Contar a verdade em tempos de censura é missão ingrata, que exige coragem e muito talento para revelar os fatos sem provocar a ira de generais e censores. Foi essa a tarefa a que se dedicou com maestria o jornalista Carlos Castello Branco, nos seus 50 anos de estrada, 31 deles batucando diariamente, na Tribuna de Imprensa e depois no Jornal do Brasil, a sua Coluna do Castello. E é dessa aventura, de seu autor, do vaivém diário entre pequenas politicagens e grandes ambições que fala o jornalista e escritor Carlos Marchi, em 'Todo aquele imenso mar de liberdade', que a Editora Record lança nesta segunda-feira, 6.
De tudo, o que ficou como sua grande marca foi a competência com que ia contando o dia a dia do poder nas entrelinhas. "Ele aprendeu a escrever com meias palavras, escolhidas a dedo para não despertar a ira dos radicais da linha dura nem deixar de informar as pessoas", avisa o autor. "Ô, Castelo, você está fazendo uma coisa espantosa. Está reinventando a língua portuguesa!", brincava outro jornalista, Oswaldo Trigueiro.
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Um sujeito pequeno, feio, que "ruminava sua própria timidez invencível", que falava esquisito, para dentro, "de forma que não exibisse muito os dentes". E que passou a beber, de tristeza, depois que um filho morreu em acidente de carro, deixando a dúvida sobre se a tragédia tinha sido, ou não, uma vingança dos generais.
As quase oito mil colunas de Castelinho - ele as escreveu de 1962 até morrer, de um câncer, em junho de 1993 - foram pretexto para se repassar meio século de história do País. Um dia após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, lá está o jornalista em um banheiro do Palácio do Catete, trocando figurinhas com o vice-presidente Café Filho. Trinta anos depois, a pedido de Tancredo Neves, foi ele quem marcou jantares do candidato da oposição com os generais, para aliviar o clima da campanha de 1985. Por todo esse tempo, ele penou em um vaivém sempre mal resolvido entre direita e esquerda, no qual a primeira prevaleceu, por seu apego à liberdade de imprensa e a amigos como Milton Campos e Afonso Arinos.
A caminhada tem momentos de glória, como quando Castelinho chamou à sua sala o censor do jornal e decretou: "Ataliba, se quiser ler o jornal compre amanhã na banca. Aqui você não vai ler mais". Era fevereiro de 1945, e a ditadura Vargas estava se acabando. De 1960, o autor relata o divertido episódio do Manifesto Renovador, em que ele redigiu secretamente o documento de um dos grupos e em seguida foi convidado pelo rival para respondê-lo.
Marchi também traz à luz um intrigante pedido feito em janeiro de 1961 pelo recém-eleito presidente Jânio Quadros. Dirigindo-se a Leão Gondim, diretor de O Cruzeiro, o presidente pediu: "Eu quero que você me empreste o Castello por seis meses, no máximo sete..." Seria a crônica de uma renúncia anunciada? Foi a única vez em que o colunista foi para "o outro lado do balcão". Não gostou nada. Como resume Marchi, "a rotina de intrigas e rasteiras do palácio lhe dava engulhos".