Livro descortina a boemia e a poesia do cantor Pete Doherty

Vocalista do Libertines e Babyshambles lança segundo livro com apoio editorial da lendária historiadora do rock, Nina Antônia

por Luana Brasil 21/08/2014 15:23

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Thin Man Press
Através das páginas de From Albion to Shangri La é possível alcançar a alma delicada e sensível de Pete Doherty (foto: Thin Man Press)
A vida polêmica do poeta e frontman das bandas Libertines e Babyshambles não é fácil de figurar. Pete Doherty, que já foi namorado de Kate Moss e Amy Winehouse, vive uma realidade conturbada, envolvendo drogas, temporadas em prisões, clínicas de reabilitação, brigas e overdoses. Catalizadora de manchetes, sua personalidade causa estranhamento, porque evidencia o paradoxo do mainstream midiático em constraste com uma alma sensível, reclusa e reflexiva.

Sobre o gosto por personagens junkies e transgressores, ela explica: “prefiro escutar as vozes dissidentes e da linhagem de rebelião de Jean Genet, Willian Burroughs, Lenny Bruce, Oscar Wilde, Rimbaud, Marjorie Cameron, Rosaleen Norton, Kenneth Anger. Prefiro qualquer um que tenha desafiado a sociedade com a sua arte, porque eu também estou em desacordo com ela”. A editora, que também escreve para as revistas Uncut e Mojo, já havia conquistado o público em 1987, com biografia do guitarrista do New York Dolls Johnny Thunders… In Cold Blood. Não menos junkie e sensível que Doherty, Thunders foi uma das almas mais livres da América dos anos 1970, o que despertou o interesse da jornalista de Liverpool. In Cold Blood está sendo adaptado para o cinema nos estúdios de Hollywood em Los Angeles.

Voltando a Pete, From Albion to Sangri La oferece uma perspectiva singela da realidade crua de um Orfeu pós-moderno, dá ganho à voz livre de um filho da boemia imaginária e romatizada dos nossos tempos, colocando Doherty em pé de igualdade com autores como Burroughs, Ginsberg e Kerouac. A obra foi recém lançada na Inglaterra, mas ainda não possui edição brasileira.

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From Albion to Shangri La, ainda sem edição brasileira (foto: Thin Man Press)
Confira entrevista com Nina Antônia

Por que escrever sobre Pete Doherty e Johnny Thunders?

Direciono meu olhar para uma certa autenticidade nos artistas com quem trabalho e escrevo sobre. Não estou particularmente motivada por termos convencionais de sucesso, mas por músicos e personagens que vivem e criam em seus próprios termos. Isso se reflete no trabalho de ambos, Johnny Thunders e Peter Doherty, ainda que suas produções sejam bastante diferentes.

Há alguma conexão entre eles?

Não, nenhuma. Exceto que eles vivem por suas próprias regras. E ambos têm uma propensão ao uso do chapéu.

Por que essa predileção por artistas transgressores?
Apesar de ser muito bem comportada, sou o tipo de pessoa que - sem motivo - atrai a atenção dos guardas de segurança. Essa coisa de liberdade de pensamento é um conceito perigoso e quase inexistente. Um desejo por compromisso nos é imposto diariamente… Não estou dizendo que devemos ir além da lei ou agir de forma imoral, digo que não devemos comprar uma cultura mainstream, sem um pensamento ou de sabedoria perceptivelmente duvidosa.

Como foi a edição desse material manuscrito?

Editar os diários de Pete foi uma viagem de assimilação de 7 anos. Não foi deliberado, não havia um plano. Simplesmente evoluiu através discussões e interesses mútuos. A primeira vez que visitei a casa de Pete, lembro de olhar para sua coleção de livros, tentando descobrir quem ele era através daquele monte de livros de bolso espalhados pelo chão do quarto. É possível dizer muito sobre as pessoas através de seus livros. Se alguém não possui um livro sequer, isso é preocupante...

Qual a importância de Pete Doherty?

Pete é uma figura cultural importante, seus escritos são verdadeiramente notáveis e a sua voz é uma das que precisam ser documentadas, através da música, da arte e da literatura. Doherty é um indivíduo verdadeiramente talentoso que vive em uma era implacável. Ele não me parece dedicado à fama. Amadureceu e é uma pessoa inerentemente criativa, que cria continuamente e vive uma vida boêmia e artística.

