Aparentemente é uma placa, em vermelho e preto, como tantas outras que existem em grandes centros. Só que um detalhe faz toda a diferença. Se virar à esquerda, 'Buum!', é a mensagem da obra criada em 1966 – dois anos depois do golpe civil-militar e a dois do temido AI-5 –, pelo artista paulista Marcello Nitsche. Hoje parte integrante do acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), é a obra 'Buum!' que abre a mostra Resistir é preciso..., que será inaugurada hoje para convidados e amanhã para o público, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Já vista no Rio, São Paulo e Brasília, a mostra foi idealizada pelo Instituto Vladimir Herzog.
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A mostra, que está ocupando todo o terceiro andar do CCBB, tem três grandes vértices. Por um lado, está a arte ligada à resistência, por outro, a atuação da imprensa, principalmente a nanica, que em sua maioria sobreviveu ao período ditatorial na clandestinidade. Costurando esses dois lados está uma linha do tempo bastante didática, que, ano após ano, destaca os acontecimentos mais importantes dos pontos de vista político e cultural no país, bem como o que estava ocorrendo em todo o mundo.
Entre os quadros e objetos, foram reunidos alguns trabalhos já bastante conhecidos e discutidos. Cildo Meireles está presente com duas obras da década de 1970: as chamadas Inserções em circuito ideológico. Uma delas leva o nome de Projeto Coca-Cola, no qual o artista cunhou a frase anti-imperialista “Yankees go home” em garrafas do refrigerante que, posteriormente, voltaram a circular no mercado. A outra é o chamado Projeto cédula, na verdade um carimbo com a pergunta “Quem matou Herzog?”, que foi gravada em cédulas de cruzeiros.
Um pintura, logo na primeira parte da exposição, chama a atenção do espectador: em preto e cinza, vê-se uma figura distorcida e com uma expressão aterrorizada. Óleo sobre tela de Ivan Serpa, foi pintada justamente em 1964. “O que se nota é que muitos artistas mudaram a forma de pensar ou de se expressar no período. O Serpa era absolutamente o contrário do figurativo. E quando houve o golpe, ele, naquele momento, foi pintar o que era o pesadelo”, afirma del Roio.
Outro artista que exemplifica bem a fala do curador é Sérgio Ferro. “Quando jovem, pertenceu ao PCB e depois à ALN (Ação Libertadora Nacional). Conheceu bem o Carlos Marighella, foi preso e barbaramente torturado. É um daqueles que muda sua arte depois da tortura.” O trabalho exposto no CCBB é justamente em homenagem a Marighella, trazendo um São Jorge, que mostra a ligação do guerrilheiro com Ogum, bem como uma referência aos cinco tiros que o mataram numa emboscada em novembro de 1969. Há ainda trabalhos de Hélio Oiticica, Antônio Dias e Carlos Vergara, entre outros.
Parte da mostra é reservada a trabalhos que foram produzidos na prisão. “São de artistas que foram presos ou que se tornaram artistas na cadeia. O Manoel Cyrillo é um deles. Ele foi um dos que sequestrou o embaixador americano (Charles Elbrick, em 1969)”, continua Del Roio. Uma sala é dedicada a artistas que produziram quadros ligados à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Já a parte fotográfica destaca o trabalho de dois nomes, Luís Humberto e Orlando Brito, que mostram o cotidiano do Brasil sob o jugo militar. Mas o olhar – muitas das imagens foram censuradas e só se tornaram conhecidas depois da abertura política – é sempre ácido. “São fotógrafos que corroem o poder com o olhar”, resume Del Roio.
Do feminismo à revolução
Envolvido com política e ativismo social desde a juventude, José Luíz del Roio foi um dos fundadores, junto a Carlos Marighella, da Ação Libertadora Nacional (ALN), em 1966. Exilou-se por quase uma década, vivendo no Peru, Chile, Argélia, Cuba, Itália, França e na extinta URSS, até ser anistiado. É também um grande conhecedor da chamada imprensa de resistência. Tem uma importante coleção de jornais (2 mil títulos) e cartazes (2,5 mil). Como ele diz, uma parte ínfima, porém representativa, é destacada na exposição Resistir é preciso...
Numa grande sala do CCBB, postados lado a lado, estão capas do Pif Paf, cria de Millôr Fernandes, o primeiro jornal de oposição que ganha as bancas (fundado em 1964, não resistiu a mais do que oito edições); e do Novos rumos, publicação do PCB. A capa que está na mostra é da edição de 1º de abril de 1964 (um dia depois do golpe). “Ele foi queimado, então este exemplar é raríssimo, talvez o único existente”, afirma o curador.
As publicações clandestinas foram produzidas em diversas línguas. O espanhol é uma das mais usuais – “pois, além dos brasileiros, já havia na Europa muitos exilados da América Latina, então isso facilitava a comunicação” – e a tiragem média da maioria era de 2 mil exemplares. A produção era realizada tanto no país quanto fora. “Nos jornais do exterior, se faziam tanto em português, para o debate interno, quanto na língua local. Podia ser sueco, dinamarquês...”, continua.
Os cartazes, boa parte deles clandestinos, também eram um eficaz modo de comunicação. Uma série deles remonta ao movimento feminista. “Em 1975 foi criado o Ano Internacional da Mulher, pela ONU. Uma série de jornais fala da experiência. Lá fora havia um movimento feminista forte, o que não ocorria no Brasil. Nesse meio tempo, nasceu um movimento específico das operárias, sobretudo as metalúrgicas. Então, há uma mistura de luta estritamente política com a do feminismo em geral.”
E ainda há aqueles voltados para o comércio, como os confeccionados a partir de xilogravuras. “Esses eram produzidos para ganhar dinheiro. Sobretudo nos países nórdicos se vendia em grande quantidade, pois nunca tinham visto xilogravuras como essas”, finaliza Del Roio.
'RESISTIR É PRECISO...'
A partir desta quarta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Funcionamento de quarta a segunda, das 9h às 21h. Até 28 de julho.