Como sempre, há um jogo de empurra, aquele típico “não é comigo”. Mas o fato é que o Teatro Klauss Vianna, importante palco de Belo Horizonte, situado no andar térreo da antiga sede da Oi – agora Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) –, na Afonso Pena, 4.001, está com seus dias contados. Há dois anos, por um acordo entre o Governo de Minas e o tribunal, o imóvel foi desapropriado e declarado de utilidade pública. Com isso, a operadora de telefonia teve que procurar outro local. O braço cultural, com o teatro e galerias de arte, será transferido para o Palacete Dantas e passará a integrar o Circuito Cultural Praça da Liberdade.
Mas fica a pergunta: o que será feito da sala de espetáculos, reformada e equipada, considerada uma das melhores da cidade pelos grupos de dança? Há silêncio em relação a isso. De acordo com a Secretaria de Estado da Cultura, cabe ao tribunal definir o destino e usufruto do teatro, já que é o responsável pelo prédio. No TJMG, as informações são desencontradas. O que é certo é que, oficialmente, as atividades no espaço terminam em 31 de agosto.
Segundo a Assessoria de Comunicação do TJMG, ninguém dá entrevistas sobre o caso. No primeiro contato, informaram que o teatro seria utilizado para atividades internas. Uma semana depois, o discurso, ainda via assessoria, mudou: o tribunal não decidiu o que será feito do teatro. Em meio à indefinição, a Secretaria de Estado da Cultura se exime de encontrar um caminho e informa em nota que “reconhece a importância do espaço e acredita numa negociação da classe artística junto ao TJMG”.
Entre os artistas, o clima é de indignação. “É um absurdo. O Brasil está entregue aos políticos e empresários. Constrói estádio de futebol, mas espaço para arte de qualidade não tem”, revolta-se o músico Daniel D’Olivier. Em 1983, ele foi um dos que levantaram cartazes para evitar a demolição do Cine Metrópole. “Sou completamente revoltado até hoje. É a política do deixa estragar, não restaura, fica podre. Existem muitos casos em que as famílias proprietárias fazem isso como estratégia de especulação imobiliária.” A história dos dois espaços – o Cine Metrópole e o Klauss Vianna – tem um ponto em comum.
O antigo Teatro da Telemig, hoje Klauss Vianna, foi construído depois da derrota na luta pela manutenção do extinto Metrópole, cinema de rua que funcionava na Rua Bahia esquina com Goiás, no Centro de BH. Em 1983, artistas e intelectuais protestaram contra a venda do prédio para uma instituição financeira. Na ocasião, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) tentou tombar o espaço para garantir o funcionamento do cinema. Houve atraso na homologação do tombamento e, no fim, a venda foi feita e o cinema fechado. Os protestos foram em vão.
“Quando o assunto chegou a público, já não tinha mais nada lá dentro. O grande problema do processo de tombamento é que você não tomba função cultural. O prédio já estava descaracterizado sob o ponto de vista arquitetônico”, lembra o dramaturgo Jota D’Angelo. Na época, ele fez parte da comissão que decidiu sobre o tombamento do Metrópole. Como recorda, a construção de um novo teatro – no prédio da antiga Telemig – surgiu como um acordo de cavalheiros. “Não foi uma coisa muito oficial. Foi uma conversa que a gente nem sabe direito entre quem”, recorda. “Alguém tem que administrar o Klauss Vianna. Não tem cabimento fechar para a comunidade um espaço maravilhoso, recentemente reformado”, defende D’Angelo.
Histórias como a do Cine Metrópole e do Klauss Vianna se repetem em Belo Horizonte. Antigos espaços, como o Teatro da Praça, Teatro do Icbeu e Teatro Clara Nunes permanecem fechados na cidade. Este último, de propriedade da Imprensa Oficial, situado na Rua Rio de Janeiro, foi entregue ao Sesc-MG. De acordo com a instituição, o local passará por obras de revitalização e modernização. A previsão é de que o Teatro Sesc Clara Nunes seja reaberto em 2016, uma vez cumpridos os procedimentos licitatórios, prazos e demais exigências legais.
As últimas atrações
Por causa do fechamento do Teatro Klauss Vianna, todos os projetos aprovados por edital para ocupar o espaço em 2014 tiveram que alterar o cronograma. O que era para ser feito em um ano, terá seis meses para conclusão. O grupo 3º Corpo, por exemplo, estreia Miradas do caos #2 nesta sexta. Inicialmente, a previsão era para o fim do segundo semestre. “A gente acelerou bem o processo para entregar agora”, conta o produtor visual Julião Villas. Eles não tiveram opção de outras datas.
Miradas do caos #2 é um espetáculo com mistura de linguagens. Tem dança, vídeo e outras intervenções. Um tipo de produção, inclusive, que sempre teve as portas do Klauss Vianna abertas. “É um espaço muito bom. Além da linha de visão do público ampliada, tem estrutura e tamanho bons. É um palco que favorece projeções, porque tem uma profundidade boa”, explica.
