Em vez de se lamentar diante dos problemas, o fotógrafo Pedro David, de 36 anos, decidiu transformá-los em trabalho, ou melhor: em arte. Assim, a busca incansável por um apartamento para alugar originou a série 'Aluga-se', conjunto de fotos que evidenciam a luz dos ambientes vazios. Apê alugado e a jeitosa área livre de primeiro andar se tornou, imaginem, lixeira para os vizinhos mal-educados. Pedro aproximou suas lentes “do que as pessoas não queriam ver nem mesmo no lixo de suas casas” e, olhar macro, transformou o descartado em “esculturas” da série 'Coisas caem do céu'. Chegou até a pensar em expor as fotografias no hall do prédio. Não deu tempo, mudou-se logo.
Em outro momento, quando sua mãe, com quem dividia a moradia, ficou doente e morreu, ele permaneceu durante um mês no apartamento, vivendo seu luto, que deu origem ao que considerou o fechamento da trilogia: 'Última morada'. Em foco, objetos de sua mãe, imagens reproduzidas em instalação com slide show e o som da respiração ofegante da paciente nos últimos dias de vida. Todo o processo de criação foi longo. As primeiras fotos são de 2008, época da busca por um apartamento para morar com a mãe; as da segunda série vieram já num apartamento do Bairro Gutierrez, em 2009, e as últimas datam de 2010.
Tudo está reunido na mostra 'Fase catarse', que Pedro David abrenets quinta-feira, às 19h, no Museu Mineiro, com 46 fotos (11 de 'Aluga-se', 21 de 'Coisas caem do céu' e 14 de 'A última morada'). Na abertura, o artista lança o livro homônimo (cor, 22cm x 28cm, 72 páginas), que reúne as imagens da exposição, além de pequenos poemas de sua autoria. Trabalho meticuloso, feito com carinho e riqueza de detalhes. Quase solitário. É dele a edição, a seleção das imagens e a definição do tamanho que ganham a cada página. “Faço tudo pensando no contexto e no que quero mostrar. Vou até onde posso. Depois, quando não domino mais as ferramentas, procuro ajuda”, explica. Resultado: a mostra não tem curadoria e o livro conta com finalização do design Fred Paulino. Em novembro, a mostra segue para a Galeria da Gávea, no Rio de Janeiro.
“Fase catarse traz a ideia de transformação, reúne processos catárticos que vivi”, revela, dizendo que decidiu usar a fotografia para passar pelas dificuldades, aceitar os vizinhos, a morte da mãe, “que deixou de ser apenas tristeza para se tornar uma nova condição.” E confessa: “Consegui guardar as coisas dela, entregar o apartamento e continuar”. Para quem acompanha o trabalho do fotógrafo, a confirmação de que ele é sempre capaz de se reinventar, ousar e apostar em projetos difíceis. Nada é gratuito mas, ao mesmo tempo, tudo flui espontaneamente e, o melhor, sem perder a poesia.
Fase catarse
Mostra fotográfica e lançamento de livro de Pedro David. nesta quinta-feira, às 19h. Museu Mineiro, Av. João Pinheiro, 324, Funcionários (31) 3269-1103. Até 31 de agosto.
TRECHO
ÚLTIMA MORADA
“ (...) Perambulo por seus pertences
antes de retirar qualquer objeto.
Ali sozinho,
sinto ainda sua presença,
que pouco a pouco,
quadro a quadro
passa a dar lugar
à sua permanente ausência...”