
André di Bernardi Batista Mendes

A poeta Laura Liuzzi nasceu no Rio de Janeiro, em 1985. Em 2010, aos 25 anos, lançou Calcanhar (7 Letras). No começo, é normal, ficamos um tanto quanto perdidos. Funciona dessa forma na vida, funciona assim também na literatura. Mas a vida é cheia de urgência, e é preciso atitude, coragem para certos desafios. Aos poucos, devagar, vamos criando nexos, liames e elos. Laura descobriu cedo o compromisso com o mistério da poesia. Chama-se Desalinho o segundo livro da jovem escritora, lançado recentemente pela editora Cosac &Naify.
Cada verso é, sim, algo grandioso, como um pequeno universo. Cada verso guarda segredos e paradoxos, verdades possíveis. O poeta encontra pedras de guardar. E cada poema guarda sentidos que muito lembram encruzilhadas. Todo poema é um contratempo, um desarranjo de luzes. Laura trança, molda e inventa, nessa teia de tudos e nadas, uma orquestra de silêncios. Os poemas de Laura cantam sem alarde e fazem brotar a melodia que sai de dentro de cada palavra – melodia que desemboca para dentro de cada leitor desavisado. Os poemas de Desalinho guardam uma relação muito forte com a música, que aparece, sorrateira, em vários textos.
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Existem livros sem rumo e sem rumores. É o leitor que aviva possíveis asas. Laura escreve e, ao escrever, descobre dentro de si vertigens. Ela dispara para dentro dos sonhos. Sem freios, com os olhos fulminados de algo maior. Todo poeta é feito de algo sólido, dessa “matéria grave e intransponível”. A poeta deita, fecha os olhos para “ver as coisas no escuro”. Laura não foge, aceita, acata, passa a vida a limpo e, o que é melhor, escreve “sem riscar as imperfeições”. Infância, música e uma maturidade lógica fazem parte do arsenal de Laura Liuzzi. É preciso inventar um jeito de esquecermos tanta brutalidade.

Todo carinho traça no ar, no trajeto das mãos, elipses, circunferências perfeitas, linhas de chegar ao céu invisível do peito. Poemas são feitos de carinho. Poemas são feitos diante da insistência do tempo, que ensina e canta alto uma canção invisível feita de ternura e imensidão. O tempo, nosso melhor fármaco, senhor de si. Poetas dizem, sobem e descem, nessas e outras. Como quem diz “ruínas”, pelo simples prazer de “erres” e “esses”, para depois encontrar um jeito de achar possibilidades diante do surgimento de outras casas de tijolos e janelas.

Laura escreve seus poemas guiada pela sombra, por instrumentos antigos, violinos, violões, bússolas. Ela escreve de cima, no mais alto silêncio. A poesia da moça é direta, mas não direita. Ela tem humor e é – por que não? – adornada por um cinismo bom, propício, luminoso: “Seu cabelo aumentou, disse./ Também sinto saudade, respondi”. Não importa se em Paris ou Lisboa, se perto de Szymborska ou simplesmente solitária. Eis sua delícia: a poeta sofre de si mesma.
Cabem na poesia de Laura evidências e fracassos, unhas quebradas, deslizes, patinações, linhas angulosas, frias, firmes, ferozes. Todo coração é imperfeito. Todo coração é imperdoável. Os melhores poemas assustam. A poesia nos dá a chance de inverter desajustes até chegarmos ao raciocínio do sol. A poesia de Laura cumpre a promessa: carrega metáforas na concha das mãos.
No entanto, Laura não nasceu pronta para a poesia. Todo caminho é feito de altos e baixos, acertos e desacertos. O mais difícil ela conseguiu, ao inventar uma estrada para seus primeiros passos. A poeta, diga-se a seu favor, não interrompe e nem tenta interferir, com arrogância ou pretensões inúteis, no fluxo da vida. Laura Liuzzi explica: “É só a chuva e a palavra chuva”. A poesia não resiste ao óbvio, que fulmina de um jeito único. A poesia não restitui, não reconstrói nada de nadas. Poesia é sinônimo de desalinho.