As famílias Pederneiras e Brant eram vizinhas nos anos 1960, na região do Bairro da Serra, zona Centro-Sul de Belo Horizonte, mas quis o destino que o encontro entre o bailarino Paulo e seu irmão Rodrigo Pederneiras com o compositor Fernando Brant acontecesse a quilômetros dali, na cidade de São Francisco de Itabapoana, no estado do Rio de Janeiro, em 1975.
Nas areias da praia do município do Norte fluminense começava a nascer 'Maria Maria', primeiro balé de uma companhia de dança que viria se tornar uma das mais conhecidas e aclamadas do país e do mundo. “Quando o Corpo surgiu, a gente tinha essa ideia de fazer um espetáculo e quando encontramos o Fernando o convidamos para fazer o roteiro e chamamos o Milton Nascimento para fazer a trilha sonora. Ficamos totalmente de fora da parte do tema, da criação”, lembra Paulo, diretor-geral e artístico do Grupo Corpo.
Confira trecho do espetáculo 'Maria Maria':
Na verdade, a vontade de montar algo original surgiu quando Rodrigo Pederneiras e outros integrantes participaram de oficinas de dança com o bailarino argentino Oscar Araiz, no começo da década de 1970, durante o Festival de Inverno de Ouro Preto. “Tivemos esse contato inicial com o Araiz e depois o convidamos para trabalhar conosco. Deu tão certo que ele acabou sendo nosso coreógrafo também no trabalho seguinte, o Último trem. Oscar Araiz teve muita influência na nossa formação”, destaca Rodrigo.
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Fernando Brant conta que se inspirou em todas as Marias com quem conviveu e que trabalharam na casa de sua família. Foi assim que acabou compondo, especialmente para o balé, as canções em parceria com Milton Nascimento. Boa parte delas se tornaram clássicos da MPB, como Maria solidária, Caxangá e Raça, por exemplo.
Na montagem para o palco, a trilha de 'Maria Maria' não tinha letra e só foi ganhar versos algum tempo depois. “Lembro-me de que fui para o Rio, na casa do Bituca (Milton), e ele me mostrou a melodia. Devo ter sido uma das primeiras pessoas a ouvir essa música. E aí ele me disse: ‘Acabei de fazer, o que você achou?. Fiquei encantado e gostei tanto que 'Maria Maria' abriu e fechou o espetáculo”, recorda Paulo Pederneiras, que foi o responsável pela coordenação geral do balé.
Um dos momentos mais belos do espetáculo é o pas-de-deux executado ao som de 'Francisco', outra obra-prima criada exclusivamente para a produção. Além de Milton Nascimento, Nana Caymmi, Fafá de Belém, Beto Guedes e Tavinho Moura gravaram a trilha. “Uma das coisas que mais guardo com carinho daqueles tempos é como todos se envolveram nesse projeto com uma generosidade enorme. Eles abraçaram mesmo essa ideia. Milton, Tavinho, Fernando. Tudo isso corroborou para o sucesso que foi”, acredita Rodrigo Pederneiras, que viria a se tornar o coreógrafo do Grupo Corpo.
Poema
Todos os textos de 'Maria Maria' são de autoria de Fernando Brant, com exceção de 'Eu sou uma preta velha aqui sentada ao sol', de Sérgio Sant’Anna. Aliás, o compositor lembra-se de um fato curioso relacionado ao poema. Como algumas coisas foram feitas em cima da hora, o folder do espetáculo não continha o nome de Sant’Anna. “Tiveram que improvisar e o nome dele foi colado e ficou meio dependurado no papel. Mas no fim das contas, deu tudo certo. Fomos ovacionados. 'Maria Maria' fez turnê pelo Brasil inteiro, Europa e América Latina”, conta.
Paulo Pederneiras também não se esquece do dia 1º de abril de 1976, data da estreia no palco do Grande Teatro do Palácio das Artes, e revela que para se apresentar no espaço teve que negociar em todas as esferas. “Tivemos dificuldades com essa questão de agenda, porque iríamos ficar em cartaz um bom tempo, e também porque era uma novidade, um balé inovador. E depois conseguimos nos apresentar no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que foi outra conquista. Hoje, nos apresentamos em qualquer palco do mundo. 'Maria Maria' é quase um divisor de águas na dança brasileira. É o primeiro balé popular, com um tema popular. Foi um sucesso incrível e abriu as portas para o Corpo ser o que é”, resume Paulo Pederneiras.