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Cada mineiro, principalmente os belo-horizontinos, tem uma história de amor com o Palácio das Artes. Há um clima de intimidade com a casa que leva muita gente a se referir a ela apenas como “Palácio”. Uns se lembram de uma peça de teatro, outros do pas-des-deux do espetáculo de dança e há ainda os que não se esquecem dos arranjos de um concerto da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais ou da beleza de uma exposição. Certamente ficaram na memória as ideias de um debate literário ou simplesmente a noite agradável de bate-papo com os amigos.
Pelas dependências do complexo cultural, circularam, entre centenas de outros talentos, o bailarino nascido na antiga União Soviética e naturalizado norte-americano Mikhail Baryshnikov, que se apresentou em 1980 com o Corpo de Baile do Palácio das Artes, o escritor português José Saramago (1922-2010), autor de O evangelho segundo Jesus Cristo e Ensaio sobre a cegueira, o argentino Astor Piazzola (1921-1992) e os cantores do grupo português Madredeus.
Na entrada reservada aos artistas para o Grande Teatro, há placas marcando a presença dos atores Paulo Autran (1922-2007) e Paulo Gracindo (1911-1995), do bailarino espanhol e virtuose do flamenco Antonio Gades, dos balés russos Kirov e Bolshoi, do pianista Nelson Freire, da Orquestra Filarmônica de Nova York, sob regência do maestro Zubin Mehta, da cantora lírica Maria Lúcia Godoy e dos bailarinos Lúcia Tristão e Alexander Filipov.
“No Grande Teatro, assistimos a espetáculos teatrais memoráveis, a exemplo de Macunaíma, dirigido por Antunes Filho, shows de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia, Milton Nascimento, Elis Regina, com Transversal do Tempo e Trem Azul, o último da carreira dela, e tantos outros”, diz o presidente da FCS, Augusto Nunes-Filho. O público sempre prestigiou, com números superlativos de audiência, como ocorreu com a exposição A magia de Escher, em 2013, que recebeu mais de 200 mil pessoas.
Caminhando pelos corredores do Palácio das Artes e pelo entorno do Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), com 462 alunos dos cursos de teatro, dança e música, é emocionante ver jovens compenetrados com seus instrumentos. Matheus Vitor Mota de Jesus, de 17 anos, morador de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, não se distrai com o movimento ininterrupto à sua frente e continua atento ao violoncelo.
“Sempre quis estudar música. Comecei, criança, com uma flauta doce, depois passei para o violão e agora estou no violoncelo”, conta o estudante do primeiro ano, destacando a excelência dos professores da instituição. Entusiasmado com o Palácio das Artes, Matheus está certo de que “quem gosta de cultura e arte tem que vir pa
As várias gerações se encontram num ambiente permeado por sons, solfejos, gestos, passos e sensibilidade à flor da pele. Diretora de Produções Artísticas, Cláudia Malta é personagem importante nessa história. À frente dos corpos artísticos da FCS (Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, Coral Lírico e Cia. de Dança Palácio das Artes), Cláudia passou por vários estágios artísticos e administrativos, começando como estudante de balé em 1971, integrante do Corpo de Baile, professora de dança, funcionária do Departamento de Cinema até chegar ao atual posto.
“Acho um privilégio trabalhar numa Instituição como essa. Para mim, mais importante do que ver um espetáculo, é participar da construção dele, assistir à montagem de um cenário, a concepção, os figurinos, enfim, toda a dinâmica”, afirma.
Há 25 anos na instituição, o fotógrafo Paulo Eduardo Lacerda da Silva tem certeza de que, nesse ambiente, nenhum dia é igual ao outro. “Estamos numa empresa pública, mas com um diferencial: trabalhar com arte é muito bom. Além disso, estamos dentro do Parque Municipal, então, para mudar o cenário, basta olhar pela janela”, diz, bem-humorado. Perdas irreparáveis acontecem, lamenta. “Eu me arrependo amargamente de não ter fotografado o último show de Tom Jobim (1927-1994). Fiquei na plateia, emocionado”, recorda-se Paulo Eduardo, que em junho, por uma questão profissional, fotografou o velório de um grande amigo, o compositor Fernando Brant (1946-2015), transcorrido no foyer do Palácio das Artes. “Tivemos aqui grandes encontros de artistas, mas também presenciamos despedidas”, afirma o fotógrafo.
Na tela do computador, Paulo Eduardo guarda imagens do fatídico dia 7 de abril, quando, às 11h40, um incêndio destruiu o Grande Teatro. “Ninguém sabe até hoje se ele foi causado por um fogareiro, por um equipamento de solda ou mesmo se foi criminoso”, diz o fotógrafo, revivendo o clima de consternação que tomou conta de Belo Horizonte, já que o espaço sempre foi um polo irradiador de cultura para todo o estado. “Ficamos muito tristes.”
A bailarina Lina Lapertosa guarda as imagens na memória. “Estávamos ensaiando, quando vimos a fumaça entrando por baixo da porta”, recorda-se dos momentos de aflição e desespero dos funcionários e alunos. O presidente Augusto Nunes-Filho explica que a segurança, hoje, virou verdadeira neurose na fundação. “Estamos sempre de olho nos equipamentos, na validade, temos brigada de incêndio, enfim, todo mundo é bem informado sobre o assunto”, ressalta.
Na sombra dos bastidores
Da plateia às profundezas do palco, com seus 18 metros de boca de cena e 18,80m de urdidura (altura), trilha-se um caminho de surpresas. É quase como ver a frente de um relógio e entrar nos seus labirintos ou admirar uma caixa de música e descobrir seus mistérios. O gerente de palco Ronaldo Rodrigues, nascido em Santa Helena de Minas, no Vale do Mucuri, chefia a equipe de 13 técnicos, e vê um misto de tensão e emoção na sua tarefa, principalmente no desce e sobe dos cenários. Ciente da responsabilidade “gigantesca” do ofício, ele explica que um erro no maquinário pode destruir um espetáculo. “Felizmente, comigo nunca ocorreu nada”, conta apontando as cordas que manejam os cenários. Com quatro elevadores cênicos e uma das maiores bocas de cena de teatros brasileiros, ele mostra à equipe do EM corredores nas alturas, aos quais se chega quase no escuro. “Nos bastidores, durante um espetáculo, a gente acaba se acostumando com a falta de luz.”
Nas conversas com os técnicos, muitas histórias saborosas vêm à luz da ribalta. Eles não se esquecem do concerto de uma orquestra. Quando soavam os violinos, uma gata recém-parida não parava de miar em algum lugar da coxia. Também uma famosa cantora da MPB teve o acompanhado de um felino, quando entoava suas notas mais agudas. “Não é de estranhar, afinal, estamos ao lado do Parque Municipal, que é cheio de gatos”, observa um técnico.
Brincadeiras à parte, não custa nada acreditar em atores, atrizes, cantores e cantores que, sem exagero, dizem que o palco, para eles, é um lugar sagrado. Têm razão, pois, entre a boca de cena e a plateia estabelece-se uma força divina, derivada, certamente, do poder de encantar o público e de transformar horas do dia em pura emoção.