“Dá vontade de parar e dizer: ‘Oi, é muito importante o que você está fazendo agora? Não poderia esperar?’”, diz a atriz Mônica Martelli. “Se puder não levar, melhor. Se levar à minha peça, pode saber que vou olhar. Já entro em cena procurando quem está no celular”, avisa o ator Eri Johnson.
O comportamento incômodo de um tipo de público inseparável do smartphone tem irritado artistas. Muito! No mês passado, a premiada atriz norte-americana Patti LuPone perdeu a paciência com uma espectadora de 'Shows for days', em cartaz no Lincoln Center, em Nova York. Interrompeu a cena, tomou o aparelho da mão da mulher, saiu bradando contra o hábito de usar celulares na plateia de espetáculos e virou a musa dos colegas.
Em São Paulo, o ator Thiago Amaral, da Cia. Hiato, fez o mesmo durante uma sessão da peça infantojuvenil 'Experiência'. “Era uma plateia adolescente. Aí é mais difícil controlar. Desci do palco, peguei o celular da criança, e isso causou uma tensão geral. No final da peça, no agradecimento, chamei o menino para devolver o aparelho e expliquei por que o peguei. Ele tem que saber sobre o quanto interfere”, afirma.
“Há pessoas que vão ao teatro como se estivessem indo ao cinema. Acho horrível usar celular no cinema. Incomoda-me profundamente. Mas pelo menos não há um artista na frente da pessoa construindo aquela obra. É falta de educação, mas até podemos entender um pouco”, afirma a atriz Kelly Crifer, integrante do grupo mineiro Teatro Invertido.
Quando esteve em cartaz com o monólogo 'Ensaio para Senhora Azul', Kelly improvisou para incluir na dramaturgia a interferência de um celular que tocava na plateia. “Como eu falo com a plateia o tempo inteiro, me relacionei com isso (o toque do celular). Parei o texto e fiz uma pausa olhando para a pessoa. Ela tirou da bolsa e desligou”, conta. Durante os ensaios abertos do espetáculo, a atriz e o diretor Robson Vieira chegaram a recolher as bolsas e objetos do público, como algo intrínseco à peça. “Mas se isso (o uso de telefones pelo público) começar a ficar impossível, talvez seja um próximo passo, de verdade. Teremos que começar a encontrar maneiras de fazer com que o teatro, o encontro vivo, frente a frente, aconteça de fato”, afirma Kelly.
Em Nova York, a primeira coisa que a produção do espetáculo off-Broadway 'Sleep no more' faz é recolher bolsas e objetos de todos os espectadores já na entrada do prédio onde se passa a trama. Os itens ficam guardados na chapelaria e retirados apenas no final da sessão.
Antes de iniciar as sessões do monólogo 'Estamira', a atriz Dani pede que as pessoas não mandem mensagem durante a peça. “A luz do celular atrapalha muito quem faz e também quem está na plateia. Era uma coisa com que até pouco tempo atrás a gente não precisava lidar e agora vai se precavendo”, diz.
FILMAGENS
Outro aspecto que incomoda a atriz é o hábito também cada vez mais comum dos espectadores de fotografar ou filmar as montagens. “É insuportável. Tem gente que coloca na internet, mas faço questão de preservar isso.” Durante a temporada de 'Estamira' em Portugal, Dani chegou a interromper a peça e pedir que um espectador parasse de filmar.
O ator Thiago Amaral teve experiência semelhante quando apresentou o solo 'Ficção' em Belo Horizonte. Quando um celular tocou, pediu para a pessoa atender. E notou um espectador fotografando o início do espetáculo, em que o ator está nu. “Não sei dizer que medida tomar. Acho importante o ator se mostrar incomodado. É um diálogo que deve ser reiterado. Acredito que seja uma questão de acordo”, diz ele.
“Também adoro meu telefone. Existe um mundo aqui dentro que acho maravilhoso. Só tem que tomar cuidado para não atropelar o humano, o aqui e o agora”, argumenta Dani Barros.
Depois de parar a peça quatro vezes por causa de celulares na plateia, a produção de 'Cássia Eller – o musical' mudou sua atitude. “As pessoas filmam, ficam impressionadas com a performance e querem mostrar para todo o mundo”, observa o produtor Gustavo Nunes. Antes de cada apresentação, além da tradicional gravação, uma pessoa sobe ao palco e pede, enfaticamente, que os aparelhos sejam desligados.
Além disso, durante a peça, os assistentes da montagem ficam de olho no comportamento do público e, literalmente, deduram os transgressores. Apontam com a luz de led vermelha aqueles que desrespeitam o pedido. Os abusados são convidados a guardar o aparelho ou sair do teatro.
