Duas exposições em cartaz em Belo Horizonte mostram o poder da fotografia

Mostras explicam o bom momento experimentado por uma arte que se revela cada vez mais expressiva e surpreendente

por Walter Sebastião 31/08/2015 08:00

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Gabriel Nast/Divulgação
Gabriel Nast criou a série 'Alma não tem cor' para a 3ª Semana de Fotografia de Belo Horizonte (foto: Gabriel Nast/Divulgação )
São raras e particularmente preciosas as exposições que conseguem tornar visível uma determinada questão sem “chapar” a singularidade do trabalho do artista, seja isolando o autor ou diluindo o que ele possui de pessoal em meio a outros que têm trabalhos “parecidos” com o dele. Isso explica os méritos da 3ª Semana da Fotografia, em cartaz até 9 de setembro, reunido 17 artistas selecionados e dois convidados, no espaço CentoeQuatro.


A proposta é mostrar a fotografia contemporânea feita em Belo Horizonte. A seleção foi feita por Adolfo Cifuentes, Fabiana Figueiredo, Francilins Castilho Leal, João Castilho e Tibério França. Os trabalhos pontuam tanto considerações autorais como um diálogo entre as criações, agrupados basicamente em dois grandes setores: um que se poderia ser considerado “fotoperformance”, pela ênfase da presença do corpo, de ações criadas para a foto, em alguns casos com o fotógrafo em cena; outro voltado para a paisagem e interiores, uma mirada sobre o entorno, sobre contextos, ambientes etc.

DIVERSIDADE São ensaios, no sentido de considerações sobre diversos motivos, sem preocupação com conclusões, enriquecidos por insights, pela subjetividade, pela vontade de apresentar um outro modo de se relacionar com o “real” ou pela decisão de valer-se das liberdades artísticas em busca de comunicação viva com o espectador. Aspectos que se complementam e se integram com naturalidade em conjuntos de imagens que convidam a uma observação detalhada de outras possibilidades da fotografia que não as utilitárias.

Como o que está nas imagens é recorrente em toda produção de arte (a criação de uma relação com o mundo atravessada pelo estético), o que brilha é a mirada do fotógrafo, seja no que se refere a formas ou conteúdos. O que se vê, no geral, é um balanço atencioso, cuidadoso no trato com os jogos entre o detalhe e o todo, que, postos em evidência, criam, recriam e rasuram relações sociais, em sentido amplo, sejam considerações sobre o indivíduo e a coletividade ou os temas da arte.

O espectador passeia, surpreendido ou intrigado a cada passo, pela diversidade de obras. Há todos os tipos de abordagem, desde trabalhos conceituais até outros documentais, passando por especulações existenciais, urbanísticas, políticas. Produto de seleção que enfatizou e estimulou posicionamentos, especialmente estéticos, a pesquisa, a busca de resolução visual adequada ao proposto. O resultado são imagens que rompem com certo viés objetivista, elegante e redutor, muitas vezes cultivado inclusive pela fotografia contemporânea. Nenhum dos autores da exposição faz discurso, mas, interpelando crítica e poeticamente os usos e práticas da fotografia, trazem à tona outros modos de ser dela.

Todos os trabalhos da exposição são muito bons. Seja a recriação dramática do cotidiano em fotos admiráveis de Zezinho Faria ou as miniaturas de Rosceli Vita. Verbos postos sobre detalhes de ambientes corporativos dão ironia ácida ao trabalho de Pedro Sales, assim como nus, em meio a paisagem, de Daniela Paoliello, abrem a foto para múltiplas referências. Não há como ficar indiferente aos trabalhos de Gabriel Nast, que propõe vivência da mestiçagem com colagens, máscaras e fotos sobre madeira. E os textos sobre as obras também são ótimos, não só oferecendo apoio à observação dos trabalhos, mas abrindo discussão, a partir das imagens, sobre formas e motivos da fotografia.

