Baryshnikov dançou 'O Corsário', Bibi cantou Piaf e Saramago ensinou o evangelho à luz da língua portuguesa. Ao som do seu bandoneon, Piazzola recriou o tango argentino, Madredeus emocionou com as vozes d’além mar e Sebastião Salgado trouxe imagens para eternizar um mundo de luz e sombras. E teve Elis viajando no Trem Azul e Antunes Filho impressionando com a montagem de 'Macunaíma'.
Atores, cantores, músicos, maestros, poetas, bailarinos, fotógrafos, diretores, escritores, artistas plásticos, técnicos e, claro, o respeitável público, fazem a história da Fundação Clóvis Salgado (FCS), que tem como estrela maior o Palácio das Artes, no Centro de Belo Horizonte, e celebra, na próxima quinta-feira, 45 anos de vida e cultura. Para comemorar a data, há uma programação especial (veja quadro), que vai até 22 de setembro, com a prata da casa e convidados, numa festa para marcar a trajetória da instituição mineira e aplaudir o talento gravado nos palcos, galerias e bastidores.
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Ao ver o movimento de jovens, no corredor, com suas malhas, Lina destaca espetáculos dos quais participou, entre balés e óperas, como 'O lago dos cisnes', 'Dom Quixote', 'Carmen', 'A viúva alegre', 'Giselle' e 'Romeu e Julieta'. “Na verdade, posso dizer que esta é minha segunda casa”, afirma a bailarina, que não se esquece da pior tragédia na vida do Palácio das Artes: a manhã de 7 de abril de 1997, quando um incêndio destruiu o Grande Teatro, deixando-o fechado por 15 meses. “Foi péssimo”, resume.
Da portaria, na Avenida Afonso Pena, número 1.537, aos camarins, passando pelas salas de aula e de ensaio, o Palácio das Artes é um complexo de 18 mil metros quadrados, com quatro andares, circundado pelo Parque Municipal Américo Renné Giannetti, que vai muito além do teatro com 1,7 mil lugares no qual já se apresentaram nomes sagrados do drama e da comédia, da ópera e da dança, dos ritmos eruditos e populares.
A estrutura abriga o Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), com aulas de teatro, música e dança, o Cine Humberto Mauro, único cinema público de BH, e quatro espaços expositivos – a Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, as galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa e o espaço Mari’Stella Tristão, recém-desenhado para se tornar também galeria.
Considerado um dos maiores complexos culturais do país, o Palácio das Artes agrega ainda o Teatro João Ceschiatti, a Sala Juvenal Dias, o Centro de Memória João Etienne Filho, café e livraria. Vinculada à Secretaria de Estado da Cultura, a FCS tem sob seu guarda-chuva administrativo a Serraria Sousa Pinto, a CâmaraSete - Casa de Fotografia de Minas Gerais e o Centro Técnico de Produção, em Marzagão, Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “De tédio, ninguém aqui morre”, brinca o presidente da Fundação, Augusto Nunes-Filho, certo de que a instituição é um “bem público por vocação”, portanto, “com lugar e acesso para todo mundo”. Nunes-Filho destaca que a fundação é responsável pela condução de três corpos artísticos: a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, o Coral Lírico e a Cia. de Dança Palácio das Artes.
LONGA ESPERA Para entender melhor os muitos atos dessa história, é preciso voltar no tempo, mais exatamente à década de 1940, quando os ares modernistas sopravam sobre BH. Em 1942, o prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976) deu início às obras do Teatro Municipal, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), originalmente de frente para o Parque Municipal e ligado à Avenida Afonso Pena por uma passarela de concreto. Três anos depois, as obras foram paralisadas e, para preencher a lacuna cultural, a cidade ganhava, em 1950, o Teatro de Emergência, depois batizado Francisco Nunes. Mas o tempo passava e nada de a esperada casa de espetáculos abrir as cortinas. Em 1955, o projeto, já nas mãos do arquiteto Hélio Ferreira Pinto, sofreu alterações, incluindo a construção da atual fachada principal e da Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, de frente para a avenida.
Em 1966, conforme o Centro de Documentação e Memória da FCS, o governador Israel Pinheiro (1896-1973) assumiu o compromisso de concluir a obra. Para acompanhamento dos serviços, foi formada a Comissão do Palácio das Artes, com papel fundamental nos novos rumos da casa e poder de elaborar os estatutos que viriam a subsidiar a criação da Fundação Palácio das Artes, em 1970. Dessa vez, o projeto deslanchava. Concluído o primeiro bloco, foram inaugurados o Centro de Artesanato Mineiro (1969) e o Salão de Exposições (1970) até que, em 14 de março do ano seguinte, chegou a vez do Grande Teatro, com a apresentação do oratório O Messias, de Haendel, pela Orquestra Sinfônica Nacional, Rádio Ministério da Educação e Cultura e Coro da Associação de Canto Coral do Rio de Janeiro, regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky.
