“A voz destes meninos que morreram cedo se ouvirá como um clarão”, diz verso de Nelson Motta para canção de Lulu Santos chamada 'Tesouro da juventude'. O contexto ao qual se referem o letrista e o cantor é o da morte de artistas extremamente jovens, como Janis Joplin ou Jimi Hendrix (ambos morreram aos 27 anos de idade). Mas pode-se estender o que diz a canção de modo a abarcar todos os artistas que morreram cedo e deixaram uma obra que encanta e intriga. Um exemplo é a obra do cearense José Leonilson Bezerra, que morreu aos 36 anos em decorrência de complicações trazidas pela Aids.
Uma grande exposição de Leonilson (são cerca de 150 obras), com curadoria de Adriano Pedrosa, será aberta nesta quinta, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Belo Horizonte. As obras revelam todo o charme de uma linguagem que passeia pelo mundo com ares de ser atemporal, que sintetiza com clareza sentir e pensamento e que é de todos: o desenho. Elemento onipresente na obra do artista, batendo forte ou sendo constantemente expandido em obras gráficas (gravuras, ilustrações), pinturas, bordados e objetos.
Leonilson é um autor singular, que se afirmou no contexto de busca de mais liberdade para a arte, afirmado a partir dos anos 1980. Adriano Pedrosa conta que, por considerar que a obra de Leonilson já ganhou boas retrospectivas, mostrando tanto o início de sua carreira quanto sua obra madura, decidiu se voltar para motivos que estão na obra do artista, sem muita preocupação com cronologia.
O curador priorizou obras realizadas a partir do final dos anos 1980 e 1990, por se tratar de um momento que consolida a dedicação de Leonilson a imagens delicadas e filosóficas, deixando de lado o vibrante expressionismo que é marca de muitos de sua geração. Essa abordagem, segundo diz o curador, traz comentários sobre o mundo e mostra o caráter de diário que tem a obra do cearense, valendo-se de imagens que aludem à vida afetiva, sexual e amorosa.
Os trabalhos estão distribuídos em sete seções: Os diários, As geografias, As matemáticas e as geometrias, Os brancos, 1991, As ilustrações e A cena final. “São reflexões subjetivas sobre temas que todos conhecem, como solidão, amor, desencontros, perdas, caminhos etc.”, explica Pedrosa. Essas temáticas estão detalhadas com figuração narrativa, construídas com diversos materiais e uma poética que trabalha, de forma cada vez mais intensa, a concisão.
“Tudo é simples e arrebatador”, afirma o curador, que é diretor artístico do Masp. “São trabalhos de grande beleza e com leituras profundas do mundo”, acrescenta. A sessão que leva o nome de 1991, remete à longa entrevista que Adriano Pedrosa fez com Leonilson, conversando “como dois amigos que têm interesse em arte” sobre muitos temas, usada para mostrar a visão do artista sobre as obras.
“Como os trabalhos trazem uma visão muito pessoal, são intimistas, têm um aspecto de diário, há uma tendência a vê-los como se fossem uma biografia fiel da vida de Leonilson. Não é bem assim. O que ele faz é uma fabulação, jogando com verdade e ficção”, observa, explicando o título da exposição. Leonilson, conta Pedrosa, foi artista de ir todo dia ao ateliê, conhecia a cena internacional, até por ter morado na Europa e viajava muito. O grande número de desenhos, observa, se explica pelo fato de que blocos e aquarelas eram o material mais prático para ser levado em viagens. Muitos desenhos, observa Pedrosa, têm o nome da cidade onde foram realizados, algumas vezes, abreviado.
Leonilson teve impacto sobre o modo de Adriano Pedrosa ver a arte: “Aprendi muito com ele. Eu era muito jovem, e foi Leonilson quem me mostrou vários artistas”, recorda. O curador elogia o trabalho de catalogação e difusão da obra do artista feito pelo projeto Leonilson (que envolveu, inclusive, doações de obra para o Museu de Arte Moderna de Nova York, o Centro Georges Pompidou, a Tate Galery etc.). O projeto agora está às voltas com a elaboração do catálogo geral do artista. É uma ação que contrasta com um ambiente (o brasileiro) em que poucos autores tiveram a felicidade de ganhar um trabalho assim, inclusive porque é caro, como observa Pedrosa, citando que no caso de “uma artista como Djanira, não sabemos direito o que existe da obra dela”.
Ícone da Geração 80
José Leonilson Bezerra Dias nasceu em Fortaleza. Em 1961, mudou-se com a família para São Paulo. Quando adolescente, em paralelo aos estudos, faz cursos de desenho. Em 1977, ingressou no curso de educação artística da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde estudou com Júlio Plaza, Nelson Leirner, Regina Silveira, entre outros, mas não concluiu o curso.
Depois de participar de salões de arte, fez sua primeira individual ('Cartas a um amigo') no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. Em suas andanças pela Europa, a partir de 1981, expôs na Espanha, na Itália, na Alemanha e em Portugal.
No Brasil, Leonilson se integrou ao grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, criando cenários, figurinos, objetos de cena e textos. Suas exposições nas galerias Luiza Strina (SP) e Thomas Cohn Arte Contemporânea (RJ) causaram impacto pela visualidade lírica e inovadora e fizeram do artista um ícone das transformações trazidas pelos anos 1980.
