A exposição em Belo Horizonte exibe aspecto orgânico, mas, pondera o artista, torna evidente característica da produção recente: “Há peças em que se percebe uma geometria, que tem um pé no orgânico ou no natural”. A reunião permite ver uma origem comum das obras. “Que não vem só da vontade e da dedicação a uma certa direção, mas algo que se evidencia a despeito de mim”, observa Venosa. A única intervenção do escultor nas galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes foi cobrir o chão com MDF, apagando ruídos visuais e procurando “um tom espacial mais contínuo”.
Ângelo Venosa já trabalhou valendo-se de distintas técnicas – do artesanal ao digital – e com vários materiais – vidro, madeira, cera, dentes, aço e plástico. “Nunca estudei nada, faço as coisas do meu jeito, procurando modos de dar forma ao que imagino. Suspeito que meus trabalhos são movidos por curiosidade pelo mundo. E, às vezes, a curiosidade quer ser só curiosidade, sem compromisso de chegar a uma resposta completa. Um quase gol, algumas vezes, é melhor do que um gol”, afirma o artista. “Um aspecto que me chateia na arte feita hoje é que ela tem respostas demais”, critica.
Realizar uma retrospectiva é projeto demorado, caro, complexo (implica transporte, seguro etc.). “Mas é emocionante”, garante, contando que reunir um conjunto de peças sempre foi um projeto dele. Inclusive porque ele mesmo não teve oportunidade de ver as peças em diálogo. “Por mais que se tenha um discurso considerando que há rio submerso conduzindo as coisas, colocar juntos trabalhos de épocas distintas dá certo medo. Fica a pergunta: como vão ficar estas coisas num mesmo espaço?”, questiona. Enfrentando o desafio, optou por mostra não didática, com 30 obras.
TRAJETÓRIA Ângelo Venosa tem 60 anos. Frequentou a Escola Brasil, em 1973, e depois graduou-se em desenho industrial na Escola Superior de Desenho Industrial (RJ). Nos anos 1980, frequentou cursos na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e fez mestrado, que levou o título de Da opacidade (2007), na Escola de Belas-Artes da UFRJ. Apesar da formação acadêmica, o artista vê no que faz ecos de vivências pessoais. Seja o fato de quando menino gostar de desmontar coisas (“seja lagartixa ou bicicleta”), ou observação das muitas atividades do pai, marceneiro hábil, que fazia consertos, decoração de festas e cenários.
“Garoto, confrontado com a ideia de ser artista, pensar em fazer escultura me deixava em pânico. Fiz, então, pintura, que era o natural para alguém que queria ser artista. E me dei conta de que aquilo não era para mim”, recorda. “Aproximei-me da escultura, recuperando modos de fazer que usava na adolescência, sem pensar que estava fazendo arte. Tinha um afeto físico em pegar a madeira, serrá-la, cortá-la. Estava fazendo as minhas coisas. Se chamavam o feito de escultura, pedra ou Pedro não importava”, observa.
“Filho de migrante, como eu, é sempre peixe fora d’água, tem sempre no ouvido vento que vem de outro lugar. E isso o contamina. O meu olhar sobre o mundo vem do meu pai trabalhando e contando as reminiscências dele”, observa o artista. “Sinto que, espiritualmente, devo mais a isso do que ao que aprendi na Escola Superior de Desenho Industrial”, afirma. Susto foi descobrir artista (Pino Pascali) com trabalho muito semelhante ao dele. “Mas eu não o conhecia”, avisa. Impacto grande teve ao ver obras de Bernini (1598-1680) em Roma. “Eram esculturas cuja qualidade não dependiam de contexto histórico”, encanta-se.
“Hoje é diferente. Ainda gosto de pensar que o ideal é fazer cada peça como se estivesse partindo do zero. Porém, sei que, quando estou fazendo arte, não estou partindo do zero. Existe por trás do que faço uma história que, mesmo não pensando nela, está ali”, pondera. “É preciso ter dúvida até física das coisas”, afirma. “Meu trabalho fica duvidosamente em pé. O mais importante não é aonde se vai chegar, mas encontrar o fluxo. É isso o que o artista faz”, define.
Ângelo Venosa
Escultura. Abertura sexta-feira, nas galerias Genesco Murta e Arlinda Corrêa Lima do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400.
De terça a sábado, das 9h30 às 21h. Domingo, das 16h às 21h. Até 24de agosto.