Foi um FIT diferente. O Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte foi o maior desde a primeira edição, há 20 anos, com 20 dias de duração. Mas não foi por isso, nem porque foi aquele que agregou representantes de todos os movimentos teatrais da cidade, que o festival se destacou. A sensação foi de descompasso entre a grandeza da programação e o impacto relativamente discreto na vida da cidade.
Embora bem intencionado em sua proposta de fazer coexistir criações muito diversas, o festival ficou mais apagado do que em outras épocas. Diferente do tempo em que quase tudo na cidade girava em torno da programação de artes cênicas. Em que as expectativas eram sempre aumentadas diante de uma ou outra obra. Criavam-se mitos. Debatia-se modos de fazer. Gerava-se intercâmbio. O teatro ia além dos palcos.
Ainda no calor da maratona, que se encerra hoje com a apresentação de Os gigantes da montanha, do Grupo Galpão, em um palco inédito na história do festival – o estádio do Baleião, no Aglomerado da Serra – é precipitado apontar acertos e erros. Cabe refletir. É uma análise complexa, na qual é preciso considerar uma mudança profunda no modo como os moradores de Belo Horizonte têm se relacionado com os eventos realizados na cidade.
Neste contexto de transformações, o mais proveitoso talvez seja discutir sobre que FIT a cidade parece querer para o futuro. Fato: uma mostra de espetáculos, por mais que conte com potentes produções internacionais, já não basta para o que se espera de uma realização que consome R$ 7 milhões, sendo mais da metade dos recursos vindos do tesouro municipal. O papel do festival para o cidadão, para a classe artística e para quem busca arte para a melhorar sua vida, deve ir além do conjunto de espetáculos, por melhor que eles sejam. O investimento precisa deixar marcas na vida da cidade.
“O festival tem que ser soberano, porque é importante para Belo Horizonte”, ressalta o diretor e dramaturgo da Cia Pierrot Lunar, Juarez Dias, frequentador do FIT. “Acho que é um festival diferente, sem dúvida. Traz uma série de propostas para dar visibilidade aos espetáculos locais. As questões que estão atrapalhando são de infraestrutura mesmo, porque o FIT parece não conseguir ter regularidade na elaboração e no planejamento”, observa Juarez.
Pela primeira vez participando da programação, o ator e dramaturgo Vinicius Souza, da Cia. do Chá, ficou feliz em fazer parte do evento. Na opinião dele, a descentralização dos espetáculos e a forte aposta no contato de curadores e programadores locais chamaram a atenção nesta temporada. “Entretanto, diversos fatores me fizeram acreditar que esta edição esteve aquém do que se espera de um festival de tamanha importância. Desde os enigmáticos critérios da curadoria (como a inserção de peças locais na programação internacional), até as deficiências na produção e divulgação do evento.”
Vinicius aponta também a descontinuidade de atividades essenciais, entre elas a decisão de não criar o Ponto de Encontro, uma tradição do festival, ou o Cine-FIT e Ensaio-FIT, que foram realizados na edição passada. São medidas que impediram o desdobramento dos espetáculos e das discussões em torno do teatro em outros contextos. Artistas e público sentiram falta.
Informação A programação impressa com o nome das peças, seus respectivos grupos, sinopses e locais onde se apresentariam só ficou pronta um dia depois do início do evento. O site, que entrou no ar uma semana antes, também apresentou problemas de informação. Alguns teatros não dispunham de bilheterias. Em suma, no quesito informação foi difícil para o público saber o que estaria em cartaz no FIT e se programar para acompanhar as montagens de palco e rua.
O coordenador-geral desta edição do festival, Cássio Pinheiro, reconhece o erro na estratégia de comunicação. Para compensar o atraso do material impresso, ele pondera que uma das estratégias foram adotadas, como apresentações-surpresas e itinerantes, para divulgar o evento em todas as regionais. Ainda assim, a ação não supriu a necessidade de informação ao público interessado. “Acho que tem muita coisa que pode ser melhorada”, disse o coordenador.
