Nos teatros geridos pela Fundação Municipal de Cultura (FMC), transexuais têm prioridade para contratação no posto de recepcionista. A próxima Virada Cultural de Belo Horizonte incluirá uma grade de programação batizada de Veada Cultural. E, sobretudo, projetos que se candidatarem ao patrocínio via Lei Municipal de Cultura apresentando “qualquer forma de preconceito e intolerância à orientação sexual, a saber, lésbicas, gays, travestis e transexuais, serão desclassificados”.
“É delicado, mas é um processo que precisamos começar”, afirma Oliveira. O ponto mais controverso de suas ações afirmativas é o artigo 62 do “edital de apresentação de projetos 2014” na Lei de Incentivo à Cultura do município. Precisamente o artigo que estabelece o veto a “qualquer forma de preconceito e intolerância”. Embora o texto reserve o direito de “ampla defesa e contraditório” aos eventuais desclassificados, não há critérios preestabelecidos para distinguir o desejável caráter provocador das criações artísticas da expressão de preconceito e intolerância.
Cabe a uma comissão mista (formada por seis representantes do poder público e seis do setor cultural) avaliar os méritos de cada projeto. Como a apreciação é realizada em um primeiro momento via formulário preenchido pelos autores do projeto, eles terão de assinar uma declaração de que suas propostas não apresentam as formas de preconceito descritas. “Temos uma comissão LGBT que depois vai acompanhar (as obras realizadas)”, informa Oliveira.
O presidente da Fundação Municipal de Cultura afirma que a discussão de fundo é “qual o limite do preconceito. Ou ainda, o que é o preconceito e o que é natural na nossa cultura”. Ele admite que esse “é um assunto que rende pano para manga”. Por exemplo, considerando-se o artigo 62 ao pé da letra, estariam vetadas as comédias que “brincam” com o modo de vida dos gays ou de evangélicos? Seria essa uma forma de censura à arte? Cabe ao governo esse filtro ou ao público?
APOLOGIA
“Precisamos ir criando processos no país. A partir do momento em que a gente define que não se pode fazer apologia ao preconceito, estamos fazendo isso”, afirma. Leônidas considera, no entanto, que há na decisão um embate dialético. Por exemplo, no caso das comédias gays, que são um estilo teatral enraizado na cultura brasileira, sobretudo na produção de Belo Horizonte.
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Para ela, são espetáculos que exploram a caricatura do homossexual, mas não discriminam. “Acho que tem que ter esses mecanismos mesmo, para trabalhar nossos valores, porque ainda somos minoria. Tendo esses projetos, temos muita coisa para mostrar. Tem que colocar a cara no sol, querida”, conclui.
O ator e diretor Ricardo Batista é contra qualquer tipo de discriminação, inclusive na Lei de Incentivo em relação aos projetos inscritos. “Não acho que tem que ficar separando. Gente é gente”, afirma. Para ele, a análise é muito relativa, subjetiva e confusa. “Se eu for montar um personagem como Hitler, não posso por que ele é preconceituoso? Existem muitos personagens que são politicamente incorretos. Você vai deixar de fazer por causa disso?”, questiona.
Igor Leal, pesquisador e idealizador do movimento Um Beijo no seu Preconceito, acredita que as ações da FMC estão em sintonia com as diretrizes de promoção ao combate da homofobia no Brasil. Na opinião dele, muitas das violências cotidianas não são vistas como ações preconceituosas.
“O esforço da política com uma temática identitária é uma urgência para possibilitar que esses discursos das minorias ocorram com uma certa naturalidade”, diz. Leal ainda ressalta que se trata de dinheiro público. “Estamos falando sobre em que tipo de cultura ou em que forma de cidadania o governo investe ou incentiva. Acho que é função de um Estado garantir a expressão, independentemente de orientações sexuais, religiosas ou raciais”, conclui.
“Estou amando trabalhar aqui”
A experiência da SP Escola de Teatro, coordenada por Ivam Cabral em São Paulo, foi uma das referências para uma das ações afirmativas da Fundação Municipal de Cultura. Foi depois de conhecer o projeto paulista, que privilegia transexuais na contratação de funcionários, que o presidente da FMC, Leônidas Oliveira, decidiu adotar medida semelhante em Belo Horizonte.
Para Paola Pardinho, foi a melhor chance que teve na vida até hoje. Aos 27 anos, ela coleciona casos dos quase 12 meses como recepcionista do Teatro Francisco Nunes. A irreverente ex-Miss T Minas Gerais foi cabeleireira, atendente de telemarketing e faz questão de se apresentar em serviço sempre maquiada. “Estou amando trabalhar aqui, fazendo novas amizades e sendo muito respeitada. Vou aproveitar que estou no ramo da cultura para fazer balé. Sempre sonhei em ser bailarina”, afirma.
Carolina Balbino dos Santos, de 24, foi selecionada para o emprego de recepcionista no Teatro Raul Belém Machado, a ser inaugurado em breve no Bairro Alípio de Melo. Aluna do primeiro período de Psicologia da PUC Minas, diz que trabalhou em padaria, supermercado, call center e também panfletando. “O que aparecia a gente estava indo”, conta.
Com teatro ou outra manifestação cultural teve pouquíssimo contato até aqui. “Já dei aula de forró e axé e isso foi o mais próximo de arte que consegui fazer”, diz. A gestora do Teatro Francisco Nunes, Dayse Belico, conta que tem sido uma ótima convivência. “Arte não é lugar para aceitar a diferença, mas evidenciar e valorizar as diferenças. Falo muito com elas para aproveitar esse lugar de afirmação.”
A COMISSÃO DA LEI DE CULTURA
Representantes da administração
. Gilvan Rodrigues dos Santos
. Joana D’arc Jesus dos Santos
. Karime Gonçalves Kajazeiro
. Murilo Junio Rezende Pereira
. Nilson Gonçalves de Oliveira
. Samuel Medina do Nascimento
Representantes do setor cultural
. Aline Rodrigues Prado
. Ana Rosa Domingues
. Andréia Lacerda Bueno
. Flávio Célio Rodrigues Oliveira
. Laudimir Vieira da Silva
. Orlando Ruben Besoytarube