Ela pintou até o último minuto de sua longa existência, 101 anos completados em 21 de novembro passado e comemorados com uma exposição de pinturas monocromáticas na galeria carioca de sua marchande Nara Roesler, que passou a representar a pintora Tomie Ohtake em 1986. Internada desde a terça-feira, 10, na UTI do Hospital Sírio Libanês, a artista morreu nesta quinta-feira, 12, vítima de complicações advindas de uma pneumonia. Entre as obras públicas mais conhecidas de Tomie Ohtake em São Paulo estão o Monumento aos 80 anos da Imigração Japonesa na Avenida 23 de Maio, os painéis da estação Consolação do metrô e intervenções artísticas em projetos arquitetônicos, como o teto do Auditório do Ibirapuera e a tapeçaria de parede do Memorial da América Latina, destruída no incêndio de 2013.
Todos os citados projetos foram concebidos com linhas curvas que identificam igualmente a arquitetura de um dos dois filhos da pintora, Ruy Ohtake, não por acaso discípulo de Oscar Niemeyer. Tomie costumava dizer que a linha reta “não é da natureza humana”, a despeito de reconhecer a grande arte que o homem produziu com ela, em especial a divisão ortogonal das telas na obra de Mondrian. Embora não comungasse do neoplasticismo do holandês, ela termina sua carreira usando, curiosamente, as três cores primárias - azul, amarelo e vermelho - das telas neoplásticas de Mondrian, além do branco. Foi a primeira vez que Tomie pintou telas totalmente monocromáticas, admitindo a dificuldade que foi enfrentar a autonomia da cor. Enquanto Mondrian tentou conter a expansão cromática com linhas pretas ortogonais, ela fez o caminho inverso, apostando na acumulação matérica para libertar a cor dos limites do suporte.
No caso de Mondrian, havia uma questão teosófica que o acompanhou desde a infância e marca profundamente sua obra - a contenção da sensualidade da cor. Tomie, ao contrário, não era uma mulher religiosa, embora tenha educado seus filhos em colégios católicos por entender que deveria criar Ruy e Ricardo, diretor do Instituto Tomie Ohtake, conforme a religião dominante no país que adotou aos 23 anos. Dona de casa até os 39 anos, ela só começou a pintar depois que os meninos se formaram.
Sua primeira tela é de 1952. A pintura é uma natureza morta com flores, um pouco à maneira dos pré-impressionistas, embora na época a artista tivesse poucas informações sobre história da arte. Foi retratando paisagens da Mooca, onde morava e, posteriormente, trocando informações com os artistas japoneses do grupo Seibi, criado em 1935 (por Tomoo Handa, Takahashi e outros), que Tomie se formou pintora. Até a passagem da figuração para a abstração, nos anos 1960, foi menos motivada pela eclosão do movimento concreto e da 1.ª Bienal de São Paulo do que pela intuição de Tomie. Ela dizia que foi observando os objetos de sua casa que concluiu ser a forma concreta pura abstração.
Muitos consideram as primeiras pinturas abstratas de Tomie, especialmente as dos anos 1960, seus melhores trabalhos, mas o fato é que formas voltavam com certa frequência na carreira da pintora, especialmente as dos arcos e cápsulas, que transmitem ao espectador certa leveza e elevação espiritual. Avessa à racionalização, ela enfrentou a ditadura da arte conceitual, nos anos 1960, apresentando uma série de “pinturas cegas”, feitas com os olhos vendados, ampliando depois seu repertório para outras técnicas - gravura, escultura - com o objetivo de aprimorar a própria pintura, como ficou provado na última exposição, em que o acúmulo de tinta tenta conquistar o espaço tridimensional.
A influência da cultura japonesa é nítida nas formas sintéticas do repertório pictórico de Tomie, mas o fato é que as “pinturas cegas”, que exaltam o escotoma, o ponto cego do olho, incapaz de detectar a luz, se tornou uma obsessão para a pintora, que fez da cor um veículo para chegar à iluminação - nos dois sentidos. Com o aprimoramento de sua técnica e o contato com a arte de estrangeiros que conheceu em suas andanças por bienais internacionais - e ela participou de várias, inclusive a de Veneza -, Tomie foi refinando o gosto, ficando impressionada com a pintura de Rothko e Patrick Heron, pouco lembrado quando falam da pintora, mas um dos seus favoritos. Tomie, além de tudo, tinha sensibilidade poética. Fez com Haroldo de Campos um álbum de gravuras que é uma obra-prima e, hoje, uma raridade.
