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A filmagem durou 40 minutos e foi registrada no dia 29 de abril deste ano, na casa do escritor em Casa Forte, Zona Norte do Recife. Nos primeiros momentos do episódio, Ariano declama o 'Sermão da quarta-feira de cinzas', do padre Antônio Vieira, um dos primeiros textos recitados por ele para o público em aulas-espetáculo. Também discorre sobre destino, utopia, solidão e Deus. “Eu acredito (em Deus). Eu não conseguiria conviver com essa visão amarga, dura, atormentada e sangrenta do mundo”, revela Ariano, sobre a crença.
A vida e a obra no especial Auto de Ariano
Como o episódio possui 25 minutos, algumas boas respostas ficaram de fora da edição final. Uma delas o questionava sobre medo. “Eu sou um homem de poucos medos. Não por valentia, mas talvez por irresponsabilidade”. Em outra indagação sobre a vida, disse: “Se ela acha que me deve algo, passo o recibo agora mesmo. Eu tive privilégios extraordinários”.
Para Eric, o momento foi precioso. “A entrevista é uma conversa subjetiva. Foi formidável. Muito legal. Achei ele mais magro, a voz mais fraca, em comparação à última vez que o vi. Bem... o tempo passa sua fatura, tem seu preço. Mas ele estava com uma memória prodigiosa, humor tão pícaro, tão juvenil e de uma erudição assombrosa”, contou o apresentador.
Após a conversa, Eric saiu comovido do local. “Ele fez uma comparação incrível. Misturou Albert Camus e Leandro Gomes de Barros, um poeta da Paraíba. É uma coisa fascinante combinar o erudito e o popular”, descreveu. Eric prometeu retornar ao Recife para conversar mais. Lamentou não ter dado tempo. Mas valoriza o significado do último encontro. “Ariano era muito moleque, muito doce. A entrevista é muito pertinente. Rendia para mais de um programa”.
Trechos de entrevista >> Ariano Suassuna para Eric Nepomuceno
Qual é a importância do humor na vida?
Enorme. É outra coisa que ajuda a temperar o choro: a gente rir do mundo, rir até de si mesmo. Ajuda muito a viver. Não sei se você sabe disso, mas a morte no Sertão se chama Caetana… Pois bem, eu tinha um tio que estava muito mal. Ele teve um calafrio e disse: “isso é bem a quenga da Caetana que vem por aí”. Isso é o camarada que na hora da morte tem humor para rir de si mesmo. Dá muita força a gente. E é também um instrumento de luta.
Como você lida com a solidão?
Eu não sou solitário, não. Gilberto Freyre chamava a si mesmo “o solitário de Apipucos”. Ele fazia isso a partir do nome que dava a “Nietzsche Solitário”. Vieram perguntar a mim se podiam me chamar de “o solitário de Casa Forte”. Eu disse que não, porque tenho mulher, seis filhos e 15 netos. Só a família é uma bênção de Deus. Só essa quantidade aí, que não me deixa ser solitário, não. Eu sou uma pessoa muito ligada à família, dos meus irmãos, da minha mãe. Meu pai, convivi muito pouco - três anos somente. Mas, mesmo assim, sempre me fez companhia e ainda faz. Porque fiquei com a biblioteca dele. As primeiras vezes que li livros fundamentais foram na biblioteca dele.
Nesse mundo de hoje, você acha que ainda existe espaço para utopia?
A utopia é algo sem ao qual o homem não pode passar. Acho que o sonho é importantíssimo na vida de todos nós. A gente sonha com uma coisa melhor, não é? E acho que em qualquer tempo, enquanto existir injustiça, falta de liberdade, haverá espaço para o sonho e a utopia.