“Foi meu companheiro de muitas noites”, brinca a diretora do Grupo Ponto de Partida, Regina Bertola. Isso porque os livros do escritor não só frequentaram a cabeceira da cama dela, como um deles serviu de inspiração para um dos espetáculos mais marcantes na carreira da companhia de Barbacena: Viva o povo brasileiro. “Ele foi incrível com a gente. Nosso contato foi só em conversas. Usamos do livro dele o nome e as ideias da Alminha do poleiro das almas e o herói baiano”, lembra Regina.
João Ubaldo não chegou a ver a montagem, que estreou em 1996. O musical era uma proposta muito particular do Ponto de Partida, no sentido de ressaltar a identidade nacional a partir de uma ópera popular. “Ele era muito boa-praça e ficou superorgulhoso porque o texto da personagem Alminha foi escrito por Bartolomeu Campos de Queirós. Ele achou uma proposta diferente e ficou empolgado”, diz Bertola.
Embora não tenha escrito especificamente para teatro, a obra de João Ubaldo é frequentemente levada aos palcos. Uma das adaptações mais marcantes foi o monólogo A casa dos budas ditosos, com Fernanda Torres e direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo, que estreou em 2003, deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano. Assim como no romance, a personagem narra no palco as experiências sexuais de uma mulher de 68 anos. Na versão teatral, Fernanda Torres sustenta 90 minutos de espetáculo sem se levantar da cadeira. Fica o tempo todo sentada, atrás de uma mesa com um gravador e em nenhum minuto perde a atenção do espectador. Humor e picardia em altas doses.
Atualmente, o Grupo Teatro NU, da Bahia, percorre o Brasil com a montagem de Sargento Getúlio. Em agosto, passará por Belo Horizonte na programação do festival Palco Giratório, do Sesc. Na adaptação de Gil Vicente Tavares, o romance deu origem a um monólogo com o ator Carlos Betão. A peça marcou tanto os cinco anos da companhia como também os 70 de Ubaldo, que esteve presente na plateia. “Homenageá-lo em vida, com nossa montagem de Sargento Getúlio, ao menos deu-nos o consolo, ao Teatro NU, de não repetir o erro recorrente deste país, que, muitas vezes, deixa morrer à míngua grandes homens para depois exaltá-los”, escreveu o dramaturgo no texto publicado no site da companhia.
Para o diretor Gil Vicente Tavares, seja no teatro, no cinema ou na televisão, a adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro sempre demandará esforço. “Por ter um forte teor poético, acho que muitas das grandes obras sejam inadaptáveis, porque valorizam o que a literatura tem como ferramenta”, destaca. Para o dramaturgo baiano, o escritor é um dos grandes romancistas do século 20. “Conseguiu traduzir muito bem essa Bahia, esse Nordeste, o sertão e esse povo do interior. Tem uma força muito grande e um teor poético marcante.”
Com a bênção de Glauber
Curiosamente, a estreia de João Ubaldo na sétima arte foi como ator, em A idade da terra (1980), filme de Glauber Rocha. Como eram grandes amigos, ele fez uma ponta no longa. “Fui apresentado ao João pelo Glauber Rocha. Fiz uma viagem a Salvador para entrevistar o Jorge Amado e o Glauber me disse: ‘Você vai conhecer o maior escritor brasileiro’. Eles eram muito amigos e se pareciam um pouco. Tinham aquele gestual exuberante na maneira de falar e também na maneira de ver o mundo”, comenta o jornalista e escritor Zuenir Ventura.
Depois disso, o nome de João Ubaldo Ribeiro surge em fichas técnicas como o roteirista na adaptação de Sargento Getúlio (1983). O longa dirigido pelo cearense Hermanno Penna e protagonizado por Lima Duarte foi o vencedor do Festival de Gramado, em 1983, com os Kikitos de melhor filme, ator, coadjuvante e som, curiosamente criado por Zé Celso Martinez Corrêa e seu Teatro Oficina.
João Ubaldo voltaria ao cinema em 1996, na adaptação de um clássico de seu conterrâneo Jorge Amado. Foi ele quem assinou o roteiro de Tieta do agreste, longa de Cacá Diegues com Sônia Braga, Marília Pêra e Chico Anysio no elenco. A parceria com o diretor se repetiu em 2003, com o roteiro de Deus é brasileiro, inspirado em O santo que não acreditava em Deus.
O mesmo conto também serviu de base para um seriado na TV, em 1993. Para a telinha, o trabalho mais marcante ligado ao nome de Ubaldo foi a minissérie O sorriso do lagarto (1991), com dramaturgia de Walter Negrão. Exibida entre junho e agosto de 1991, tinha Maitê Proença, Tony Ramos e Raul Cortez no elenco.