Não é por acaso que o nome do teatro faz uma homenagem ao coreógrafo e bailarino Klauss Vianna. “É um teatro muito legal para a dança. Talvez o melhor que a gente tenha aqui, por causa da proporção entre palco e plateia”, explica a bailarina Patrícia Manata, integrante da Suspensa Cia. de Dança. A nova montagem do grupo – ainda sem nome – vai encerrar as atividades do espaço. Estará em cartaz até 31 de agosto. Em setembro, o teatro fecha as portas para o público e fica sob a responsabilidade do TJMG.
Como é um reduto para a dança, integrantes do Fórum Mineiro da categoria tentaram negociar com o Governo de Minas. Segundo Paula Manata, o retorno foi que a Oi vai construir outro teatro na Praça da Liberdade. “Essa cultura da destruição é infeliz. Tem um teatro pronto, que funciona, já é uma referência, aí você destrói. Nem sei o que ele vai virar, talvez um auditório. Isso não tem lógica”, protesta Manata.
Palavra de especialista
Flávio Carsalade
Professor da Faculdade de Arquitetura da UFMG e ex-presidente do Iepha
O prédio e o uso
O maior problema dos tombamentos, quando relacionados a usos culturais, é justamente não se poder tombar o uso. Pode-se tombar o prédio, pode-se tombar bens móveis, mas nunca o uso, mesmo porque não há como manter espaços que porventura venham a se tornar deficitários – embora este não seja o caso do Klauss Vianna. Temos que prever sempre, ao tombar um imóvel, que ele apresente um uso cultural com plano de sustentabilidade realista, o que no caso do Klaus Vianna estava acontecendo pela presença da Oi Futuro. Mas temos, sim, problemas para garantir espaços culturais na cidade. A cultura continua sendo o setor de menor orçamento dos entes da federação e muitas vezes se baseia em acordos de cavalheiros. A questão é muito complexa e passa por vários aspectos, inclusive o de formação de públicos para garantir sustentabilidade.
Enquanto isso...
...Em São Paulo
Mobilizados pelo fechamento do Centro Internacional de Teatro, o CIT-Ecum, artistas de São Paulo criaram a campanha na rede Deixem o espaço do teatro em paz. Atores, atrizes e produtores estão sendo fotografados enrolados naquelas faixas que indicam interdição. A mobilização chama a atenção para a importância da sobrevivência dos espaços culturais em todo o país. A ideia é que o protesto se espalhe por outras cidades, já que a causa é comum. O fotógrafo mineiro Guto Muniz aderiu à campanha e está entrando em contato com artistas daqui para também serem fotografados. O mesmo deve ser feito no Rio de Janeiro.
Mas fica a pergunta: o que será feito da sala de espetáculos, reformada e equipada, considerada uma das melhores da cidade pelos grupos de dança? Há silêncio em relação a isso. De acordo com a Secretaria de Estado da Cultura, cabe ao tribunal definir o destino e usufruto do teatro, já que é o responsável pelo prédio. No TJMG, as informações são desencontradas. O que é certo é que, oficialmente, as atividades no espaço terminam em 31 de agosto.
Segundo a Assessoria de Comunicação do TJMG, ninguém dá entrevistas sobre o caso. No primeiro contato, informaram que o teatro seria utilizado para atividades internas. Uma semana depois, o discurso, ainda via assessoria, mudou: o tribunal não decidiu o que será feito do teatro. Em meio à indefinição, a Secretaria de Estado da Cultura se exime de encontrar um caminho e informa em nota que “reconhece a importância do espaço e acredita numa negociação da classe artística junto ao TJMG”.
Entre os artistas, o clima é de indignação. “É um absurdo. O Brasil está entregue aos políticos e empresários. Constrói estádio de futebol, mas espaço para arte de qualidade não tem”, revolta-se o músico Daniel D’Olivier. Em 1983, ele foi um dos que levantaram cartazes para evitar a demolição do Cine Metrópole. “Sou completamente revoltado até hoje. É a política do deixa estragar, não restaura, fica podre. Existem muitos casos em que as famílias proprietárias fazem isso como estratégia de especulação imobiliária.” A história dos dois espaços – o Cine Metrópole e o Klauss Vianna – tem um ponto em comum.
O antigo Teatro da Telemig, hoje Klauss Vianna, foi construído depois da derrota na luta pela manutenção do extinto Metrópole, cinema de rua que funcionava na Rua Bahia esquina com Goiás, no Centro de BH. Em 1983, artistas e intelectuais protestaram contra a venda do prédio para uma instituição financeira. Na ocasião, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) tentou tombar o espaço para garantir o funcionamento do cinema. Houve atraso na homologação do tombamento e, no fim, a venda foi feita e o cinema fechado. Os protestos foram em vão.