OCTAVIO CARDOSO/DIVULGAÇÃO
Trabalho do paraense Octavio Cardoso, um dos destaques da mostra (foto: OCTAVIO CARDOSO/DIVULGAÇÃO)

Na Casa da fotografia

 

Outra exposição que merece ser vista é Gestos, relatos, escritas e autoficções, com curadoria de Mariano Klautal Filho e que permanece em cartaz até 12 de setembro, na Câmera Sete. Sob o título múltiplo está a proposta de observação e conversa sobre prática antiga, mas recorrente na arte contemporânea: trabalhos que se valem de conjunto de peças como a criar (ou tentar criar) uma narrativa. O que fica em evidência nesta forma é o “grafar” do “fotografar”.

Já teve quem visse no formato o fim da unicidade da obra de arte tanto quanto da busca de uma imagem que sintetizasse tudo em si mesma. O que se pode notar é a tentativa de provocar observação mais engajada com a obra ou que ative a imaginação, a dubiedade, o interdito, no ato da “leitura”. Consideração pertinente em tempos em que a imagem é usada, exaustivamente, quase de forma autoritária, para modelar (e direcionar) o imaginário.

A exposição revela limites dos polípticos. Nem sempre o uso deles é necessidade. Há conjuntos que são simplesmente reunião de imagens afins (ou distintas). Paradoxal é uma imagem sugerir uma narrativa (como um carro sob a superfície negra de Yukie Hori), mas não o conjunto delas, mesmo que elas tenham a mesma linguagem visual.

A obra mais forte é de André Penteado. Fotos relativamente prosaicas são postas ao lado de dois vídeos (um com depoimentos e outro com torneira gotejando). As primeiras ganham outro sentido quando se ouve, pelo vídeo, narrações sobre pessoas que morreram. Bons ensaios podem ser encontrados também na mesa onde estão livros. Como os volumes de Walda Marques e José Diniz (que também tem boa obra na galeria). Igualmente chama atenção o trabalho de Octavio Cardoso.

GESTOS, RELATOS, ESCRITAS E AUTOFICÇÕES
Trabalhos de Amanda Amaral, Cyro Almeida, Ionaldo Rodrigues, José Diniz, Luiz Braga, Mateus Sá, Milla Jung, Octavio Cardoso, Raquel Diniz, Yukie Hori, André Penteado, Edu Monteiro, Letícia Lampert, Walda Marques, Fernanda Grigolin, Ivan Padovani, Gouveia Santos. Na Câmera Sete – Casa da Fotografia (Av. Afonso Pena, 737, Centro). De terça a sábado, das 9h30 às 21h. Até 12 de setembro. Entrada gratuita. Informações: (31) 3236-7400.


3ª SEMANA DE FOTOGRAFIA DE BH
Trabalhos de Coletivo Vértice, Daniel Pinho, Fred Karlin, Gabriel Nast, Henrique Marques, Leonardo Costra Braga Lucas Alameda, Pedro Sales, Rafael Carneiro, Rodrigo Zeferino, RosceliRosceli Vita, Thais Guimarães, Walmir Monteiro e Zezinha Faria. No CentoeQuatro (Praça Rui Barbosa, 104, Centro. Segunda, das 12h às 18h; Terça a sábado, das 12h às 22h; domingo, das 15h às 22h. Entrada franca. Até 9 de setembro. Informações: (31) 3222-6457.

VELADAS
A mostra Gestos, relatos, escritas e autoficções tem vários problemas de montagem: projeções de vídeos sem que se possa sentar para vê-los; mesa com diversos livros de artista, mas sem cadeiras que deem condições para curti-los com calma; etiquetas que só podem ser lidas se a pessoa se deitar no chão. O último destes aspectos também se faz sentir na expsoição da 3ª Semana da Fotografia. Fica combinado assim: o pessoal que gosta de não entender arte contemporânea promete levar óculos para ler de perto escritos, quando eles existem. E os organizadores assumem o compromisso de colocar os textos e informações em altura que não cobre tanto sacrifício do espectador interessado neles.

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