Ariano Suassuna chegou numa sala do Diretório Acadêmico de Engenharia, onde se reunia o Movimento Negro do Recife, e se espalhou sobre um pedaço de chão, assim como outros militantes - como fez em abril passado no aeroporto de Brasília à espera de um voo. Um dos rapazes, estranhando a presença do visitante ilustre, apressou-se em informar: “Professor, o senhor está no evento errado”. Já consagrado no início dos anos 1980, respondeu o escritor e dramaturgo: “Não. É aqui mesmo. Vim conhecer o Brasil que eu não conheço”. Josafá Mota, ativista há dois anos na época, ouviu a história contada por amigos.
A vida e a obra de Ariano Suassuna no especial Auto de Ariano
Dias depois, Ariano voltou a frequentar as reuniões. E Josafá estava lá. Ariano queria entender mais desse Brasil. Ele, que criou um Cristo negro no Auto da Compadecida, em 1955, chegou à conclusão que “olhava a história americana” e que a “figura de Manuel”, imagem popular de Cristo na peça, foi resultado de indignação após ter visto na revista Life fotografia de campanha norte-americana em que se discutia a imposição de crianças negras em escolas brancas. A peça e a imagem do negro tinham ganhado vida. A consciência mais crítica com relação às questões raciais no Brasil foi burilada um pouco antes de Ariano ir aos encontros do Movimento Negro, conta-se.
Vinte e cinco anos após inventar “Manuel”, Ariano foi indagado por jornalistas sobre o que ele achava a respeito da inclusão do fator raça no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tinha aprendido com Euclides da Cunha que éramos pardos. Gilberto Freyre lhe ensinou que éramos morenos. Ariano repetiu para Josafá inúmeras vezes o acontecido: “Disse aos jornalistas que perguntassem aos negros o que achavam”, recordou Josafá, com os olhos emocionados, enquanto esperava anteontem na UTI notícias sobre a saúde do amigo. Ariano teria resolvido seguir a frase do padre Vieira: “Quem quiser acertar em história, em política ou sociologia deve consultar as entranhas dos sacrificados”. E foi assim que bateu à porta do Movimento Negro.
“Do jeito que eu estou contando, ele nos contou. Teve a coragem de dizer que quando fez o Auto da Compadecida estava pensando no racismo americano”, pontua Josafá, sob um choro contido e impacto dos boletins médicos. “Encontramos um intelectual de peso que deu veracidade a uma causa que a gente abraçava. E foi sem paternalismo”, lembra. No Movimento Negro Unificado (MNU), Ariano ouviu de uma moça, Iraneide de Andrade, que o aparecimento do Cristo negro “foi uma das grandes emoções” da vida dela.
Amigo de décadas
A questão do negro e do racismo fez parte da vida e da obra de Ariano. Na década de 1980, conta-se que o escritor foi a um encontro do movimento na Zona da Mata e lá afirmou: “Eu vim me naturalizar negro”. Em 2007, foi receber um título de cidadão baiano e falou sobre o “racismo” de alguns escritores. A releitura sobre o racismo influenciou a sua obra. Ressalta-se o caso da onça descrita por Ariano: ela deixou de ser castanha, sinônimo de mestiça. Passou a ser chamada de malhada. Proseando, explicou que a troca foi uma espécie de mea-culpa sobre a forma porque acreditava que representava as cores misturadas e os vários tons de pele do brasileiro. Em entrevistas e em conversas informais, falava sobre a situação de exclusão de índios e negros e de como a colonização portuguesa após o descobrimento do Brasil influenciou a cultura e a política até hoje.