Todos os citados projetos foram concebidos com linhas curvas que identificam igualmente a arquitetura de um dos dois filhos da pintora, Ruy Ohtake, não por acaso discípulo de Oscar Niemeyer. Tomie costumava dizer que a linha reta “não é da natureza humana”, a despeito de reconhecer a grande arte que o homem produziu com ela, em especial a divisão ortogonal das telas na obra de Mondrian. Embora não comungasse do neoplasticismo do holandês, ela termina sua carreira usando, curiosamente, as três cores primárias - azul, amarelo e vermelho - das telas neoplásticas de Mondrian, além do branco. Foi a primeira vez que Tomie pintou telas totalmente monocromáticas, admitindo a dificuldade que foi enfrentar a autonomia da cor. Enquanto Mondrian tentou conter a expansão cromática com linhas pretas ortogonais, ela fez o caminho inverso, apostando na acumulação matérica para libertar a cor dos limites do suporte.
No caso de Mondrian, havia uma questão teosófica que o acompanhou desde a infância e marca profundamente sua obra - a contenção da sensualidade da cor. Tomie, ao contrário, não era uma mulher religiosa, embora tenha educado seus filhos em colégios católicos por entender que deveria criar Ruy e Ricardo, diretor do Instituto Tomie Ohtake, conforme a religião dominante no país que adotou aos 23 anos. Dona de casa até os 39 anos, ela só começou a pintar depois que os meninos se formaram.
Sua primeira tela é de 1952. A pintura é uma natureza morta com flores, um pouco à maneira dos pré-impressionistas, embora na época a artista tivesse poucas informações sobre história da arte. Foi retratando paisagens da Mooca, onde morava e, posteriormente, trocando informações com os artistas japoneses do grupo Seibi, criado em 1935 (por Tomoo Handa, Takahashi e outros), que Tomie se formou pintora. Até a passagem da figuração para a abstração, nos anos 1960, foi menos motivada pela eclosão do movimento concreto e da 1.ª Bienal de São Paulo do que pela intuição de Tomie. Ela dizia que foi observando os objetos de sua casa que concluiu ser a forma concreta pura abstração.
Muitos consideram as primeiras pinturas abstratas de Tomie, especialmente as dos anos 1960, seus melhores trabalhos, mas o fato é que formas voltavam com certa frequência na carreira da pintora, especialmente as dos arcos e cápsulas, que transmitem ao espectador certa leveza e elevação espiritual. Avessa à racionalização, ela enfrentou a ditadura da arte conceitual, nos anos 1960, apresentando uma série de “pinturas cegas”, feitas com os olhos vendados, ampliando depois seu repertório para outras técnicas - gravura, escultura - com o objetivo de aprimorar a própria pintura, como ficou provado na última exposição, em que o acúmulo de tinta tenta conquistar o espaço tridimensional.
A influência da cultura japonesa é nítida nas formas sintéticas do repertório pictórico de Tomie, mas o fato é que as “pinturas cegas”, que exaltam o escotoma, o ponto cego do olho, incapaz de detectar a luz, se tornou uma obsessão para a pintora, que fez da cor um veículo para chegar à iluminação - nos dois sentidos. Com o aprimoramento de sua técnica e o contato com a arte de estrangeiros que conheceu em suas andanças por bienais internacionais - e ela participou de várias, inclusive a de Veneza -, Tomie foi refinando o gosto, ficando impressionada com a pintura de Rothko e Patrick Heron, pouco lembrado quando falam da pintora, mas um dos seus favoritos. Tomie, além de tudo, tinha sensibilidade poética. Fez com Haroldo de Campos um álbum de gravuras que é uma obra-prima e, hoje, uma raridade.