Para Pinheiro, um dos problemas identificados não tem a ver diretamente com esta edição do FIT. “Não tivemos nenhum problema grave de produção, mas convivemos com pequenos entraves do dia a dia, que nos tomam tempo. Acho que são fruto de uma ausência de memória dentro da Fundação Municipal de Cultura (FMC) sobre o festival”, avalia. Mesmo com a história de 20 anos, as sucessivas trocas de comando no festival deixaram como herança a ausência de agenda de contato com grupos, rotinas para contração e outros detalhes ligados à produção do evento.
“Estamos deixando aqui memória de procedimentos e de atitudes”, conta. Para garantir a continuidade do projeto, funcionários concursados da FMC vão fazer parte da equipe que vai conduzir o processo de pré-produção das próximas edições. “O FIT é um festival que tem uma importância maior do que a percepção que a fundação, a classe artística ou a população têm dele”, destaca Cássio Pinheiro.
Também chamou a atenção a ausência de um diretor artístico no FIT 2014. Amparado pelos coordenadores e curadores, ele teria a função de pensar a unidade do evento e distribuir as atrações pelos palcos da cidade, de acordo com os objetivos definidos pelo evento. Para o diretor artístico do Festival Internacional das Artes, o Festia, Richard Santana, a ausência desse cargo pôde ser percebida na elaboração da grade de programação.
Como o festival cresceu no número de dias, as atrações foram organizadas de maneira aleatória na grade. Houve dias com duas estreias e outros sem nenhuma. “É preciso que alguém faça esse balanço, que conheça todos os espaços, a grade e o público. É a importante função de colocar cada coisa no seu lugar”, explica Richard.
“Nem sempre a grade está nas nossas mãos. A conclusão que a gente chega é que o FIT 2016 tem que começar agora, em setembro. Porque a agenda internacional é elaborada com um ano de antecedência”, constata o coordenador-geral. “Perdemos muitos espetáculos por causa disso”, completa o curador Jefferson da Fonseca Coutinho. “O FIT precisa ser discutido na sua completude e no seu conteúdo. Temos que retomar o diálogo do FIT como um programa permanente”, propõe Cássio.
Richard Santana não tem dúvidas de que o ponto positivo foi a vinda do grupo alemão Berliner Ensemble. “Além de ter valido cada minuto daquelas horas todas, o FIT exerceu uma de suas funções fundamentais, que é fomentar o pensamento por meio da fruição teatral. Valeu totalmente o esforço para trazer o grupo ao Brasil.”
Voz do público
O FIT e a cidade
Michele Costa Bernardino
atriz
“Este ano o FIT foi bem mais fraco do que nos anos passados. Teve pouca divulgação. As pessoas não estavam sabendo do evento. No mais, gostei dos espetáculos, embora alguns não tenham trazido novidades. Quando se pensa no festival, você imagina que vai ver coisas muito diferentes daquilo que a gente trabalha, mas não foi assim.”
Guilherme Augusto Diniz
estudante
“Apesar de contar com peças de qualidade não só no âmbito do entretenimento, mas também de estéticas instigadoras, esta edição certamente não foi a melhor de todas. A começar pela divulgação, que deixou muito a desejar. Profissionais fora da esfera artística estavam alheios à realização de um evento dessa estatura. A publicidade ficou aquém do que realmente seria necessário para que ele ficasse conhecido por todos os cidadãos.”
Ester Espeschit
funcionária pública
“Fui em duas apresentações do Fit, Jamais 203 e Hamlet. Gostei da qualidade dos espetáculos. Em relação à infraestrutura, tive dificuldades para comprar os ingressos. Tinha interesse em ir, mas não consegui comprar. No meu cotidiano foi como se não houvesse FIT na cidade. A não ser nos espetáculos que fui, não ‘esbarrei’ com nenhuma apresentação e nem tive notícias da parte de meus familiares e amigos que transitam no Centro todos os dias.”
