O escritor João Ubaldo Ribeiro, autor do épico Viva o povo brasileiro, morreu na madrugada de ontem, de embolia pulmonar, aos 73 anos. Ele estava em sua casa, no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, quando se sentiu mal por volta das 3h. Baiano de Itaparica, era um dos mais celebrados escritores brasileiros, imortal da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1993, onde ocupava a cadeira de número 34. O corpo foi velado, como manda a tradição, na sede da ABL. O enterro deverá ser realizado hoje, às 10h, no mausoléu da academia, no Cemitério de São João Batista, em Botafogo. A família espera a chegada da filha do escritor, Manuela, que mora na Alemanha.
Nascido em 23 de janeiro de 1941, com apenas dois meses João Ubaldo foi com a família para Sergipe, onde viveu até os 11 anos. Em Aracaju, onde os Ribeiro passaram a morar, seu pai, Manoel, trabalhou como professor e advogado. Muitos anos depois, após ter morado por um período no Rio de Janeiro e em Lisboa, ele voltaria a viver em Itaparica, onde permaneceu por sete anos. Adorava a ilha, que lhe serviu de inspiração para muitos textos e onde era querido por todos os moradores.
Nas andanças da família, já de volta à Bahia, foi matriculado no Colégio Sofia Costa Pinto e depois transferido para o Colégio da Bahia, também conhecido como Colégio Central. Foi ali que conheceu e se tornou amigo do cineasta Glauber Rocha, com quem chegou a editar revistas culturais na juventude, além de participar do movimento estudantil. Foram muito ligados até a morte de Glauber, em 1981.
Formado em direito pela Universidade Federal da Bahia, João Ubaldo Ribeiro não chegou a exercer a profissão. A literatura o conquistou desde cedo. Seu primeiro livro, Setembro não tem sentido, foi escrito quando tinha 21 anos e já dava mostras, pela densidade do texto, do que viria em seguida. O primeiro nome que escolheu para o romance de estreia foi A semana da pátria, mas um editor o convenceu a mudá-lo. O mesmo ocorreria com outro livro, Vencecavalo e o outro povo, de 1974, que pela vontade do autor se chamaria A guerra dos paranaguás.
Entre as atividades que exerceu antes de dedicar-se exclusivamente à literatura, foi professor da Escola de Administração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e jornalista. Foi repórter, redator, chefe de reportagem e colunista do Jornal da Bahia, e editor-chefe da Tribuna da Bahia. Velhos colegas de profissão até hoje falam da sua brilhante passagem pela imprensa baiana. Ultimamente, publicava crônica semanal em jornais do Rio e de São Paulo, além de colaborar com o Jornal de Letras, de Portugal, o Times Literary Suppplement, da Inglaterra, e o Frankfurter Rundschau, da Alemanha.
Ainda no início da carreira de ficcionista, João Ubaldo foi um dos jovens autores brasileiros a participar do International writing, programa da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Em 1964, o escritor fez mestrado em ciência política na Universidade da Carolina do Sul, curso que está na base do único ensaio que publicou, Política: quem manda, por que manda, como manda, de 1981. O romancista também morou em Berlim entre 1990 e 1991, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio. Sobre a sua experiência na Alemanha, deixou um delicioso livro de crônicas, Um brasileiro em Berlim.
A consagração veio em 1971 com a publicação do romance Sargento Getúlio, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti como autor estreante. Traduzido para várias línguas, a novela, de acordo com a crítica, “sintetizava o melhor de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa”. O livro foi levado ao cinema por Hermano Pena, em 1983, com Lima Duarte no papel principal. Atualmente, Sargento Getúlio circula o Brasil em adaptação para o palco do Grupo de Teatro NU, da Bahia.
As obras de Ubaldo sempre foram vistas com interesse por diretores de teatro, cinema e televisão. O romance O sorriso do lagarto, de 1989, foi adaptado para minissérie da TV Globo, no início da década de 1990, com Tony Ramos, Maitê Proença e José Lewgoy no elenco. O apimentado romance A casa dos budas ditosos ganhou uma elogiada adaptação para o teatro em 2003, em monólogo de Fernanda Torres, com direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano.
Épico popular
Seu livro de maior repercussão entre os leitores e a crítica foi o romance Viva o povo brasileiro, que Ubaldo começou a escrever em 1982, com o título provisório de Alto lá, meu general. Lançado em 1984, daria ao autor outro Jabuti, além de traduções em vários idiomas. Romance caudaloso, conduzido com ritmo épico e humor, Viva o povo brasileiro cruza dados históricos com elementos da cultura popular, propondo outro olhar sobre a formação do brasileiro. João Ubaldo construiria com seu livro uma obra de forte peso político – pela visão popular e a contrapelo da história oficial –, realizada com sofisticado tratamento da linguagem.