Você acredita que a tríade fama música e vício são interligados?

A tríade de fama, música e vício me soa mais como uma construção forçada do que uma realidade tangível. Qualquer um pode ficar viciado em drogas sem ser famoso ou músico. Talvez essa ideia fosse mais pertinente na década de 1960 e início dos anos 1970, quando as drogas eram menos disponíveis para a população em geral que para pessoas como Keith Richards e Brian Jones. As drogas eram um pouco menos tangíveis, envoltas em uma mística distante. Mas a partir da era do punk em diante, quando as drogas pesadas tornaram-se disponíveis e acessíveis nas ruas , isso deixa de ser verdade. Houve uma época em que a cocaína era considerada um luxo… Vício de príncipes e pop-stars, não é mais o caso há muito tempo e o mesmo pode ser dito sobre a heroína, que saturou os EUA depois da Guerra do Vietnã e chegou ao Reino Unido no início de 1980.

 

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Por entre a boemia e o vício, Doherty colhe inspiração para suas composições (foto: Thin Man Press)
 

O mainstream aniquila poetas? Como o caso de Jim Morrison e outros poetas sensíveis que utilizavam a música como veículo para suas palavras?
O mainstream sempre destruiu poetas.

Como está, atualmente, a cena Punk no Reino Unido?

Se houver uma cena, eu não estou envolvida nela. Cresci numa época em que o punk estava associado à figura de Johnny Thunders e os Heartbreakers… A melhor coisa sobre punk dos 70 é que ele quebrou algumas barreiras e criou uma onda de novas bandas, gravadoras independentes e editoras. Foi um tempo mais livre… Mas hoje a concepção que as pessoas têm do punk é muito rígida.

A música que eu mais amo, em sua maior parte, está fora dessa restrição. New York Dolls, Heartbreakers, Cramps foram bandas altamente individualistas. No momento em que você precisa começar a se encaixar, o movimento se perde. Atualmente, o punk é uma indústria no Reino Unido, não uma anarquia. Penso que se punk é quem desafia a sociedade, Rimbaud foi um punk, Baudelaire foi punk (ele tingia o cabelo de verde!)… E eles nunca usaram uma calça bondage. Qualquer coisa que se torne uniforme não me interessa.

 

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Nina Antônia e Pete Doherty (foto: Thin Man Press)
 

Duas perguntas para Pete Doherty
Quando a música, a literatura e os livros se tornaram importantes para você?

Quando percebi que era a única forma de eu me encontrar. Gastei muito do meu tempo criativo me contradizendo, procurando por liberdade enquanto aprisionava a mim mesmo. O processo de criação rejuvenesce o espírito, o que justifica a existência. Ter um par de músicas a caminho me realiza, é quando minha alma está curada, ainda que a criatividade venha da melancolia. Quando você está feliz e com uma vida plena não há tempo para criar, você não precisa disso porque está vivendo a sua vida.

É difícil lidar com a fama?

Eu já vivia isso na minha cabeça, então estava preparado para ela, mas era tudo fantasia… Tudo o que aconteceu foi a realidade se transformando na fantasia que eu criei. Tudo o que nós imaginamos, sonhamos na calada da noite, falamos sobre, conspiramos sobre… Através das canções aconteceu. É um troço estranho se tranformar numa figura pública. Assinar um contrato de gravadora te coloca nas mãos de outra pessoa e você automaticamente cessa o tipo de vida que havia te proporcionado criar aquelas músicas bonitas e legais. Por tanto tempo você se colocou naquele espírito original… E… Por necessidade você precisa mudar… Eu vi isso acontecer, senti isso acontecer e foi por isso que eu caí fora, foi isso o que aconteceu com o Libertines. Eles estavam super felizes em viver um modo de vida que eu não podia suportar, então eles me puseram pra fora e tentaram dar conta da banda pelo tempo que conseguissem.

 

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Frontman do Babyshambles e Libertines conta como é o impiedoso mundo da fama (foto: Thin Man Press)
 

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