Raquel Pardini
professora e psicanalista
“Teve muita coisa, e não consegui ver mais do que duas: Hamlet e Matéria-prima. Foi ótimo. O pessoal na fila estava reclamando um pouco sobre a venda do ingresso e também do fato de não ter lugar marcado nos teatros. Acho que o FIT tem um público específico. O Palácio das Artes estava lotado para o Hamlet. Maravilhoso. A legenda é que ficou pessimamente situada.”
O poder do teatro
Nem quem quisesse conseguiria acompanhar toda a programação do FIT-BH 2014. Com o plano de incrementar a mostra de espetáculos locais e com vistas ao intercâmbio internacional, a grade ficou dispersa. A principal qualidade – sem entrar no mérito das montagens – foi a variedade de estéticas, principalmente nas escolhas internacionais.
Mesmo que oficialmente o FIT tenha começado numa terça-feira, dia 6, com a reapresentação de Prazer, da Cia Luna Lunera, a sensação de estreia chegou mesmo no sábado, dia 10, com o retorno dos franceses do grupo Générik Vapeur a BH. Vinte anos depois da passagem arrasadora da trupe com Bivouac, o cortejo não encontrou os mesmos ecos com Jamais 203. Foi divertido? Sempre é, mas não teve força comparável ao passado. A explicação para isso também pode estar na relação do público da cidade com os espetáculos. São 20 anos de FIT, portanto duas décadas de contato com experiências cênicas tão ou mais radicais. Além disso, o púbico vem ocupando as ruas de outras formas com muita competência.
A montagem de Hamlet, do grupo Berliner Ensemble, cumpriu o que se espera de um evento deste porte. É uma companhia importante na história do teatro do século 20, já que foi fundada por Bertolt Brecht. Apresentou uma releitura do clássico de Shakespeare com uma precisão cênica impressionante. Mesmo com a duração de quase quatro horas, o conjunto foi deslumbrante.
Embora o tema feminino norteasse montagens como a portuguesa 1325, a alemã Es sagt mir nichts, das sogenannte Draussen ou mesmo o cabaré de Glory Box, as abordagens foram muito diferentes. Aliás, não teve nada parecido em espetáculos com temáticas semelhantes. Emília, dos argentinos do Timbre 4, fala de família por um viés oposto à cena curta mineira O quadro de uma família, do grupo Pigmalião Escultura que Mexe.
Unanimidade de opiniões nunca é o melhor para os festivais. Assim, é louvável a inquietude provocada pela montagem espanhola Matéria prima. Na sinopse, havia a promessa de que o universo dos adultos fosse levado para o palco por crianças. Na prática, não foi bem assim. É um drama existencial. O fato de ser encenado por adolescentes convida a plateia a encontrar os sentidos do que vê em cena. Não é uma ideia simplista, mas um convite para olhar uma obra de teatro abrindo mão de ideias preconcebidas do que sejam adultos e crianças.
Outra passagem polêmica foi a dos francêses do Frag#3 Aproximación para la idea de desconfianza. Com texto do espanhol Rodrigo García, é o tipo de montagem-instalação feita para chocar: quebram-se computadores, desperdiça-se comida, colocam a música no talo. Muitos saíram da Sala 4 da Funarte MG revoltados com a performance.
Na rua Historicamente, o FIT ficou conhecido pelo equilíbrio entre as montagens de rua e de palco. Este ano, no entanto, as propostas mais interessantes estiveram nos espaços fechados. As peças de rua tiveram um caráter mais popular e voltado para audiência pouco familiarizada com o teatro. Montagens como As raízes do mineiro pau e do boi pintadinho (RJ) e A cobra vai fumar – uma estória da FEB (SP) foram consideradas simplórias dentro do que o teatro de rua já apresentou para o FIT.
Marcaram mais as experiências que tinham o elemento surpresa como parte da proposta. A atriz Tatiana Lenna, por exemplo, quebrou a rotina das estações do Move com seu delicado Café?. Já a irreverente atriz Jéssica Arpin, além de fazer loucuras com uma bicicleta, mostrou não haver barreira de idioma ou cultura para se relacionar com a plateia. Ela ganhou o público com a poesia de Kalabazi.
