Hoje à noite, Mary conversa com o público a respeito do livro no Museu das Minas e do Metal, em Belo Horizonte, pelo projeto Sempre um Papo, que tem entrada franca.
Autora de quase 40 livros, ela se tornou conhecida por escrever de forma acessível sobre recortes e personagens da história brasileira. Desta vez, partiu de fatos e personagens reais para recriar uma trama marcada por paixões, decadência, sensualidade, opressão da mulher, mobilidade social, religiosidade e a moral hipócrita da época. “As pessoas gostam de boas histórias. O interesse é crescente. Mas é preciso adequar a linguagem. Não dá para fazer um livro desse com pé de página. A história é um romance verdadeiro”, afirma.
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As cartas chegaram às mãos da autora por meio do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, que havia desistido de usá-las para escrever uma minissérie para a TV Globo. Ele as recebeu de uma colecionadora baiana de antiguidades, que, por sua vez, ganhou um pequeno baú com esses documentos de uma das descendentes do relacionamento entre o conde e a negra. Mary convenceu a colecionadora a doá-los ao Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, para que fiquem acessíveis ao público.
Para conseguir ambientar a história e dar voz de época adequada aos personagens, a autora pesquisou páginas e mais páginas sobre o fim dos impérios brasileiro e russo, bem como sobre a Paris das reformas do prefeito Georges-Eugène Haussmann, que deu à capital francesa o aspecto que tem hoje. Coleções de jornais franceses e belgas do tempo dos Haritoff também lhe forneceram matéria-prima.
A pesquisa sobre os palavrões é um capítulo à parte. “Meu maior cuidado nesse livro foi com o vocabulário. Ficou tudo muito fiel às práticas da época”, diz a escritora. A que ela recorreu para garantir que não escreveria algo anacrônico? “Poesia erótica e pornográfica do século 19. Lá está todo o repertório de palavrões.” O título da obra vem do poeta espanhol Francisco de Quevedo (1580-1645). “Ele fala de ambiguidade, de não poder dizer tudo, de se mascarar atrás das palavras.”
Como nem só de realidade é feito o livro, Mary tratou de criar para ele dois personagens que lhe permitissem amarrar ao texto outros elementos importantes – um jornalista mulato e uma velha escrava. O primeiro ajuda a revelar o provincianismo do país e o conservadorismo da sociedade escravocrata. O segundo, confidente de Nicota, evidencia as relações entre senhores e escravos.
A autora diz que se divertiu escrevendo o livro e que tem a intenção de se dedicar mais a romances históricos. “Muitos personagens históricos brasileiros merecem isso, pois são sempre apresentados como anjos ou demônios. Joaquim Nabuco, por exemplo, foi abolicionista numa época em que as senzalas já estavam vazias. Todo mundo tem um lado complexo e a ficção histórica recupera isso de forma mais entusiasmada.”
Ela aproveita a estreia no gênero para pedir licença ao escritor e historiador mineiro Agripa Vasconcelos, falecido em 1969 e autor, entre outros, de 'Chica que manda' e 'A vida em flor de Dona Beja', que ela considera um dos maiores romancistas históricos brasileiros.
“Meus livros todos vêm inaugurando uma tentativa de mostrar ao público documentações escondidas. Além das cartas a que tive acesso, muito eloquentes, havia um pano de fundo histórico muito interessante a ser explorado e usei o triângulo amoroso para mostrar isso”, afirma.
Para o leitor que já conhece seu texto, Mary manda recado sobre o que muda: “Há uma dose maior de subjetividade, pois é preciso colocar em cena esses personagens e eles têm de falar dos sentimentos deles. O ser humano é também consequência dos gestos que escolhe ter, não apenas da sociedade. Esse último ponto de vista é comum na história, área na qual é difícil escutar vozes individuais. Ficcionalizando, é mais fácil modelar o personagem”.
Sempre Um Papo
Lançamento do livro 'Beije-me onde o sol não alcança', de Mary Del Priore. Nesta quarta, às 19h30, no Museu das Minas e do Metal (Praça da Liberdade, s/nº, Funcionários). Entrada franca. Informações: (31) 3261-1501 e pelo site do projeto Sempre um Papo.