É sem pudor e com o sorriso no rosto que o luthier e bonequeiro Gianfranco Fiorini assume: “Este aqui é um dos meus amores”. A mulher, Bernadete Fiorini, não se enciúma e até compartilha do mesmo sentimento. “Mas é meu também”, responde, antes de cair na risada. É difícil mesmo não se encantar pelo caminhão Ford 1936. Ainda mais quando tem uma história tão boa. Em 1999, o veículo foi adquirido do compositor Pacífico Mascarenhas com o fim específico de se tornar o palco da companhia fundada pelo casal.
Com sede em Contagem, a Cia. Fiorini Teatro Mambembe é um dos grupos que têm transformado carros em palcos, que por sua vez se convertem em verdadeiros personagens a dividir a cena com os artistas.
Foram quatro anos de reforma até que o caminhão da Cia. Fiorini pudesse finalmente levar os espetáculos pelas ruas e praças. Giancarlo é um tipo Professor Pardal.
Gianfranco garante que a companhia já passou por pelo menos 200 cidades. Quando o grupo chega a uma localidade, a única coisa que precisa é de um ponto de energia e banheiro. Dentro do baú tem mesa de som, estrutura de iluminação, espaço de camarim e os figurinos. Em cerca de 40 minutos, Fiorini e Marcão de Jesus, também integrante do grupo, montam toda a estrutura.
Acessibilidade é palavra-chave. “A gente faz pensando no público da rua.
La Poderosa
A relação do Circo Teatro El Índivíduo com o teatro mambembe é caso de amor antigo. Há pelo menos 15 anos, os argentinos Marcelo Castillo e Diego Gamarra, respectivamente, os palhaços Mercurio e Cloro, pesquisam esse jeito de levar espetáculos ao público. Há cerca de uma década fixaram residência no Brasil e, em 2006, compraram La Poderosa, a Kombi modelo 1972 utilizada como palco e personagem das peças 'Cirkombinados' e 'Bombeiros'. O nome é uma homenagem à moto de Che Guevara.
“É o diferencial do grupo. Temos uma linha de pesquisa com carros transformados. Nosso foco é a rua”, afirma Diego Gamarra.
Na estrada
“Sempre tivemos como princípio a democratização. Por isso optamos por ter esse equipamento itinerante para atender a uma população que tem pouco acesso”, justifica Roberto Silva, integrante da Associação Teatro de Bonecos Origens. O grupo, com sede no Barreiro, transformou um caminhão Volkswagen 690, com cinco metros de comprimento e 2,5 metros de altura, na caixa cênica.
A companhia carrega de tudo ali, até mesmo as cadeiras para o público. “Já estivemos em Curitiba, São Paulo, em todo o interior de Minas, e a partir de 2015 passaremos a circular pelos parques de Belo Horizonte”, conta Roberto.
Na garupa
Palcos em caminhões, carros antigos ou mais modernos e até em bicicletas não eram novidade para Giselle Fernandes, integrante da Cia. Caixa 4 Teatro de Bonecos de Sabará. Na época em que pensou em criar um palco ambulante, ela já se deslocava de moto. “Por que não levar o palco na garupa?”, pensou. “Quis fazer algo que nunca tinha visto”, reconhece.
Em 2009, adaptou o veículo para receber 'Cirk in', espetáculo de teatro de bonecos. Com direção de Tião Viana, o tipo de montagem chamada de lambe-lambe, ou seja, pequenas caixas cênicas com apresentações restritas a poucos espectadores. Nas cenas, que não passam de dois minutos, tem bailarina na corda bamba, mágico, palhaço e outros números tradicionais. Ao fim, o baú se abre para um espetáculo de 15 minutos, com texto de Fernando Limoeiro.
“Chego com o baú encaixado na moto, abro e começa o espetáculo”, conta Giselle. Ali dentro também tem de tudo: do cenário à iluminação. Batizado de Miniteatro Moto Expresso, a ideia é criar um expresso de cultura. 'Cirk In', a primeira experiência no formato, circulou por vários festivais. O Caixa4 já trabalha na próxima peça.
Onde está Esmeralda?
Ícone do teatro mineiro, a Veraneio Esmeralda, usada pelo Grupo Galpão nas primeiras apresentações de Romeu e Julieta, fica hoje em uma garagem no Bairro Jaqueline. Seu guardião é Bagre, que há anos cuida do carreto dos grupos Galpão e Corpo e da banda Skank.
Teatro mambembe
Comum na Europa durante a Idade Média, o chamado teatro mambembe fazia referência ao fato de atores, malabaristas, cantores e outros profissionais das artes começarem a viajar em carroças para apresentar seus espetáculos, fugindo da repressão da Igreja. No Brasil, a expressão começou a ser utilizada entre os séculos 17 e 18, também como referência a grupos teatrais e circenses itinerantes, que apresentam espetáculos populares sem recursos tecnológicos.