“Quando o assunto chegou a público, já não tinha mais nada lá dentro. O grande problema do processo de tombamento é que você não tomba função cultural. O prédio já estava descaracterizado sob o ponto de vista arquitetônico”, lembra o dramaturgo Jota D’Angelo. Na época, ele fez parte da comissão que decidiu sobre o tombamento do Metrópole. Como recorda, a construção de um novo teatro – no prédio da antiga Telemig – surgiu como um acordo de cavalheiros. “Não foi uma coisa muito oficial. Foi uma conversa que a gente nem sabe direito entre quem”, recorda. “Alguém tem que administrar o Klauss Vianna. Não tem cabimento fechar para a comunidade um espaço maravilhoso, recentemente reformado”, defende D’Angelo.
Histórias como a do Cine Metrópole e do Klauss Vianna se repetem em Belo Horizonte. Antigos espaços, como o Teatro da Praça, Teatro do Icbeu e Teatro Clara Nunes permanecem fechados na cidade. Este último, de propriedade da Imprensa Oficial, situado na Rua Rio de Janeiro, foi entregue ao Sesc-MG. De acordo com a instituição, o local passará por obras de revitalização e modernização. A previsão é de que o Teatro Sesc Clara Nunes seja reaberto em 2016, uma vez cumpridos os procedimentos licitatórios, prazos e demais exigências legais.
As últimas atrações
Por causa do fechamento do Teatro Klauss Vianna, todos os projetos aprovados por edital para ocupar o espaço em 2014 tiveram que alterar o cronograma. O que era para ser feito em um ano, terá seis meses para conclusão. O grupo 3º Corpo, por exemplo, estreia Miradas do caos #2 nesta sexta. Inicialmente, a previsão era para o fim do segundo semestre. “A gente acelerou bem o processo para entregar agora”, conta o produtor visual Julião Villas. Eles não tiveram opção de outras datas.
Miradas do caos #2 é um espetáculo com mistura de linguagens. Tem dança, vídeo e outras intervenções. Um tipo de produção, inclusive, que sempre teve as portas do Klauss Vianna abertas. “É um espaço muito bom. Além da linha de visão do público ampliada, tem estrutura e tamanho bons. É um palco que favorece projeções, porque tem uma profundidade boa”, explica.
Não é por acaso que o nome do teatro faz uma homenagem ao coreógrafo e bailarino Klauss Vianna. “É um teatro muito legal para a dança. Talvez o melhor que a gente tenha aqui, por causa da proporção entre palco e plateia”, explica a bailarina Patrícia Manata, integrante da Suspensa Cia. de Dança. A nova montagem do grupo – ainda sem nome – vai encerrar as atividades do espaço. Estará em cartaz até 31 de agosto. Em setembro, o teatro fecha as portas para o público e fica sob a responsabilidade do TJMG.
Como é um reduto para a dança, integrantes do Fórum Mineiro da categoria tentaram negociar com o Governo de Minas. Segundo Paula Manata, o retorno foi que a Oi vai construir outro teatro na Praça da Liberdade. “Essa cultura da destruição é infeliz. Tem um teatro pronto, que funciona, já é uma referência, aí você destrói. Nem sei o que ele vai virar, talvez um auditório. Isso não tem lógica”, protesta Manata.
Palavra de especialista
Flávio Carsalade
Professor da Faculdade de Arquitetura da UFMG e ex-presidente do Iepha
O prédio e o uso
O maior problema dos tombamentos, quando relacionados a usos culturais, é justamente não se poder tombar o uso. Pode-se tombar o prédio, pode-se tombar bens móveis, mas nunca o uso, mesmo porque não há como manter espaços que porventura venham a se tornar deficitários – embora este não seja o caso do Klauss Vianna. Temos que prever sempre, ao tombar um imóvel, que ele apresente um uso cultural com plano de sustentabilidade realista, o que no caso do Klaus Vianna estava acontecendo pela presença da Oi Futuro. Mas temos, sim, problemas para garantir espaços culturais na cidade. A cultura continua sendo o setor de menor orçamento dos entes da federação e muitas vezes se baseia em acordos de cavalheiros. A questão é muito complexa e passa por vários aspectos, inclusive o de formação de públicos para garantir sustentabilidade.
Enquanto isso...
...Em São Paulo
Mobilizados pelo fechamento do Centro Internacional de Teatro, o CIT-Ecum, artistas de São Paulo criaram a campanha na rede Deixem o espaço do teatro em paz. Atores, atrizes e produtores estão sendo fotografados enrolados naquelas faixas que indicam interdição. A mobilização chama a atenção para a importância da sobrevivência dos espaços culturais em todo o país. A ideia é que o protesto se espalhe por outras cidades, já que a causa é comum. O fotógrafo mineiro Guto Muniz aderiu à campanha e está entrando em contato com artistas daqui para também serem fotografados. O mesmo deve ser feito no Rio de Janeiro.