Dependência do celular é síndrome do século 21
Em 2014, o número de portadores de celular chegou a 73% da população mundial. Um adulto passa aproximadamente três horas por dia de olho naquela telinha, sendo que a média de desbloqueio da tela é 150 vezes a cada 24 horas. Os dados são de pesquisa realizada pela Kleiner Perkins Caufield & Byers, empresa especializada em dados sobre mudança de mercados que desde 2002 mapeia transformações causadas pela internet. Entre os 150 mil entrevistados pela pesquisa ao redor do mundo, 87% confessaram que não desgrudam do smartphone. Para 80%, conferir o aparelho é a primeira coisa a ser feita no dia. O uso da câmera é hábito diário para 44%, sendo que 76% o fazem apenas para postar a imagem em uma rede social.
A dependência do telefone celular já vem sendo tratada como uma síndrome da modernidade. E tem nomes: nomofobia (no mobile fobia) ou fomo (fear of missing out). Contudo, de acordo com o médico psiquiatra Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependência tecnológica do Instituto de Psiquiatria da USP, as pesquisas nessa área são embrionárias.
Hoje, o telefone celular chega a lugares no Brasil que não têm sequer saneamento básico. “Isso causa um impacto para lá de expressivo nos usos e costumes e cria uma série de novos comportamentos”, afirma Nabuco. Se diagnósticos relacionados à saúde mental como bulimia nervosa ou anorexia têm registros em séculos passados, o vício em celular é inédito.
“A tecnologia vai invadindo a vida e criando uma série de dissabores e efeitos colaterais. Entra de uma maneira recreativa e, conforme a pessoa se debruça, acaba sendo um anestésico”, explica. Segundo o psiquiatra, o uso do celular também faz com que o cérebro libere dopamina, substância que produz alívio. “Começa a se tornar um elemento de escape, para modular as emoções disfóricas. Para se tornar dependente, é um pulo. As pessoas estão dormindo com os celulares sob o travesseiro e usando-o assim que acordam. Perdeu-se o limite”, avalia.
O diagnóstico dessa dependência, diz o médico, é delicado, porque exige que, antes de tudo, a pessoa procure ajuda. O tratamento é feito com psicoterapia, para que o usuário aprenda a desassociar a resposta eufórica e a condição de alívio, mas há casos em que o uso de medicação é recomendado.
“Alguns pesquisadores começam a analisar e defender a ideia de que a geração digital, nascida a partir de 1995, seria a grande geração perdida. Não está conseguindo transformar informação em conhecimento. É rasa”, resume.
O comportamento incômodo de um tipo de público inseparável do smartphone tem irritado artistas. Muito! No mês passado, a premiada atriz norte-americana Patti LuPone perdeu a paciência com uma espectadora de 'Shows for days', em cartaz no Lincoln Center, em Nova York. Interrompeu a cena, tomou o aparelho da mão da mulher, saiu bradando contra o hábito de usar celulares na plateia de espetáculos e virou a musa dos colegas.
Em São Paulo, o ator Thiago Amaral, da Cia. Hiato, fez o mesmo durante uma sessão da peça infantojuvenil 'Experiência'. “Era uma plateia adolescente. Aí é mais difícil controlar. Desci do palco, peguei o celular da criança, e isso causou uma tensão geral. No final da peça, no agradecimento, chamei o menino para devolver o aparelho e expliquei por que o peguei. Ele tem que saber sobre o quanto interfere”, afirma.
“Há pessoas que vão ao teatro como se estivessem indo ao cinema. Acho horrível usar celular no cinema. Incomoda-me profundamente. Mas pelo menos não há um artista na frente da pessoa construindo aquela obra. É falta de educação, mas até podemos entender um pouco”, afirma a atriz Kelly Crifer, integrante do grupo mineiro Teatro Invertido.
Quando esteve em cartaz com o monólogo 'Ensaio para Senhora Azul', Kelly improvisou para incluir na dramaturgia a interferência de um celular que tocava na plateia. “Como eu falo com a plateia o tempo inteiro, me relacionei com isso (o toque do celular). Parei o texto e fiz uma pausa olhando para a pessoa. Ela tirou da bolsa e desligou”, conta. Durante os ensaios abertos do espetáculo, a atriz e o diretor Robson Vieira chegaram a recolher as bolsas e objetos do público, como algo intrínseco à peça. “Mas se isso (o uso de telefones pelo público) começar a ficar impossível, talvez seja um próximo passo, de verdade. Teremos que começar a encontrar maneiras de fazer com que o teatro, o encontro vivo, frente a frente, aconteça de fato”, afirma Kelly.
Em Nova York, a primeira coisa que a produção do espetáculo off-Broadway 'Sleep no more' faz é recolher bolsas e objetos de todos os espectadores já na entrada do prédio onde se passa a trama. Os itens ficam guardados na chapelaria e retirados apenas no final da sessão.