Zuenir Ventura completa dizendo que João Ubaldo deixa um legado como cronista e romancista, sobretudo por sua visão de mundo e independência. “Não era ligado a nenhum partido, não tinha vinculação ideológica. E como escritor deixa essa literatura maravilhosa.”
O ADEUS A JOÃO UBALDO
“A literatura brasileira perde um grande nome com a morte de João Ubaldo Ribeiro. Neste momento de dor, presto minha solidariedade aos familiares, amigos e leitores.”
. Dilma Rousseff, presidente da República, em comunicado oficial
“João Ubaldo é dono de texto poderoso e deixa contribuições muito importantes no conto, na crônica e no romance. É um dos autores mais fortes de minha geração, gente que já está indo embora, como Moacyr Scliar ou os mineiros Oswaldo França Júnior, Roberto Drummond e Wander Piroli. Cada um de nós, à sua maneira, fez mergulho no Brasil. Nosso tema é o Brasil e não é por acaso que temos vários livros com títulos com a palavra ou fazendo alusão à vida brasileira.”
. Antônio Torres, escritor
“Ubaldo era um erudito. Ele pegava esses sambinhas e fazia tudo em latim. Ele sabia latim, inglês, francês, alemão. Viveu muito tempo ma Alemanha. Enfim, ele era muito divertido. Acho que o primeiro a rir dessa embolia é ele. Era um erudito, muito acima dessas coisas todas. Deve estar rindo da embolia e de todas as embolias de que somos vítimas.”
. Lima Duarte, ator
“A obra deixada por João Ubaldo Ribeiro nos auxilia, neste momento, a superar a dor pela sua perda. Imortal das academias de letras do Brasil e da Bahia, irônico e bem-humorado, soube como poucos desvendar as entranhas da epopeia brasileira. Sua crítica social muitas vezes incomodava, porém também apontava caminhos.”
. aques Wagner, governador da Bahia, em comunicado oficial
“O João Ubaldo tinha uma bela voz de barítono e gostava de cantar. A gente brincava que ele era o verdadeiro Dorival Caymmi. Mas não era só a voz: na linha do Caimmy e do Jorge Amado, de quem ele foi herdeiro literário, o João Ubaldo tinha aquela coisa boa que só pode ser chamada de baianice, mistura de bom humor, sensualidade e talento para viver.”
. Luis Fernando Verissimo, escritor
“João Ubaldo Ribeiro era um operário da palavra, muito criativo e bastante sacana. Nunca tivemos proximidade, mas sou seu leitor assíduo. A maneira como ele conta as coisas é uma delícia, é daqueles escritores que repartem sensações. Alguns livros dele são essenciais. Todas as palavras são pobres para dizer o que significa essa perda.”
. Hermínio Bello de Carvalho, pesquisador e compositor
João Ubaldo não chegou a ver a montagem, que estreou em 1996. O musical era uma proposta muito particular do Ponto de Partida, no sentido de ressaltar a identidade nacional a partir de uma ópera popular. “Ele era muito boa-praça e ficou superorgulhoso porque o texto da personagem Alminha foi escrito por Bartolomeu Campos de Queirós. Ele achou uma proposta diferente e ficou empolgado”, diz Bertola.
Embora não tenha escrito especificamente para teatro, a obra de João Ubaldo é frequentemente levada aos palcos. Uma das adaptações mais marcantes foi o monólogo A casa dos budas ditosos, com Fernanda Torres e direção de Domingos de Oliveira. O espetáculo, que estreou em 2003, deu à artista o Prêmio Shell de melhor atriz naquele ano. Assim como no romance, a personagem narra no palco as experiências sexuais de uma mulher de 68 anos. Na versão teatral, Fernanda Torres sustenta 90 minutos de espetáculo sem se levantar da cadeira. Fica o tempo todo sentada, atrás de uma mesa com um gravador e em nenhum minuto perde a atenção do espectador. Humor e picardia em altas doses.
Atualmente, o Grupo Teatro NU, da Bahia, percorre o Brasil com a montagem de Sargento Getúlio. Em agosto, passará por Belo Horizonte na programação do festival Palco Giratório, do Sesc. Na adaptação de Gil Vicente Tavares, o romance deu origem a um monólogo com o ator Carlos Betão. A peça marcou tanto os cinco anos da companhia como também os 70 de Ubaldo, que esteve presente na plateia. “Homenageá-lo em vida, com nossa montagem de Sargento Getúlio, ao menos deu-nos o consolo, ao Teatro NU, de não repetir o erro recorrente deste país, que, muitas vezes, deixa morrer à míngua grandes homens para depois exaltá-los”, escreveu o dramaturgo no texto publicado no site da companhia.
