

Enquanto os aplausos começam a pipocar na pequena sala, a imortal da Academia Brasileira de Letras, a maior especialista em Fernando Pessoa no Brasil, adverte: ainda há “um poeminha” para ser lido. “Ó ó ó ó ó ó ó ó ó ó ó ó, o vento lá fora”, declama Cleonice. Esse é o único verso de (o vento lá fora). Ele batiza o documentário de Marcio Debellian que a cantora e a professora estão lançando em DVD e CD pelo selo Quitanda. Serão distribuídas 2,5 mil cópias para escolas públicas do país.
Inspirado na apresentação única da leitura de poemas de Pessoa e seus heterônimos que a dupla fez em 2013, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o filme em preto e branco, com 64 minutos, é produto de dois dias de trabalho em estúdio. A trilha sonora ficou a cargo do pianista Nelson Freire, que tocou Liszt e Schumann, e de peças de Egberto Gismonti executadas em flauta e violino. Maria Bethânia faz uma pequena participação ao piano. Em cartaz no Rio de Janeiro, o filme chega hoje aos cinemas paulistas.
Alternando poemas com imagens e animação, o documentário apresenta um retrato de Fernando Pessoa. O roteiro foi construído a partir de ensaios para a leitura e conversas das duas sobre a obra do poeta, além da pesquisa de manuscritos, cartas e imagens raras. Tudo isso com direito à reprimenda da mestra à cantora devido à métrica de um poema.
FAUZI
Presença em espetáculos e discos de Maria Bethânia desde 'Rosa dos ventos' (1971), que ela gravou também ao vivo sob a direção de Fauzi Arap (1938-2013), os versos de Pessoa passaram a se alternar com textos de outros autores, como Clarice Lispector, nas apresentações da cantora. “Fauzi me apresentou à obra de Fernando por meio de ‘Comigo me desavim’, do Sá Miranda”, revela Bethânia, que cultiva a poesia desde a infância, em Santo Amaro da Purificação (BA), graças ao incentivo do pai, José Teles Veloso, do irmão, Caetano Veloso, e do professor Nestor Oliveira.
“Meu pai sempre gostou de poesia. E ainda tenho uma irmã poeta”, acrescenta Bethânia referindo-se a Marisa Isabel. Entre os heterônimos de Pessoa, ela se identifica mais com Álvaro de Campos por ser “bravo” que nem ela. Em 2009, antes da Flip, a baiana foi a atração da terceira edição da série 'Sentimentos do mundo', realizada em BH pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bethânia leu textos de Clarice Lispector, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, padre Antônio Vieira e da também portuguesa Maria Gabriela Llansol, além de Fernando Pessoa.
Bendito show
Dona Cleo, como é carinhosamente chamada, diz dever ao amigo Thiers Martins Moreira, que lhe presenteou com uma antologia de Fernando Pessoa, a descoberta da obra do português.
“O que me levou ao interesse e paixão pela obra de Pessoa foi a qualidade indiscutível de seus versos, a pluralidade de suas vozes, os diálogos entre elas mantidos, o que constitui o seu drama – em gente ou em almas, como ele mesmo definiu”, afirma Cleonice. Recentemente, a professora lançou 'Fernando Pessoa – Antologia poética', seguida de ensaios sobre a obra do português.
(O VENTO LÁ FORA)
. Com Cleonice Berardinelli e Maria Bethânia
. Biscoito Fino/ Quitanda, R$ 49