

A vida e a obra de Ariano Suassuna no especial Auto de Ariano
Dias depois, Ariano voltou a frequentar as reuniões. E Josafá estava lá. Ariano queria entender mais desse Brasil. Ele, que criou um Cristo negro no Auto da Compadecida, em 1955, chegou à conclusão que “olhava a história americana” e que a “figura de Manuel”, imagem popular de Cristo na peça, foi resultado de indignação após ter visto na revista Life fotografia de campanha norte-americana em que se discutia a imposição de crianças negras em escolas brancas. A peça e a imagem do negro tinham ganhado vida. A consciência mais crítica com relação às questões raciais no Brasil foi burilada um pouco antes de Ariano ir aos encontros do Movimento Negro, conta-se.
Vinte e cinco anos após inventar “Manuel”, Ariano foi indagado por jornalistas sobre o que ele achava a respeito da inclusão do fator raça no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tinha aprendido com Euclides da Cunha que éramos pardos. Gilberto Freyre lhe ensinou que éramos morenos. Ariano repetiu para Josafá inúmeras vezes o acontecido: “Disse aos jornalistas que perguntassem aos negros o que achavam”, recordou Josafá, com os olhos emocionados, enquanto esperava anteontem na UTI notícias sobre a saúde do amigo. Ariano teria resolvido seguir a frase do padre Vieira: “Quem quiser acertar em história, em política ou sociologia deve consultar as entranhas dos sacrificados”. E foi assim que bateu à porta do Movimento Negro.
saiba mais
-
Ariano Suassuna deixa legado de dramaturgo, romancista e poeta
-
Ariano Suassuna: relembre entrevista em que autor fala de vida, morte e Deus
-
Matheus Nachtergaele escreve carta para Ariano Suassuna; leia
-
Academia Brasileira de Letras declara luto oficial pela morte de Ariano Suassuna
-
Ariano Suassuna comenta as adaptações de suas obras na TV; relembre
Amigo de décadas
A questão do negro e do racismo fez parte da vida e da obra de Ariano. Na década de 1980, conta-se que o escritor foi a um encontro do movimento na Zona da Mata e lá afirmou: “Eu vim me naturalizar negro”. Em 2007, foi receber um título de cidadão baiano e falou sobre o “racismo” de alguns escritores. A releitura sobre o racismo influenciou a sua obra. Ressalta-se o caso da onça descrita por Ariano: ela deixou de ser castanha, sinônimo de mestiça. Passou a ser chamada de malhada. Proseando, explicou que a troca foi uma espécie de mea-culpa sobre a forma porque acreditava que representava as cores misturadas e os vários tons de pele do brasileiro. Em entrevistas e em conversas informais, falava sobre a situação de exclusão de índios e negros e de como a colonização portuguesa após o descobrimento do Brasil influenciou a cultura e a política até hoje.
Quando assumiu cargo executivo no Governo Arraes (1994-1998), para o qual foi nomeado secretário de Cultura, tratou de dar seu jeito de mostrar igualidade entre raças: nomeou um índio, uma mulher e um negro como seus assessores diretos. O negro era Josafá, hoje com 58 anos. Com Ariano, Josafá teve uma relação de amizade de mais de 30 anos. Trabalhou com ele por onze anos, como assessor, secretário pessoal e chefe de gabinete. Em todas as 170 aulas-espetáculo, ministradas em 100 municípios visitados por Ariano, os dois estavam juntos. Do café da manhã ao jantar. E eram nesses momentos que falavam da infância vivida em Taperoá (PB) - uma coincidência do destino.
Das funções exercidas por Josafá ao lado do escritor, de uma parece falar com mais prazer. Era Josafá quem conduzia Ariano Suassuna ao palco. E era ele quem ajudava o amigo a sair de cena.