“Eu já perdi você de vista/ Tua alma meu Deus levou/ Agora só me resta uma foto/ Que o retratista deixou”
Otto em 'Retratista', do disco 'Condom black' (2001)
A contemplação de um retrato pode fazer emergir em nós inúmeras memórias, reflexões e ideias. É como se um filme fosse rodado dentro de nossas cabeças ao olharmos detidamente para uma foto. Como o próprio título sugere, o livro Retratos sonoros (Editora Sonora, R$ 140), do carioca Daryan Dornelles, acrescenta melodias, harmonias e ritmos às outras reações e sensações descritas. O trabalho é resultado de 18 anos de atuação do fotógrafo no meio musical.
A obra reúne 156 retratos de músicos brasileiros dos mais diversos gêneros e gerações. Lenine, Dominguinhos, Ivete Sangalo, Otto, Pitty, Naná Vasconcelos, Ney Matogrosso, Karina Buhr, Erasmo Carlos, Zeca Pagodinho, Lula Queiroga são alguns dos artistas que posaram para Dornelles. “Em determinado momento da música brasileira, era fácil identificar cada estilo musical presente em cada artista. Mas, no momento atual, essa identificação não é tão clara. O que é muito bom para saúde da música feita no Brasil”, comemora.
Ao senso comum, pode parecer simples retratar pessoas que se expõem com freqüência em jornais, revistas e TVs. Mas a realidade não é bem assim. Para muitos artistas, o processo pode ser bastante desconfortável. Daryan Dornelles conta que a paixão pela música e o conhecimento sobre os personagens retratados o ajudaram a tornar o ambiente mais descontraído. “Claro que não é uma regra geral, mas funciona na maioria das vezes. Fora interesses comuns como futebol, um assunto super natural quando fotografo Chico Buarque e Luiz Melodia, por exemplo", conta.
Em países da Europa e nos Estados Unidos é comum a publicação de “livros de turnê”, com os quais fãs podem se deliciar com cliques de cantores e bandas nos palcos e nos bastidores. Daryan conta que chegou a fazer trabalho semelhante durante temporada de shows do Barão Vermelho, em 2005, mas lamenta que isso não seja prática comum no país. “Pena os músicos brasileiros não investirem nesse tipo de publicação. Curto muito, e inclusive coleciono de vários artistas, como U2, Rush, Iron Maiden, entre outros”.
“Uma das últimas fotos feitas para o livro. Pra mim, não haveria sentido lançar o livro sem ele, já que o texto de apresentação cita sua música Retratista. Acabei dando sorte e fui pautado pela Revista Cult para fazer retratos dele. Quanto à produção, não precisamos de muita coisa: seu figurino estava perfeito, adentramos a favela do Vidigal e fotografamos. Ele é muito querido por lá”.
Daryan sobre Dominguinhos
“Um dos poucos retratos que fiz especialmente para o livro. Havia tentado retratá-lo por duas vezes antes e consegui na terceira, quando ele veio ao Rio. Já tinha até uma locação pronta para a foto, num matagal, atrás do Aeroporto Santos Dumont. Um fato engraçado foi que, no dia em que fiz a foto, fiquei sabendo que ele era muito amigo de minha tia, a atriz Ilva Nino, e que por esse motivo poderia ter sido mais fácil conseguir fazer o retrato”.
Milton Nascimento de sunga e paletó
“(...) Logo percebi que Daryan não tinha o mesmo pudor que eu. Ao contrário. Conversava com naturalidade, sem nenhuma cerimônia. Até que soltou essa: 'Milton, você poderia colocar uma sunga, um paletó e entrar na piscina?' Fiquei branco, já pensando que voltaria para a redação sem a entrevista. Ou, na melhor das hipóteses, que teria de contornar a situação, 'desculpe nosso fotógrafo, ele é maluco'. Mas eu não disse nada, nem precisei. E Milton, só duas palavras: 'Esse menino...' Saiu da sala por cinco minutos, voltou de sunga e paletó e pulou na água”.
Jornalista Marcus Preto, em trecho da apresentação do livro