Nesta época, na companhia do colombiano Gabriel García Márquez e do argentino Jorge Luis Borges, João Ubaldo foi um dos convidados para participar de uma série de filmes sobre a América Latina, produzidos por uma rede de televisão do Canadá. Três anos depois do lançamento de Viva o povo brasileiro, o livro foi escolhido como tema do samba-enredo da Escola de Samba Império da Tijuca.
No encerramento de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1994, ele disse com emoção: “Tendo sido criado em Sergipe até os 11 anos, não posso deixar de ser meio sergipano; tendo nascido em Itaparica, sou baiano. Agradeço, abraço e peço a bênção ao povo da Bahia e de Sergipe. Imagino que agora, lá na ilha, algum itaparicano levanta um copo em minha lembrança, e lá, em Aracaju, tão doce e amável na minha infância, algum amigo antigo fala em mim com orgulho conterrâneo”.
Em 2008, o escritor foi escolhido para receber o Prêmio Camões, o mais importante para autores de língua portuguesa. João Ubaldo Ribeiro foi casado com Maria Beatriz Moreira Caldas, com quem teve dois filhos, Emílio e Manuela. Em 1980, se casou com Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, com quem teve dois filhos, o ator Bento Ribeiro e Francisca.
O ADEUS A JOÃO UBALDO
“Minha geração se vai. Companheiro de tantas viagens, conversas, risos. Um personagem. Foi se encontrar com Glauber,
a quem venerava, com Jorge Amado, que idolatrava, com Zélia, com Scliar. Assim como ele disse, décadas atrás, em um hotel de Colônia, aos gritos: ‘Que falta você faz, Glauber’, digo agora, ‘Que falta você faz João Ubaldo’.”
. Ignácio de Loyola Brandão, escritor e jornalista
“Foi uma surpresa, um choque para a academia. Ele estava muito bem disposto, em um momento de plena produção literária. É uma grande perda para as letras. Ele renovou a literatura brasileira. Com a publicação de Viva o povo brasileiro ele inaugurou uma nova etapa do nosso romance.”
. Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da Academia Brasileira de Letras
“João Ubaldo foi um escritor revolucionário. Trouxe nova dicção para a literatura focada nos personagens populares do Brasil. Fez da ilha de Itaparica um resumo do Brasil. Após ciclo de grandes romances, João Ubaldo se destaca por crônicas primorosas, extremamente criativas. Textos que são deliciosos pelo modo como tratam, de forma desabusada e satírica, os problemas brasileiros.”
. Miguel Sanches Neto, romancista e crítico
Nascido em 23 de janeiro de 1941, com apenas dois meses João Ubaldo foi com a família para Sergipe, onde viveu até os 11 anos. Em Aracaju, onde os Ribeiro passaram a morar, seu pai, Manoel, trabalhou como professor e advogado. Muitos anos depois, após ter morado por um período no Rio de Janeiro e em Lisboa, ele voltaria a viver em Itaparica, onde permaneceu por sete anos. Adorava a ilha, que lhe serviu de inspiração para muitos textos e onde era querido por todos os moradores.
Nas andanças da família, já de volta à Bahia, foi matriculado no Colégio Sofia Costa Pinto e depois transferido para o Colégio da Bahia, também conhecido como Colégio Central. Foi ali que conheceu e se tornou amigo do cineasta Glauber Rocha, com quem chegou a editar revistas culturais na juventude, além de participar do movimento estudantil. Foram muito ligados até a morte de Glauber, em 1981.
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Entre as atividades que exerceu antes de dedicar-se exclusivamente à literatura, foi professor da Escola de Administração e da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia e jornalista. Foi repórter, redator, chefe de reportagem e colunista do Jornal da Bahia, e editor-chefe da Tribuna da Bahia. Velhos colegas de profissão até hoje falam da sua brilhante passagem pela imprensa baiana. Ultimamente, publicava crônica semanal em jornais do Rio e de São Paulo, além de colaborar com o Jornal de Letras, de Portugal, o Times Literary Suppplement, da Inglaterra, e o Frankfurter Rundschau, da Alemanha.
