Artista baiano se veste com roupas de ferro para se proteger de agressões sociais

Jayme Fygura fez de Belo Horizonte um ponto de passagem desde que o fotógrafo Francilins Castilho Leal passou a ser curador das suas performances

por Ailton Magioli 28/06/2015 06:00

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Élcio Paraíso/Divulgação
Jayme Fygura circula em Cemitério do Peixe (MG), usando a armadura que é sua roupa do dia a dia (foto: Élcio Paraíso/Divulgação)

Figura pública de Salvador, onde se tornou atração turístico-cultural do Pelourinho, Jayme Fygura fez de Belo Horizonte um ponto de passagem quase obrigatória desde que o fotógrafo Francilins Castilho Leal passou a ser curador das performances do artista, cujas indumentárias, feitas à base de armadura de ferro, couro e tecido, chamam a atenção dos transeuntes.


A produção de Jayme Fygura transita por diferentes suportes nas artes visuais, como pintura e escultura. Ele também compõe poesias musicadas, além de realizar performances.

Nascido em Cruz das Almas (BA), Jaime Andrade Almeida, o Jayme Fygura, de 54 anos, veio à cena em Salvador, na era Collor (1990-1992), quando a então ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Mello, determinou o confisco da caderneta de poupança dos correntistas. À época desenhista publicitário bem-sucedido, Jayme perdeu seus investimentos e também o emprego. Diz ter começado a rasgar publicamente a própria roupa, tendo sido agredido com socos e pedradas em vias públicas por cidadãos que, segundo ele, não compreendiam que a natureza de seu ato era a revolta.

Ele criou a própria banda de rock para declamar poesia e a sua revolta. Como o trabalho teve pouca repercussão, Jaime se sentiu mais uma vez agredido e começou a criar as roupas que usa desde então, com uma base de ferro associada ao couro para protegê-lo. Jayme Fygura passou a criar também esculturas e pinturas abstratas e vendê-las. Mas sofreu um assalto em seu ateliê e conta que voltou a experimentar a sensação de perda da época do Plano Collor.

“O negócio é não tocar em mim. Nunca fiz mal a ninguém”, diz, sobre o modo como escolheu se vestir e circular pelas ruas. “Uns gostam, outros não gostam, e eu vou levando minha vida, meu trabalho”, diz. “São 38 anos de luta e massacre. Sofri muito por causa de Collor de Mello.” Fygura diz que, inicialmente, ele não pensava em esconder o rosto com as indumentárias exóticas que cria. “Mas, desde que coloquei a máscara de ferro, já no terceiro dia em que saí na rua com ela, nunca mais a tirei.”

PUBLICIDADE Autodidata na publicidade, ele criava logotipos e logomarcas para empresas. Diz ter perdido muito mercado de trabalho com a entrada em cena do computador. “Fazia tudo à mão. O computador chegou e ocasionou mais uma desgraça em minha vida”, desabafa. “Foi tudo uma bomba só.”

Vestido com uma estrutura de ferro da cintura para cima (braceleira, ombreiras e capacete), nas pernas, o artista usa roupas de couro. Para revestir a partir dos ombros da armadura, Jayme diz usar tecido e couro. Ele conta que foram criados (por ele mesmo) três modelos de indumentária, que chegam a pesar 10kg. Católico de formação, Jayme Fygura não descarta a simbologia afro-brasileira do personagem que veste, comparado por muitos a um orixá que, como faz questão de lembrar Francilins Castilho Leal, passa por vários “atravessamentos”, incluindo o Exu Sete Facadas, que ele costuma incorporar.

Impressionado com a potência do artista baiano, o curador mineiro diz que ela toca e atravessa as pessoas por onde passa. “Inclusive em Salvador, onde, apesar de já estarem acostumados à figura de Jayme, muitos param para tirar uma selfie com ele. Jayme é uma potência encarnada”, afirma.

Jayme Fygura é pai de dois filhos, de 27 e 37 anos, respectivamente, taxista e motorista de ônibus, em Salvador.

VIDA E OBRA

Quando curador do Festival de Arte Negra, em 2012, Francilins Castilho Leal expôs as indumentárias de Jayme no Teatro Francisco Nunes. Posteriormente, via Prêmio Funarte, desenvolveu a ocupação Sarcófago no ateliê do artista, em Salvador. Mais recentemente, Francilins levou-o para participar da ocupação Cemitério do Peixe: Morte e magia nas artes visuais, desenvolvida pelo curador no pequeno povoado de Conceição do Mato Dentro (MG). Ele também produziu o CD de Fygura chamado The Farpa Band, ainda inédito, e finaliza a biografia do baiano. “Jayme Fygura é arte que provoca choques tectônicos por onde passa, abrindo fissuras no psiquismo humano e social”, escreve Castilho Leal na apresentação da obra.

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