“Há muitas datas envolvidas nessa história e optamos pela comemoração em 3 de setembro, quando se completam 45 anos do Decreto 12.977/1970 que regulamentou a Lei nº 5.455 de 10/6/70, a qual instituiu a Fundação Palácio das Artes”, explica Nunes-Filho. O nome da fundação é uma homenagem a Clóvis Salgado (1906-1978), mineiro de Leopoldina, na Zona da Mata, que foi médico, professor, político e ministro da Educação de Cultura.
CRONOLOGIA
ATOS DE EMOÇÃO
1909 – Belo Horizonte tem 12 anos de fundação, quando é inaugurado o Teatro Municipal, na esquina das ruas Bahia e Goiás, no Centro. Em 1942, o local é transformado em cinema e demolido 41 anos depois
1942 – Prefeito Juscelino Kubitschek inicia obra do Teatro Municipal, projetado por Oscar Niemeyer. Voltado para o Parque Municipal Américo Renné Giannetti, ele seria ligado à Avenida Afonso Pena por passarela
1945 – Obra do teatro é paralisada. Cidade recebe, em caráter provisório, o Teatro de Emergência, mais tarde denominado Teatro Francisco Nunes e localizado dentro do Parque Municipal
1955 – Projeto original do Palácio das Artes é reformulado pelo arquiteto Hélio Ferreira Pinto, abrigando, além do teatro, sala de exposição, museu de gravura e anfiteatro
1966 – Governador Israel Pinheiro assume o compromisso de concluir o Palácio das Artes. Para acompanhar a obra, forma-se a Comissão do Palácio das Artes
1970 – Em 30 de janeiro, o Palácio das Artes é inaugurado na Avenida Afonso Pena, no Centro de Belo Horizonte
1970 – Em 3 de setembro, é publicado o Decreto 12.977 regulamentando a Lei nº 5.455 de 10/6/70, que instituiu a Fundação Palácio das Artes
1971 – Em 14 de março, abrem-se, pela primeira vez, as cortinas do Grande Teatro do Palácio das Artes, com apresentação de O Messias, de Haendel
1978 – Em 20 de setembro, a Lei nº 7.348 muda o nome da Fundação Palácio das Artes para Fundação Clóvis Salgado, instituição vinculada à Secretaria de Estado da Cultura
1997 – Em 7 de abril, um incêndio destrói o Grande Teatro do Palácio das Artes
1998 – Em 27 de julho, depois de 15 meses de obra, o Grande Teatro é reaberto ao público
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Augusto Nunes-Filho, presidente da fundação Clóvis Salgado
1) Quais são os desafios da fundação?
Plantamos muito nesses primeiros seis meses de administração e agora estamos no começo da colheita dos frutos. Nesse sentido, a vocação pública da ‘Casa’ se consolida cada vez mais com intensidade. A Fundação Clóvis Salgado é uma instituição pública por vocação, um lugar de todo mundo, para todos terem acesso. O Palácio das Artes, equipamento mais importante dos geridos pela fundação, é o maior centro de cultura do estado, lugar de fantasias e magia. Quando as cortinas se abrem, as coisas acontecem, mesmo que, segundos antes, isso parecesse impossível. A manutenção de um centro cultural de tal porte, com programação de qualidade, demanda um trabalho diuturno por parte de todos os funcionários, que aliás, merecem destaque pelo inegável envolvimento e compromisso com que lidam com suas tarefas.
2) Cite, por favor, os programas gratuitos e a preços populares?
Temos dois programas gratuitos, que são o Sinfônica ao Meio-dia e o Lírico ao Meio-dia, oferecidos às terças-feiras. Nas noites da quarta-feira seguinte, temos o Lírico em Concerto e a Sinfônica em Concerto ao preço de R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia), sendo que o Programa Bravo, Professor! disponibiliza gratuitamente 20% dos ingressos para os professores. No Projeto 2 na Quinta, na Sala Juvenal Dias, temos apresentações quinzenais de músicos mineiros em que o artista já consagrado convida um jovem talento. Temos concertos gratuitos em outros espaços da cidade, como museus e igrejas. Também o acesso às galerias de arte e ao cinema é gratuito.
3) Há novidades?
Sim. Estamos empenhados em otimizar a formação de público. Além dos concertos mencionados, inovamos com formato de ópera em versão adaptada que motivou a vinda de frequentadores que jamais tinham assistido a espetáculos do gênero operístico. Esse formato será mantido em parte das novas montagens. As artes visuais contam a partir de agora com o Programa Arteminas, que convida artistas mineiros a exporem seus trabalhos nas nossas galerias. O Cine Humberto Mauro diversificou sua programação e formato de exibições aumentando de forma substancial a frequência de cinéfilos de todas as tribos. E, por fim, atenderemos a uma antiga demanda dos frequentadores do Grande Teatro: aumentaremos o número de banheiros, construindo num primeiro momento instalações no primeiro piso do teatro.