Desencontro
Na análise que faz desta edição do festival, Cássio Pinheiro reconhece a falta que o Ponto de Encontro fez. Ambientado no Parque Municipal, o popular Bar do FIT era o local em que todos os grupos se encontravam e trocavam experiências. “Ele é necessário. Fizemos um ponto de encontro com o Glory Box na reta final. Não tínhamos condição orçamentária e, pelo tamanho que o FIT teve durante os 20 dias, era muito complicado. Tentamos fazer desde o primeiro momento, mas aí foi cortar na própria carne.”
Em contato com o mundo
“É obrigação de um evento como o FIT deixar um legado para a cidade em cada edição”, afirma Cássio Pinheiro, coordenador do festival. Tanto ele como a equipe de curadoria formada por Jefferson da Fonseca Coutinho, Geraldo Peninha e Lery Faria, apontam o programa Intercena, lançado dia 13, como o principal fruto desta edição. “A ideia desse FIT é que ele não pare, que tenha continuidade”, afirma Peninha.
O conjunto de ações voltadas à internacionalização das artes cênicas de Belo Horizonte nasce com esse desejo. O Intercena contempla convênios específicos com embaixadas e consulados para intercâmbio de montagens e editais para viagens e também ações de fomento. Faz parte do escopo do programa, por exemplo, trazer profissionais de artes cênicas do exterior para ações formativas junto à classe teatral de Belo Horizonte.
O encontro dos artistas da cidade, com cerca de 20 programadores de festivais nacionais e internacionais, foi uma das ações do Intercena. A reunião realizada no Teatro Francisco Nunes foi marcada pela descontração dos envolvidos. Os produtores tiveram liberdade para apresentar seus projetos aos convidados, sem limite de tempo. Esse formato foi previamente discutido com os interessados em reuniões na FMC. “A ideia é dar sequência às ações do Intercena para que ele seja a ponte entre um festival e outro”, explica Cássio Pinheiro.
O plano é lançar um site por meio do qual os grupos da cidade manterão contato com os festivais internacionais e também ficarão por dentro das ações do Intercena. No entanto, o endereço ainda não está disponível. Terminado o FIT-BH, o desafio que fica para a equipe da Fundação Municipal de Cultura é provar que o Intercena não é apenas mais uma promessa.
Embora bem intencionado em sua proposta de fazer coexistir criações muito diversas, o festival ficou mais apagado do que em outras épocas. Diferente do tempo em que quase tudo na cidade girava em torno da programação de artes cênicas. Em que as expectativas eram sempre aumentadas diante de uma ou outra obra. Criavam-se mitos. Debatia-se modos de fazer. Gerava-se intercâmbio. O teatro ia além dos palcos.
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Neste contexto de transformações, o mais proveitoso talvez seja discutir sobre que FIT a cidade parece querer para o futuro. Fato: uma mostra de espetáculos, por mais que conte com potentes produções internacionais, já não basta para o que se espera de uma realização que consome R$ 7 milhões, sendo mais da metade dos recursos vindos do tesouro municipal. O papel do festival para o cidadão, para a classe artística e para quem busca arte para a melhorar sua vida, deve ir além do conjunto de espetáculos, por melhor que eles sejam. O investimento precisa deixar marcas na vida da cidade.
“O festival tem que ser soberano, porque é importante para Belo Horizonte”, ressalta o diretor e dramaturgo da Cia Pierrot Lunar, Juarez Dias, frequentador do FIT. “Acho que é um festival diferente, sem dúvida. Traz uma série de propostas para dar visibilidade aos espetáculos locais. As questões que estão atrapalhando são de infraestrutura mesmo, porque o FIT parece não conseguir ter regularidade na elaboração e no planejamento”, observa Juarez.