Antes de iniciar as sessões do monólogo 'Estamira', a atriz Dani pede que as pessoas não mandem mensagem durante a peça. “A luz do celular atrapalha muito quem faz e também quem está na plateia. Era uma coisa com que até pouco tempo atrás a gente não precisava lidar e agora vai se precavendo”, diz.
FILMAGENS
Outro aspecto que incomoda a atriz é o hábito também cada vez mais comum dos espectadores de fotografar ou filmar as montagens. “É insuportável. Tem gente que coloca na internet, mas faço questão de preservar isso.” Durante a temporada de 'Estamira' em Portugal, Dani chegou a interromper a peça e pedir que um espectador parasse de filmar.
O ator Thiago Amaral teve experiência semelhante quando apresentou o solo 'Ficção' em Belo Horizonte. Quando um celular tocou, pediu para a pessoa atender. E notou um espectador fotografando o início do espetáculo, em que o ator está nu. “Não sei dizer que medida tomar. Acho importante o ator se mostrar incomodado. É um diálogo que deve ser reiterado. Acredito que seja uma questão de acordo”, diz ele.
“Também adoro meu telefone. Existe um mundo aqui dentro que acho maravilhoso. Só tem que tomar cuidado para não atropelar o humano, o aqui e o agora”, argumenta Dani Barros.
Depois de parar a peça quatro vezes por causa de celulares na plateia, a produção de 'Cássia Eller – o musical' mudou sua atitude. “As pessoas filmam, ficam impressionadas com a performance e querem mostrar para todo o mundo”, observa o produtor Gustavo Nunes. Antes de cada apresentação, além da tradicional gravação, uma pessoa sobe ao palco e pede, enfaticamente, que os aparelhos sejam desligados.
Além disso, durante a peça, os assistentes da montagem ficam de olho no comportamento do público e, literalmente, deduram os transgressores. Apontam com a luz de led vermelha aqueles que desrespeitam o pedido. Os abusados são convidados a guardar o aparelho ou sair do teatro.
Dependência do celular é síndrome do século 21
Em 2014, o número de portadores de celular chegou a 73% da população mundial. Um adulto passa aproximadamente três horas por dia de olho naquela telinha, sendo que a média de desbloqueio da tela é 150 vezes a cada 24 horas. Os dados são de pesquisa realizada pela Kleiner Perkins Caufield & Byers, empresa especializada em dados sobre mudança de mercados que desde 2002 mapeia transformações causadas pela internet. Entre os 150 mil entrevistados pela pesquisa ao redor do mundo, 87% confessaram que não desgrudam do smartphone. Para 80%, conferir o aparelho é a primeira coisa a ser feita no dia. O uso da câmera é hábito diário para 44%, sendo que 76% o fazem apenas para postar a imagem em uma rede social.
A dependência do telefone celular já vem sendo tratada como uma síndrome da modernidade. E tem nomes: nomofobia (no mobile fobia) ou fomo (fear of missing out). Contudo, de acordo com o médico psiquiatra Cristiano Nabuco, coordenador do grupo de dependência tecnológica do Instituto de Psiquiatria da USP, as pesquisas nessa área são embrionárias.
Hoje, o telefone celular chega a lugares no Brasil que não têm sequer saneamento básico. “Isso causa um impacto para lá de expressivo nos usos e costumes e cria uma série de novos comportamentos”, afirma Nabuco. Se diagnósticos relacionados à saúde mental como bulimia nervosa ou anorexia têm registros em séculos passados, o vício em celular é inédito.
“A tecnologia vai invadindo a vida e criando uma série de dissabores e efeitos colaterais. Entra de uma maneira recreativa e, conforme a pessoa se debruça, acaba sendo um anestésico”, explica. Segundo o psiquiatra, o uso do celular também faz com que o cérebro libere dopamina, substância que produz alívio. “Começa a se tornar um elemento de escape, para modular as emoções disfóricas. Para se tornar dependente, é um pulo. As pessoas estão dormindo com os celulares sob o travesseiro e usando-o assim que acordam. Perdeu-se o limite”, avalia.
O diagnóstico dessa dependência, diz o médico, é delicado, porque exige que, antes de tudo, a pessoa procure ajuda. O tratamento é feito com psicoterapia, para que o usuário aprenda a desassociar a resposta eufórica e a condição de alívio, mas há casos em que o uso de medicação é recomendado.
“Alguns pesquisadores começam a analisar e defender a ideia de que a geração digital, nascida a partir de 1995, seria a grande geração perdida. Não está conseguindo transformar informação em conhecimento. É rasa”, resume.