Caixa reúne as mais importantes revistas modernistas da década de 1920

Lançamento do trabalho acontece nesta terça-feira no Sesc Palladium com entrada franca

por Pablo Pires Fernandes 18/08/2015 08:55

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Gravura de Di Cavalcanti ilustra o segundo número da pioneira revista 'Klaxon' (foto: Reprodução)
O ímpeto juvenil, às vezes, produz frutos saborosos. Se a busca por autoafirmação, natural da idade, se une à necessidade de expressão, e os ditos jovens têm talento, o resultado é de um frescor inigualável. Geralmente, a regra se repete: um grupo de idealistas com princípios afins, energia e falta de espaço para se expressar se reúne e lança uma revista. As vanguardas do início do século 20 trazem inúmeros exemplos de publicações e manifestos que serviram de porta-voz a princípios estéticos.


No caso brasileiro, algumas publicações da década de 1920 também serviram a esse propósito. Seis dessas publicações ganham agora uma reedição na caixa 'Revistas do modernismo – 1922-1929', organizada por Pedro Puntoni e Samuel Titan Jr. O lançamento em Belo Horizonte ocorre nesta terça, às 20h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium.

A oportuna reedição traz de volta às livrarias 'Klaxon', 'A revista', 'Estética', 'Verde', 'Terra roxa e outras terras' e 'Antropofagia'. Trata-se do conjunto mais importante de publicações modernistas do país, editadas em volume próprio, reproduzindo a íntegra dos textos em fac-símile. O esforço editorial foi parceria da Universidade de São Paulo e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo a partir de várias coleções.

Ensaios introdutórios ajudam a mostrar o contexto da época. Quase todos citam correspondências entre os autores, evidenciando a identificação entre os jovens intelectuais da década de 1920. A troca de cartas e informações entre seus produtores é notável e mostra a relação próxima entre os núcleos editores e seus colaboradores que marcam presença em revistas distintas.

Embora a proposta das revistas possa parecer unida em torno de um ideário modernista, cada uma delas expõe suas contradições, seus problemas e, frequentemente, sua imaturidade. Ao mesmo tempo, evidenciam o caráter coletivo próprio de tais publicações, em que a riqueza é justamente a troca de informações, o debate e a polêmica entre seus jovens integrantes. O nacionalismo e a busca da afirmação de uma estética propriamente brasileira percorrem todas as propostas, que tentam ainda manter diálogo com vanguardas europeias.

Pode-se dizer que todas essas revistas são fruto da Semana de Arte Moderna de 1922, e sua manifestação mais evidente é a pioneira 'Klaxon', capitaneada por Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e Rubens Borba de Moraes, o mesmo núcleo paulista que organizou a Semana de 1922. A revista surge, portanto, como extensão e continuação dos valores modernistas  e busca consolidá-los. “É preciso refletir. É preciso esclarecer. É preciso construir. Daí, 'Klaxon'”, diz o editorial do primeiro volume, que também propõe ser “atual” e “internacionalista”. “'Klaxon' cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por isso, é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz”, diz o texto que define bem a proposta multidisciplinar e abriga escritos sobre cinema, artes visuais, literatura, música e outros temas.

A revista 'Estética', criada no Rio de Janeiro por Sérgio Buarque de Hollanda e Prudente de Moraes, neto, é a de maior unicidade em sua proposta. Com textos grandes, é mais reflexiva e busca respaldar o movimento modernista com conceitos e críticas. 'A revista', fundada em Belo Horizonte, reúne os expoentes da intelectualidade mineira e tem como diretores Martins de Almeida, Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e Gregoriano Canedo. Logo no primeiro editorial, intitulado “Para os céticos”, já admitem as dificuldades – “falta-nos desde a tipografia até o leitor” –, mas assumem o desafio, pois “quanto a escritores, oh! Isso temos de sobra”.

A publicação mineira tem a curiosidade de se pregar modernista, mas, ao mesmo tempo, publicar vários autores que representam as tradições com as quais o grupo de jovens pretendia romper. Entre as revistas do modernismo, 'A revista' é a que tem o maior viés político, refletindo o embricamento entre arte e política na jovem Belo Horizonte. A outra publicação mineira é ainda mais singular, pois nasceu em Cataguases, editada pelos escritores Henrique de Resende, Martins Mendes e Rosário Fusco. É surpreendente como o grupo se mostrava afinado com os ideais modernistas e até com as vanguardas europeias, publicando autores de todas as revistas precedentes, incluindo Oswald de Andrade, Prudente de Moraes, Drummond e o onipresente Mário de Andrade, que mantém ativa correspondência com os jovens do interior que queriam “humanizar o Brasil”.

'Terra roxa e outras terras' traz mais ou menos os mesmos colaboradores, mas incorre em um ufanismo paulista que evidencia as contradições do próprio modernismo. Algumas das fórmulas das publicações anteriores são repetidas, valores duvidosos são venerados e algumas de suas propostas resvalam em um conservadorismo ao qual, teoricamente, seus editores gostariam de se contrapor. 'Antropofagia', também paulista, consegue uma proeza: ao ser pubicada como encarte do 'Diário de São Paulo', conquistou público bem mais amplo do que suas congêneres. Seu maior mérito, porém, é apresentar um balanço do modernismo já com alguma distância e maior maturidade.

O conjunto das publicações possibilita o contato direto com as propostas e a produção do modernismo, suas facetas cheias de genialidade, mas também de indiossincrasias, contradições e defeitos. As publicações reunidas formam obra referencial para se compreender o país, pois a dicotomia entre o Brasil arcaico e um projeto civilizatório autônomo, tão evidente na inquietude dessas revistas, perdura até os dias de hoje.

 

Lançamento da caixa 'Revistas do modernismo – 1922-1929',
Editora Imprensa Oficial do Estado de SP e USP, 1.182 páginas, R$ 250. Terça-feira, às 20h, no Teatro de Bolso do Sesc Palladium, Avenida Augusto de Lima, 420, Centro, 3270-8100. Entrada franca.

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