Para o diretor Gil Vicente Tavares, seja no teatro, no cinema ou na televisão, a adaptação da obra de João Ubaldo Ribeiro sempre demandará esforço. “Por ter um forte teor poético, acho que muitas das grandes obras sejam inadaptáveis, porque valorizam o que a literatura tem como ferramenta”, destaca. Para o dramaturgo baiano, o escritor é um dos grandes romancistas do século 20. “Conseguiu traduzir muito bem essa Bahia, esse Nordeste, o sertão e esse povo do interior. Tem uma força muito grande e um teor poético marcante.”
Com a bênção de Glauber
Curiosamente, a estreia de João Ubaldo na sétima arte foi como ator, em A idade da terra (1980), filme de Glauber Rocha. Como eram grandes amigos, ele fez uma ponta no longa. “Fui apresentado ao João pelo Glauber Rocha. Fiz uma viagem a Salvador para entrevistar o Jorge Amado e o Glauber me disse: ‘Você vai conhecer o maior escritor brasileiro’. Eles eram muito amigos e se pareciam um pouco. Tinham aquele gestual exuberante na maneira de falar e também na maneira de ver o mundo”, comenta o jornalista e escritor Zuenir Ventura.
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João Ubaldo voltaria ao cinema em 1996, na adaptação de um clássico de seu conterrâneo Jorge Amado. Foi ele quem assinou o roteiro de Tieta do agreste, longa de Cacá Diegues com Sônia Braga, Marília Pêra e Chico Anysio no elenco. A parceria com o diretor se repetiu em 2003, com o roteiro de Deus é brasileiro, inspirado em O santo que não acreditava em Deus.
O mesmo conto também serviu de base para um seriado na TV, em 1993. Para a telinha, o trabalho mais marcante ligado ao nome de Ubaldo foi a minissérie O sorriso do lagarto (1991), com dramaturgia de Walter Negrão. Exibida entre junho e agosto de 1991, tinha Maitê Proença, Tony Ramos e Raul Cortez no elenco.
Zuenir Ventura completa dizendo que João Ubaldo deixa um legado como cronista e romancista, sobretudo por sua visão de mundo e independência. “Não era ligado a nenhum partido, não tinha vinculação ideológica. E como escritor deixa essa literatura maravilhosa.”
O ADEUS A JOÃO UBALDO
“A literatura brasileira perde um grande nome com a morte de João Ubaldo Ribeiro. Neste momento de dor, presto minha solidariedade aos familiares, amigos e leitores.”
. Dilma Rousseff, presidente da República, em comunicado oficial
“João Ubaldo é dono de texto poderoso e deixa contribuições muito importantes no conto, na crônica e no romance. É um dos autores mais fortes de minha geração, gente que já está indo embora, como Moacyr Scliar ou os mineiros Oswaldo França Júnior, Roberto Drummond e Wander Piroli. Cada um de nós, à sua maneira, fez mergulho no Brasil. Nosso tema é o Brasil e não é por acaso que temos vários livros com títulos com a palavra ou fazendo alusão à vida brasileira.”
. Antônio Torres, escritor
“Ubaldo era um erudito. Ele pegava esses sambinhas e fazia tudo em latim. Ele sabia latim, inglês, francês, alemão. Viveu muito tempo ma Alemanha. Enfim, ele era muito divertido. Acho que o primeiro a rir dessa embolia é ele. Era um erudito, muito acima dessas coisas todas. Deve estar rindo da embolia e de todas as embolias de que somos vítimas.”
. Lima Duarte, ator
“A obra deixada por João Ubaldo Ribeiro nos auxilia, neste momento, a superar a dor pela sua perda. Imortal das academias de letras do Brasil e da Bahia, irônico e bem-humorado, soube como poucos desvendar as entranhas da epopeia brasileira. Sua crítica social muitas vezes incomodava, porém também apontava caminhos.”
. aques Wagner, governador da Bahia, em comunicado oficial
“O João Ubaldo tinha uma bela voz de barítono e gostava de cantar. A gente brincava que ele era o verdadeiro Dorival Caymmi. Mas não era só a voz: na linha do Caimmy e do Jorge Amado, de quem ele foi herdeiro literário, o João Ubaldo tinha aquela coisa boa que só pode ser chamada de baianice, mistura de bom humor, sensualidade e talento para viver.”
. Luis Fernando Verissimo, escritor
“João Ubaldo Ribeiro era um operário da palavra, muito criativo e bastante sacana. Nunca tivemos proximidade, mas sou seu leitor assíduo. A maneira como ele conta as coisas é uma delícia, é daqueles escritores que repartem sensações. Alguns livros dele são essenciais. Todas as palavras são pobres para dizer o que significa essa perda.”
. Hermínio Bello de Carvalho, pesquisador e compositor