Mariana – O casarão de nº 35 da Rua Direita, em Mariana, que o Estado de Minas visitou na segunda-feira passada, guarda histórias memoráveis, como a da visita, em 1919, do então desconhecido Mário de Andrade. Sobre o encontro, o poeta, jurista e escritor Alphonsus de Guimaraens escreveu: “Há cinco dias, esteve aqui o Sr. Mário de Morais Andrade, de São Paulo, que veio apenas para conhecer-me, conforme disse. É doutor em ciências filosóficas. Leu e copiou várias poesias minhas (principalmente as francesas). (...) É um rapaz de alta cultura, sabendo de cor, em inglês, todo 'O corvo', de Poe. Viaja para fazer futuras conferências e visitou todos os velhos templos desta cidade. A verdade é que, para quem vive, como eu, isolado, uma visita dessas deixa profunda impressão”.
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“Esse encontro entre modernismo (Mário) e simbolismo (Alphonsus) ficou bem notório e ganhou até um poema de Carlos Drummond de Andrade”, cita a atriz Raquel Scotti Hirson, bisneta do escritor e jurista. Ela está rodando o país com a peça Alphonsus, inspirada no parente famoso e que deverá ser encenada no próximo mês de agosto, em Belo Horizonte. As histórias que o sobrado construído no século 18 abriga, no entanto, estão hoje guardadas em outro endereço – o Museu Mineiro, em Belo Horizonte. É para lá que o acervo do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, fechado ao público desde 2009, foi transferido. Uma grande reforma do casarão foi iniciada em março de 2014, mas interrompida em novembro do mesmo ano.
Na última quinta-feira, a Secretaria de Cultura de Minas Gerais anunciou que liberará $ 600 mil para a conclusão da reforma. Segundo a pasta, falta realizar aproximadamente 30% das obras previstas. “O grosso já foi feito. Tivemos que fazer adaptações, como uma plataforma de acesso a cadeirantes e a pessoas com dificuldade de locomoção, ampliação e restauro dos banheiros e da cozinha. O reboco da parte interna foi refeito. Ainda falta mexer na fachada, no quintal e no andar térreo”, diz a coordenadora do museu, Ana Cláudia Rôla Santos.
Raquel Hirson, que só chegou a conhecer o casarão quando ele já era um museu, diz que sua avó, Altair Stela, uma das filhas de Alphonsus de Guimaraens, e seus tios contavam causos interessantes sobre o espaço. Um deles se refere ao período da temível gripe espanhola, em 1918. “O escritório do meu bisavô era na parte de baixo da casa e, pelo que me relataram, apenas ele e mais um dos filhos não foram atingidos pela doença. Por isso, boa parte da família ficava no andar de cima e evitava ir ao escritório, para não contaminar quem estava saudável”, revela.
DEPRESSÃO Foi no velho sobrado também que morreu a filha mais nova dos Guimaraens, Constancinha, com apenas 1 ano e meio, em maio de 1921. A perda da menina mexeu tanto com o poeta simbolista, que ele entrou em depressão e acabou falecendo apenas dois meses depois, em julho do mesmo ano. Raquel conta que Alphonsus foi noivo de sua prima, que também se chamava Constança e que era filha do tio, o escritor Bernardo Guimarães (autor de A escrava Isaura).“Mas ela acabou morrendo e meu bisavô se casou anos depois com minha bisavó, Zenaide, na antiga Conceição do Serro Frio. A paixão pela prima sempre esteve presente em seus versos, tanto que quis homenageá-la batizando a caçula de Constança”, diz.O casarão imponente pertencia à família Queiroz e desde o ano de 1975 passou ao controle do estado. Foi a última das três residências do ouro-pretano e sua família na primeira capital de Minas Gerais. Lá ele viveu ao lado da esposa Zenaide e dos 15 filhos, de 1913 até seu falecimento, às vésperas de completar 51 anos de idade.
Desde 1984, o espaço tornou-se sede do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens. O acervo do museu é fruto de doações, feitas em sua maioria pela família de Alphonsus, quando da criação da instituição. É composto por sua biblioteca particular; conjunto de fotografias; objetos referentes à vida privada, à carreira como juiz e à atividade literária e acervo de documentos textuais, entre os quais se destacam artigos publicados e originais manuscritos de textos, poemas e correspondências.
“Todo esse acervo está armazenado no Museu Mineiro, em BH, em condições adequadas, enquanto a Casa Alphonsus não fica totalmente pronta. Uma parte desses livros, documentos e objetos também está sendo restaurada”, diz a coordenadora do Museu Casa Alphonsus de Guimaraens, Ana Cláudia Rôla Santos. Entre os destaques, as cartas trocadas com familiares e amigos, manuscritos do escritor, sua caneta e um canapé em que Alphonsus costumava descansar.
ATIVIDADES Mesmo com as portas fechadas desde 2009, o setor educativo do espaço realiza em escolas, praças e ruas atividades em parceria com instituições e a comunidade de Mariana. Um dos exemplos é o sarau Cantando Alphonsus. Outra iniciativa é o Alô, Poesia!, que visa à leitura, interpretação e produção de textos poéticos. “Temos também o projeto Alphonsus vai à escola, que leva para estudantes das redes pública e privada de Mariana e região tudo o que é desenvolvido no museu, além de apresentar a vida e a obra de Alphonsus de Guimaraens”, diz a coordenadora.
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Marianense por adoção
Alphonsus de Guimaraens, pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães, nasceu em Ouro Preto, em julho de 1870. Na vizinha Mariana, foi nomeado juiz substituto em 1909. Na primeira capital de Minas, morou em três casas, sendo a última a da Rua Direita. O poeta costumava passar pela antiga Ponte de Tábuas, hoje ponte Alphonsus de Guimaraens. Seu corpo foi enterrado no Cemitério do Rosário, em Mariana. Em 1953, a pedido de Juscelino Kubitschek, foi trasladado para o Cemitério Municipal de Santana, na mesma cidade, onde há um mausoléu com a seguinte frase: “A minha alma é uma cruz enterrada no céu”.