Paraty – Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC) vão “tocar o terror” na bucólica cidade histórica fluminense onde é realizada a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Sai o intelectual Mário de Andrade, cuja opção sexual se tornou tema de debates e de muita polêmica, para dar lugar ao narcotráfico. Hoje à noite, uma das mesas mais esperadas do evento reunirá dois jornalistas que investigam o crime organizado: o britânico Ioan Grillo, que mora no México, e o mexicano Diego Enrique Osorno. O astro da noite seria o italiano Roberto Saviano, autor do best-seller Gomorra, sobre o tráfico internacional de cocaína. Na mira dos cartéis da droga, ele cancelou sua vinda ao Brasil alegando motivos de segurança.
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O repórter britânico cobre o narcotráfico e o crime organizado para diversas publicações. Defensor da legalização da maconha, ele considera pertinente também discriminar o uso da cocaína. Está convicto de que essas duas medidas seriam capazes de desestabilizar os cartéis criminosos. O terceiro passo, defende, é oferecer tratamento adequado a todos os usuários de drogas.
Tanto Grillo quanto Osorno publicaram livros sobre narcotráfico e crime organizado, mas eles não foram editados no Brasil. O inglês prepara-se para lançar, no segundo semestre, Gangster warlords: drug dollars, killing fields and the new politics of Latin America, em que analisa as facções Los Caballeros Templarios (México), Shower Posse (Jamaica), Mara Salvatrucha (Honduras) e o carioca Comando Vermelho. Grillo visita o Brasil pela quarta vez – nas anteriores, entrevistou chefões de favelas e soldados do tráfico.
Autor de El narco, livro sobre os cartéis mexicanos, Grillo, além de acompanhar de perto o Comando Vermelho, “com sua retórica de classe, o discurso ‘lutamos pelos pobres e contra os ricos’”, está atento à movimentação do PCC. Lembrou que a facção matou 41 policiais em apenas um fim de semana na capital paulista, em 2006. Chamou a atenção para os métodos usados pelo PCC, com seu sistema particular de justiçamento e táticas similares à da guerrilha urbana e da máfia.
O interesse pelo crime organizado se revelou quando Grillo se mudou para o México, deparando-se com facções como a Los Caballeros Templarios. “Era tudo um grande mistério. Quem eram aqueles traficantes? Como eles ganhavam US$ 30 bilhões por ano? Não os vemos, são como uma força invisível”, comentou durante entrevista em Paraty. “Quis entender isso e também a relação entre países que consomem (drogas), como o meu (Inglaterra), e os que produzem”, explica.
Fascinado pela América Latina, o inglês chama a atenção para a escalada da violência no México: trata-se de um alerta sobre o perigo que ameaça a cidadania em todos os países da região. “Em sete anos, 80 mil pessoas foram mortas pelos cartéis ou polícia. Famílias foram destruídas, inocentes morreram. Não foi uma violência local, como a do Brasil, mas pública: atingiu a classe média e por isso chocou tanto os mexicanos. No Brasil, vejo uma violência menos impactante, pois ela está mais dentro das favelas”, afirma Ioan Grillo.
Crônica de um 'bolo' pra lá de anunciado
Paraty – Hoje à noite, Roberto Saviano não participará da mesa de debates anunciada como a mais badalada da Flip. Sua ausência motivou o convite aos jornalistas Ioan Grillo e Diego Osorno para substituí-lo. Mesmo a quilômetros do Brasil, a ex-principal atração da festa literária não deixará de marcar “presença”, devido ao ti-ti-ti em torno do cancelamento de sua viagem ao Brasil.
O anúncio do “bolo” se deu na segunda-feira, mas a organização da Flip e a Companhia das Letras souberam pelo menos uma semana antes que Saviano não viajaria até Paraty. A editora, que lançou os livros dele no país, e o curador do evento, Paulo Werneck, atribuíram a demora em divulgar o cancelamento à esperança de reverter o impasse.
Concretizada a decisão, os substitutos foram convocados às pressas: o inglês Ioan Grillo confirmou sua viagem na segunda-feira e o repórter mexicano Diego Osorno na quarta-feira, pouco antes da abertura oficial da Flip.
A bem da verdade, motivos não faltam para proteger Roberto Saviano. Em 2006, ele passou a ser perseguido pela máfia napolitana, insatisfeita com o livro Gomorra, que revelava detalhes sobre seus métodos. Desde aquela época, uma escolta acompanha o escritor em tempo integral.
Para viajar ao Brasil, seria necessário apresentar um plano à Polizia di Stato, espécie de Polícia Federal italiana. Mas essa medida não foi adotada, de acordo com o jornal Folha de S.Paulo. De acordo com Otavio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, o escritor disse que os carabinieri, que o protegem dentro da Itália, o orientaram a não correr riscos. O jornal informou, porém, que a autorização ou o veto necessariamente teria de passar pela Polizia di Stato com antecedência superior a uma semana.
A Companhia das Letras alega que chegou a receber autorização no dia 24 para emitir duas passagens para Saviano e um acompanhante, mas a secretária do autor voltou atrás no dia seguinte. Marques da Costa explicou que, em janeiro, questionou a secretária se seria necessário algum esquema especial de segurança. Na ocasião, ela disse esperar que o chefe não necessitasse de esquema especial para visitar o Brasil em julho.
LONDRES
Dois dias antes de sua frustrada participação na Flip, Saviano teve agenda cheia em Londres: visitou os estúdios das redes de televisão CNN e BBC e a sede do jornal The Guardian, onde conversou com a equipe editorial sobre a influência do narcocapitalismo na economia mundial, assunto que aborda nos livros Gomorra e Zero zero zero, ambos editados no Brasil. Fotos das visitas foram postadas no perfil do escritor no Twitter. (Com Folhapress)