Pela primeira vez participando da programação, o ator e dramaturgo Vinicius Souza, da Cia. do Chá, ficou feliz em fazer parte do evento. Na opinião dele, a descentralização dos espetáculos e a forte aposta no contato de curadores e programadores locais chamaram a atenção nesta temporada. “Entretanto, diversos fatores me fizeram acreditar que esta edição esteve aquém do que se espera de um festival de tamanha importância. Desde os enigmáticos critérios da curadoria (como a inserção de peças locais na programação internacional), até as deficiências na produção e divulgação do evento.”
Vinicius aponta também a descontinuidade de atividades essenciais, entre elas a decisão de não criar o Ponto de Encontro, uma tradição do festival, ou o Cine-FIT e Ensaio-FIT, que foram realizados na edição passada. São medidas que impediram o desdobramento dos espetáculos e das discussões em torno do teatro em outros contextos. Artistas e público sentiram falta.
Informação A programação impressa com o nome das peças, seus respectivos grupos, sinopses e locais onde se apresentariam só ficou pronta um dia depois do início do evento. O site, que entrou no ar uma semana antes, também apresentou problemas de informação. Alguns teatros não dispunham de bilheterias. Em suma, no quesito informação foi difícil para o público saber o que estaria em cartaz no FIT e se programar para acompanhar as montagens de palco e rua.
O coordenador-geral desta edição do festival, Cássio Pinheiro, reconhece o erro na estratégia de comunicação. Para compensar o atraso do material impresso, ele pondera que uma das estratégias foram adotadas, como apresentações-surpresas e itinerantes, para divulgar o evento em todas as regionais. Ainda assim, a ação não supriu a necessidade de informação ao público interessado. “Acho que tem muita coisa que pode ser melhorada”, disse o coordenador.
Para Pinheiro, um dos problemas identificados não tem a ver diretamente com esta edição do FIT. “Não tivemos nenhum problema grave de produção, mas convivemos com pequenos entraves do dia a dia, que nos tomam tempo. Acho que são fruto de uma ausência de memória dentro da Fundação Municipal de Cultura (FMC) sobre o festival”, avalia. Mesmo com a história de 20 anos, as sucessivas trocas de comando no festival deixaram como herança a ausência de agenda de contato com grupos, rotinas para contração e outros detalhes ligados à produção do evento.
“Estamos deixando aqui memória de procedimentos e de atitudes”, conta. Para garantir a continuidade do projeto, funcionários concursados da FMC vão fazer parte da equipe que vai conduzir o processo de pré-produção das próximas edições. “O FIT é um festival que tem uma importância maior do que a percepção que a fundação, a classe artística ou a população têm dele”, destaca Cássio Pinheiro.
Também chamou a atenção a ausência de um diretor artístico no FIT 2014. Amparado pelos coordenadores e curadores, ele teria a função de pensar a unidade do evento e distribuir as atrações pelos palcos da cidade, de acordo com os objetivos definidos pelo evento. Para o diretor artístico do Festival Internacional das Artes, o Festia, Richard Santana, a ausência desse cargo pôde ser percebida na elaboração da grade de programação.
Como o festival cresceu no número de dias, as atrações foram organizadas de maneira aleatória na grade. Houve dias com duas estreias e outros sem nenhuma. “É preciso que alguém faça esse balanço, que conheça todos os espaços, a grade e o público. É a importante função de colocar cada coisa no seu lugar”, explica Richard.
“Nem sempre a grade está nas nossas mãos. A conclusão que a gente chega é que o FIT 2016 tem que começar agora, em setembro. Porque a agenda internacional é elaborada com um ano de antecedência”, constata o coordenador-geral. “Perdemos muitos espetáculos por causa disso”, completa o curador Jefferson da Fonseca Coutinho. “O FIT precisa ser discutido na sua completude e no seu conteúdo. Temos que retomar o diálogo do FIT como um programa permanente”, propõe Cássio.
Richard Santana não tem dúvidas de que o ponto positivo foi a vinda do grupo alemão Berliner Ensemble. “Além de ter valido cada minuto daquelas horas todas, o FIT exerceu uma de suas funções fundamentais, que é fomentar o pensamento por meio da fruição teatral. Valeu totalmente o esforço para trazer o grupo ao Brasil.”