Quando assumiu cargo executivo no Governo Arraes (1994-1998), para o qual foi nomeado secretário de Cultura, tratou de dar seu jeito de mostrar igualidade entre raças: nomeou um índio, uma mulher e um negro como seus assessores diretos. O negro era Josafá, hoje com 58 anos. Com Ariano, Josafá teve uma relação de amizade de mais de 30 anos. Trabalhou com ele por onze anos, como assessor, secretário pessoal e chefe de gabinete. Em todas as 170 aulas-espetáculo, ministradas em 100 municípios visitados por Ariano, os dois estavam juntos. Do café da manhã ao jantar. E eram nesses momentos que falavam da infância vivida em Taperoá (PB) - uma coincidência do destino.
Das funções exercidas por Josafá ao lado do escritor, de uma parece falar com mais prazer. Era Josafá quem conduzia Ariano Suassuna ao palco. E era ele quem ajudava o amigo a sair de cena.
A vida e a obra de Ariano Suassuna no especial Auto de Ariano
Dias depois, Ariano voltou a frequentar as reuniões. E Josafá estava lá. Ariano queria entender mais desse Brasil. Ele, que criou um Cristo negro no Auto da Compadecida, em 1955, chegou à conclusão que “olhava a história americana” e que a “figura de Manuel”, imagem popular de Cristo na peça, foi resultado de indignação após ter visto na revista Life fotografia de campanha norte-americana em que se discutia a imposição de crianças negras em escolas brancas. A peça e a imagem do negro tinham ganhado vida. A consciência mais crítica com relação às questões raciais no Brasil foi burilada um pouco antes de Ariano ir aos encontros do Movimento Negro, conta-se.
Vinte e cinco anos após inventar “Manuel”, Ariano foi indagado por jornalistas sobre o que ele achava a respeito da inclusão do fator raça no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tinha aprendido com Euclides da Cunha que éramos pardos. Gilberto Freyre lhe ensinou que éramos morenos. Ariano repetiu para Josafá inúmeras vezes o acontecido: “Disse aos jornalistas que perguntassem aos negros o que achavam”, recordou Josafá, com os olhos emocionados, enquanto esperava anteontem na UTI notícias sobre a saúde do amigo. Ariano teria resolvido seguir a frase do padre Vieira: “Quem quiser acertar em história, em política ou sociologia deve consultar as entranhas dos sacrificados”. E foi assim que bateu à porta do Movimento Negro.
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Amigo de décadas
A questão do negro e do racismo fez parte da vida e da obra de Ariano. Na década de 1980, conta-se que o escritor foi a um encontro do movimento na Zona da Mata e lá afirmou: “Eu vim me naturalizar negro”. Em 2007, foi receber um título de cidadão baiano e falou sobre o “racismo” de alguns escritores. A releitura sobre o racismo influenciou a sua obra. Ressalta-se o caso da onça descrita por Ariano: ela deixou de ser castanha, sinônimo de mestiça. Passou a ser chamada de malhada. Proseando, explicou que a troca foi uma espécie de mea-culpa sobre a forma porque acreditava que representava as cores misturadas e os vários tons de pele do brasileiro. Em entrevistas e em conversas informais, falava sobre a situação de exclusão de índios e negros e de como a colonização portuguesa após o descobrimento do Brasil influenciou a cultura e a política até hoje.
Quando assumiu cargo executivo no Governo Arraes (1994-1998), para o qual foi nomeado secretário de Cultura, tratou de dar seu jeito de mostrar igualidade entre raças: nomeou um índio, uma mulher e um negro como seus assessores diretos. O negro era Josafá, hoje com 58 anos. Com Ariano, Josafá teve uma relação de amizade de mais de 30 anos. Trabalhou com ele por onze anos, como assessor, secretário pessoal e chefe de gabinete. Em todas as 170 aulas-espetáculo, ministradas em 100 municípios visitados por Ariano, os dois estavam juntos. Do café da manhã ao jantar. E eram nesses momentos que falavam da infância vivida em Taperoá (PB) - uma coincidência do destino.
Das funções exercidas por Josafá ao lado do escritor, de uma parece falar com mais prazer. Era Josafá quem conduzia Ariano Suassuna ao palco. E era ele quem ajudava o amigo a sair de cena.