Ainda no início da carreira de ficcionista, João Ubaldo foi um dos jovens autores brasileiros a participar do International writing, programa da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos. Em 1964, o escritor fez mestrado em ciência política na Universidade da Carolina do Sul, curso que está na base do único ensaio que publicou, Política: quem manda, por que manda, como manda, de 1981. O romancista também morou em Berlim entre 1990 e 1991, a convite do Instituto Alemão de Intercâmbio. Sobre a sua experiência na Alemanha, deixou um delicioso livro de crônicas, Um brasileiro em Berlim.
A consagração veio em 1971 com a publicação do romance Sargento Getúlio, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti como autor estreante. Traduzido para várias línguas, a novela, de acordo com a crítica, “sintetizava o melhor de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa”. O livro foi levado ao cinema por Hermano Pena, em 1983, com Lima Duarte no papel principal. Atualmente, Sargento Getúlio circula o Brasil em adaptação para o palco do Grupo de Teatro NU, da Bahia.
As obras de Ubaldo sempre foram vistas com interesse por diretores de teatro, cinema e televisão. O romance O sorriso do lagarto, de 1989, foi adaptado para minissérie da TV Globo, no início da década de 1990, com Tony Ramos, Maitê Proença e José Lewgoy no elenco. O apimentado romance A casa dos budas ditosos ganhou uma elogiada adaptação para o teatro em 2003, em monólogo de Fernanda Torres, com direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano.
Épico popular
Seu livro de maior repercussão entre os leitores e a crítica foi o romance Viva o povo brasileiro, que Ubaldo começou a escrever em 1982, com o título provisório de Alto lá, meu general. Lançado em 1984, daria ao autor outro Jabuti, além de traduções em vários idiomas. Romance caudaloso, conduzido com ritmo épico e humor, Viva o povo brasileiro cruza dados históricos com elementos da cultura popular, propondo outro olhar sobre a formação do brasileiro. João Ubaldo construiria com seu livro uma obra de forte peso político – pela visão popular e a contrapelo da história oficial –, realizada com sofisticado tratamento da linguagem.
Nesta época, na companhia do colombiano Gabriel García Márquez e do argentino Jorge Luis Borges, João Ubaldo foi um dos convidados para participar de uma série de filmes sobre a América Latina, produzidos por uma rede de televisão do Canadá. Três anos depois do lançamento de Viva o povo brasileiro, o livro foi escolhido como tema do samba-enredo da Escola de Samba Império da Tijuca.
No encerramento de seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1994, ele disse com emoção: “Tendo sido criado em Sergipe até os 11 anos, não posso deixar de ser meio sergipano; tendo nascido em Itaparica, sou baiano. Agradeço, abraço e peço a bênção ao povo da Bahia e de Sergipe. Imagino que agora, lá na ilha, algum itaparicano levanta um copo em minha lembrança, e lá, em Aracaju, tão doce e amável na minha infância, algum amigo antigo fala em mim com orgulho conterrâneo”.
Em 2008, o escritor foi escolhido para receber o Prêmio Camões, o mais importante para autores de língua portuguesa. João Ubaldo Ribeiro foi casado com Maria Beatriz Moreira Caldas, com quem teve dois filhos, Emílio e Manuela. Em 1980, se casou com Berenice de Carvalho Batella Ribeiro, com quem teve dois filhos, o ator Bento Ribeiro e Francisca.
O ADEUS A JOÃO UBALDO
“Minha geração se vai. Companheiro de tantas viagens, conversas, risos. Um personagem. Foi se encontrar com Glauber,
a quem venerava, com Jorge Amado, que idolatrava, com Zélia, com Scliar. Assim como ele disse, décadas atrás, em um hotel de Colônia, aos gritos: ‘Que falta você faz, Glauber’, digo agora, ‘Que falta você faz João Ubaldo’.”
. Ignácio de Loyola Brandão, escritor e jornalista
“Foi uma surpresa, um choque para a academia. Ele estava muito bem disposto, em um momento de plena produção literária. É uma grande perda para as letras. Ele renovou a literatura brasileira. Com a publicação de Viva o povo brasileiro ele inaugurou uma nova etapa do nosso romance.”
. Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da Academia Brasileira de Letras
“João Ubaldo foi um escritor revolucionário. Trouxe nova dicção para a literatura focada nos personagens populares do Brasil. Fez da ilha de Itaparica um resumo do Brasil. Após ciclo de grandes romances, João Ubaldo se destaca por crônicas primorosas, extremamente criativas. Textos que são deliciosos pelo modo como tratam, de forma desabusada e satírica, os problemas brasileiros.”
. Miguel Sanches Neto, romancista e crítico