexo arquitetônico, com suas águas, ao Centro de sua gente. Fabrício atiça e engendra, empresta e não toma do leitor um jeito diferente, amoroso, como já disse, de olhar e saber. O autor soube plantar sensações estranhas. Aquele que já conhece Belo Horizote avalia e amplia o seu leque de escolhas e delícias. Aquele que porventura nada sabe sobre a urbe, pois sim, não sabe o que está perdendo. Conhecer é a melhor forma de amar.

Como disse Fábio Lucas, “Belo Horizonte surgiu inicialmente desvinculada de uma base industrial. Fora idealizada e inaugurada para cumprir funções administrativas e políticas”. Sim, pode até ser, mas a poesia tinha outro planos para as curvas de tantas montanhas. Uma cidade que se inventa conta com um projeto gráfico fino, sensível, que realça de forma contundente as fotos feitas por João Marcos Rosa. Tudo em preto e branco, como deve ser a alma de todo lugar. Fabrício inventa um modo peculiar, ele nos convida e abre as portas de um labirinto irresistível, cria um “alfabeto de descobertas”. Em poucas palavras, Uma cidade se inventa é uma preciosidade.

Uma configuração urbana em construção, um lugar de altos e baixos, um lugar de pirambeiras e muito poucas retas; como a vida. Fabrício oferece magistralmente um painel lírico sobre ruas, avenidas, bares, lugares de ontem, de hoje, de agora, agora prontos, apontados para um sempre.

'UMA CIDADE SE INVENTA'
De Fabrício Marques, Editora Scriptum, 352 páginas, R$ 65 (preço promocional no lançamento). Lançamento hoje, a partir das 11h, na livraria Scriptum (Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi, 3223-1789).

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