Desde então, Leonilson torna-se presença regular em mostras dedicadas aos jovens artistas e às novas propostas visuais, tanto no Brasil como no exterior. Apesar de ter exposto fora do Brasil, não presenciou a internacionalização da arte brasileira.
'Leonilson: Truth, Fiction'
Trabalhos de José Leonilson. A partir de quinta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. De quarta-feira a segunda, das 9h às 21h. Classificação etária: livre. Entrada franca. Até dia 28 de setembro.
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Leonilson é um autor singular, que se afirmou no contexto de busca de mais liberdade para a arte, afirmado a partir dos anos 1980. Adriano Pedrosa conta que, por considerar que a obra de Leonilson já ganhou boas retrospectivas, mostrando tanto o início de sua carreira quanto sua obra madura, decidiu se voltar para motivos que estão na obra do artista, sem muita preocupação com cronologia.
O curador priorizou obras realizadas a partir do final dos anos 1980 e 1990, por se tratar de um momento que consolida a dedicação de Leonilson a imagens delicadas e filosóficas, deixando de lado o vibrante expressionismo que é marca de muitos de sua geração. Essa abordagem, segundo diz o curador, traz comentários sobre o mundo e mostra o caráter de diário que tem a obra do cearense, valendo-se de imagens que aludem à vida afetiva, sexual e amorosa.
Os trabalhos estão distribuídos em sete seções: Os diários, As geografias, As matemáticas e as geometrias, Os brancos, 1991, As ilustrações e A cena final. “São reflexões subjetivas sobre temas que todos conhecem, como solidão, amor, desencontros, perdas, caminhos etc.”, explica Pedrosa. Essas temáticas estão detalhadas com figuração narrativa, construídas com diversos materiais e uma poética que trabalha, de forma cada vez mais intensa, a concisão.
“Tudo é simples e arrebatador”, afirma o curador, que é diretor artístico do Masp. “São trabalhos de grande beleza e com leituras profundas do mundo”, acrescenta. A sessão que leva o nome de 1991, remete à longa entrevista que Adriano Pedrosa fez com Leonilson, conversando “como dois amigos que têm interesse em arte” sobre muitos temas, usada para mostrar a visão do artista sobre as obras.
“Como os trabalhos trazem uma visão muito pessoal, são intimistas, têm um aspecto de diário, há uma tendência a vê-los como se fossem uma biografia fiel da vida de Leonilson. Não é bem assim. O que ele faz é uma fabulação, jogando com verdade e ficção”, observa, explicando o título da exposição. Leonilson, conta Pedrosa, foi artista de ir todo dia ao ateliê, conhecia a cena internacional, até por ter morado na Europa e viajava muito. O grande número de desenhos, observa, se explica pelo fato de que blocos e aquarelas eram o material mais prático para ser levado em viagens. Muitos desenhos, observa Pedrosa, têm o nome da cidade onde foram realizados, algumas vezes, abreviado.
Leonilson teve impacto sobre o modo de Adriano Pedrosa ver a arte: “Aprendi muito com ele. Eu era muito jovem, e foi Leonilson quem me mostrou vários artistas”, recorda. O curador elogia o trabalho de catalogação e difusão da obra do artista feito pelo projeto Leonilson (que envolveu, inclusive, doações de obra para o Museu de Arte Moderna de Nova York, o Centro Georges Pompidou, a Tate Galery etc.). O projeto agora está às voltas com a elaboração do catálogo geral do artista. É uma ação que contrasta com um ambiente (o brasileiro) em que poucos autores tiveram a felicidade de ganhar um trabalho assim, inclusive porque é caro, como observa Pedrosa, citando que no caso de “uma artista como Djanira, não sabemos direito o que existe da obra dela”.
Ícone da Geração 80
José Leonilson Bezerra Dias nasceu em Fortaleza. Em 1961, mudou-se com a família para São Paulo. Quando adolescente, em paralelo aos estudos, faz cursos de desenho. Em 1977, ingressou no curso de educação artística da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), onde estudou com Júlio Plaza, Nelson Leirner, Regina Silveira, entre outros, mas não concluiu o curso.
Depois de participar de salões de arte, fez sua primeira individual ('Cartas a um amigo') no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. Em suas andanças pela Europa, a partir de 1981, expôs na Espanha, na Itália, na Alemanha e em Portugal.
No Brasil, Leonilson se integrou ao grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone, criando cenários, figurinos, objetos de cena e textos. Suas exposições nas galerias Luiza Strina (SP) e Thomas Cohn Arte Contemporânea (RJ) causaram impacto pela visualidade lírica e inovadora e fizeram do artista um ícone das transformações trazidas pelos anos 1980.
Desde então, Leonilson torna-se presença regular em mostras dedicadas aos jovens artistas e às novas propostas visuais, tanto no Brasil como no exterior. Apesar de ter exposto fora do Brasil, não presenciou a internacionalização da arte brasileira.
'Leonilson: Truth, Fiction'
Trabalhos de José Leonilson. A partir de quinta-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. De quarta-feira a segunda, das 9h às 21h. Classificação etária: livre. Entrada franca. Até dia 28 de setembro.