Voz do público
O FIT e a cidade
Michele Costa Bernardino
atriz
“Este ano o FIT foi bem mais fraco do que nos anos passados. Teve pouca divulgação. As pessoas não estavam sabendo do evento. No mais, gostei dos espetáculos, embora alguns não tenham trazido novidades. Quando se pensa no festival, você imagina que vai ver coisas muito diferentes daquilo que a gente trabalha, mas não foi assim.”
Guilherme Augusto Diniz
estudante
“Apesar de contar com peças de qualidade não só no âmbito do entretenimento, mas também de estéticas instigadoras, esta edição certamente não foi a melhor de todas. A começar pela divulgação, que deixou muito a desejar. Profissionais fora da esfera artística estavam alheios à realização de um evento dessa estatura. A publicidade ficou aquém do que realmente seria necessário para que ele ficasse conhecido por todos os cidadãos.”
Ester Espeschit
funcionária pública
“Fui em duas apresentações do Fit, Jamais 203 e Hamlet. Gostei da qualidade dos espetáculos. Em relação à infraestrutura, tive dificuldades para comprar os ingressos. Tinha interesse em ir, mas não consegui comprar. No meu cotidiano foi como se não houvesse FIT na cidade. A não ser nos espetáculos que fui, não ‘esbarrei’ com nenhuma apresentação e nem tive notícias da parte de meus familiares e amigos que transitam no Centro todos os dias.”
Raquel Pardini
professora e psicanalista
“Teve muita coisa, e não consegui ver mais do que duas: Hamlet e Matéria-prima. Foi ótimo. O pessoal na fila estava reclamando um pouco sobre a venda do ingresso e também do fato de não ter lugar marcado nos teatros. Acho que o FIT tem um público específico. O Palácio das Artes estava lotado para o Hamlet. Maravilhoso. A legenda é que ficou pessimamente situada.”
O poder do teatro
Nem quem quisesse conseguiria acompanhar toda a programação do FIT-BH 2014. Com o plano de incrementar a mostra de espetáculos locais e com vistas ao intercâmbio internacional, a grade ficou dispersa. A principal qualidade – sem entrar no mérito das montagens – foi a variedade de estéticas, principalmente nas escolhas internacionais.
Mesmo que oficialmente o FIT tenha começado numa terça-feira, dia 6, com a reapresentação de Prazer, da Cia Luna Lunera, a sensação de estreia chegou mesmo no sábado, dia 10, com o retorno dos franceses do grupo Générik Vapeur a BH. Vinte anos depois da passagem arrasadora da trupe com Bivouac, o cortejo não encontrou os mesmos ecos com Jamais 203. Foi divertido? Sempre é, mas não teve força comparável ao passado. A explicação para isso também pode estar na relação do público da cidade com os espetáculos. São 20 anos de FIT, portanto duas décadas de contato com experiências cênicas tão ou mais radicais. Além disso, o púbico vem ocupando as ruas de outras formas com muita competência.
A montagem de Hamlet, do grupo Berliner Ensemble, cumpriu o que se espera de um evento deste porte. É uma companhia importante na história do teatro do século 20, já que foi fundada por Bertolt Brecht. Apresentou uma releitura do clássico de Shakespeare com uma precisão cênica impressionante. Mesmo com a duração de quase quatro horas, o conjunto foi deslumbrante.
Embora o tema feminino norteasse montagens como a portuguesa 1325, a alemã Es sagt mir nichts, das sogenannte Draussen ou mesmo o cabaré de Glory Box, as abordagens foram muito diferentes. Aliás, não teve nada parecido em espetáculos com temáticas semelhantes. Emília, dos argentinos do Timbre 4, fala de família por um viés oposto à cena curta mineira O quadro de uma família, do grupo Pigmalião Escultura que Mexe.
Unanimidade de opiniões nunca é o melhor para os festivais. Assim, é louvável a inquietude provocada pela montagem espanhola Matéria prima. Na sinopse, havia a promessa de que o universo dos adultos fosse levado para o palco por crianças. Na prática, não foi bem assim. É um drama existencial. O fato de ser encenado por adolescentes convida a plateia a encontrar os sentidos do que vê em cena. Não é uma ideia simplista, mas um convite para olhar uma obra de teatro abrindo mão de ideias preconcebidas do que sejam adultos e crianças.
Outra passagem polêmica foi a dos francêses do Frag#3 Aproximación para la idea de desconfianza. Com texto do espanhol Rodrigo García, é o tipo de montagem-instalação feita para chocar: quebram-se computadores, desperdiça-se comida, colocam a música no talo. Muitos saíram da Sala 4 da Funarte MG revoltados com a performance.
Na rua Historicamente, o FIT ficou conhecido pelo equilíbrio entre as montagens de rua e de palco. Este ano, no entanto, as propostas mais interessantes estiveram nos espaços fechados. As peças de rua tiveram um caráter mais popular e voltado para audiência pouco familiarizada com o teatro. Montagens como As raízes do mineiro pau e do boi pintadinho (RJ) e A cobra vai fumar – uma estória da FEB (SP) foram consideradas simplórias dentro do que o teatro de rua já apresentou para o FIT.
Marcaram mais as experiências que tinham o elemento surpresa como parte da proposta. A atriz Tatiana Lenna, por exemplo, quebrou a rotina das estações do Move com seu delicado Café?. Já a irreverente atriz Jéssica Arpin, além de fazer loucuras com uma bicicleta, mostrou não haver barreira de idioma ou cultura para se relacionar com a plateia. Ela ganhou o público com a poesia de Kalabazi.
Desencontro
Na análise que faz desta edição do festival, Cássio Pinheiro reconhece a falta que o Ponto de Encontro fez. Ambientado no Parque Municipal, o popular Bar do FIT era o local em que todos os grupos se encontravam e trocavam experiências. “Ele é necessário. Fizemos um ponto de encontro com o Glory Box na reta final. Não tínhamos condição orçamentária e, pelo tamanho que o FIT teve durante os 20 dias, era muito complicado. Tentamos fazer desde o primeiro momento, mas aí foi cortar na própria carne.”
Em contato com o mundo
“É obrigação de um evento como o FIT deixar um legado para a cidade em cada edição”, afirma Cássio Pinheiro, coordenador do festival. Tanto ele como a equipe de curadoria formada por Jefferson da Fonseca Coutinho, Geraldo Peninha e Lery Faria, apontam o programa Intercena, lançado dia 13, como o principal fruto desta edição. “A ideia desse FIT é que ele não pare, que tenha continuidade”, afirma Peninha.
O conjunto de ações voltadas à internacionalização das artes cênicas de Belo Horizonte nasce com esse desejo. O Intercena contempla convênios específicos com embaixadas e consulados para intercâmbio de montagens e editais para viagens e também ações de fomento. Faz parte do escopo do programa, por exemplo, trazer profissionais de artes cênicas do exterior para ações formativas junto à classe teatral de Belo Horizonte.
O encontro dos artistas da cidade, com cerca de 20 programadores de festivais nacionais e internacionais, foi uma das ações do Intercena. A reunião realizada no Teatro Francisco Nunes foi marcada pela descontração dos envolvidos. Os produtores tiveram liberdade para apresentar seus projetos aos convidados, sem limite de tempo. Esse formato foi previamente discutido com os interessados em reuniões na FMC. “A ideia é dar sequência às ações do Intercena para que ele seja a ponte entre um festival e outro”, explica Cássio Pinheiro.
O plano é lançar um site por meio do qual os grupos da cidade manterão contato com os festivais internacionais e também ficarão por dentro das ações do Intercena. No entanto, o endereço ainda não está disponível. Terminado o FIT-BH, o desafio que fica para a equipe da Fundação Municipal de Cultura é provar que o Intercena não é apenas mais uma promessa.