Com a lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história e culturas africana e afrobrasileira nas escolas, vem aumentando no mercado editorial o número de publicações dedicadas a estes temas. Seja em literatura de ficção ou em pesquisas acadêmicas de várias especialidades.
Com 100 títulos já lançados e priorizando a produção de autores negros está a mineira Editora Nandyala. Uma pioneira, com 40 anos de existência e extenso catálogo no setor, é a carioca Pallas Editora. Ambas trabalham para que adultos e jovens leitores tenham novas referências sobre os temas definidos na lei, com qualidade editorial e a partir de um olhar menos estereotipado. Mas praticamente todas as editoras brasileiras têm lançado novos títulos voltados para a literatura e estudos na área abarcada pela legislação.
Mais visibilidade
“A cultura afrobrasileira é muito presente na nossa vida. Mas não prestamos atenção”, continua Mariana Warth, de 35 anos. O exemplo, aponta, vai da comida à infinidade de palavras de origem africana, como farofa, moleque, quindim, fofoca, sapeca. Termos vindos do Dicionário banto do Brasil, de Nei Lopes, lançado pela Pallas, só um exemplo de dedicação à afrobrasilidade. O primeiro livro publicado pela editora, no início dos anos 1970, foi Iemanjá, rainha do mar, uma antologia de contos. É daquele ano o volume Ação afirmativa em questão: Brasil, Estados Unidos, África do Sul e França, organizado por Ângela Randolpho Paiva.
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Conhecimento Na língua dos nyaneka-khumbi, de Angola, nandyala significa “nascida em tempos de fome”. A palavra foi adotada em 2007 como nome de livraria pela professora de literatura Íris Amâncio e pela pedagoga Rosa Margarida de Carvalho Rocha, para traduzir o a necessidade de conhecimento das africanidades. O propósito da livraria era contribuir para a quebra de um imaginário estereotipado e racista em torno da questão.
A boa recepção ao romance No fundo do canto, de Odete Semedo, da Guiné-Bissau, editado sem muita expectativa, fez a Nandyala mudar de direção: deixou de ser livraria e tornou-se editora. No fim de 2013, sob coordenação apenas de Íris Amâncio, a editora comemorou o centésimo título publicado, em catálogo que abrange literatura e textos acadêmicos. “Para o que começou como sonho de educadoras, chegar a 100 obras, com recorte editorial específico, é um grande momento”, celebra Íris.
O carro-chefe da editora são as africanidades, entendidas como diversidade étnico-racial, a postura de pensar o negro em suas várias dimensões, como sujeito histórico em termos culturais, sociais e artísticos. Foco que tem se ampliado para questões de gênero, para a temática indígena e da sustentabilidade. Há um carinho especial pela literatura de países de língua portuguesa. “O literário, por circular em vários espaços, oferece potencial mais amplo de conhecimento do que a pesquisa acadêmica”, acredita Íris.
A constatação de que existe desconhecimento da literatura produzida por autores negros, sejam africanos ou brasileiros, vem junto à avaliação crítica da situação no Brasil. “Temos de considerar a hipótese de que exista racismo editorial no mercado de livros, vindo da herança colonial portuguesa”, suspeita Íris Amâncio, que conclui relacionando autores e livros que admira, entre brasileiros e estrangeiros: As falas da aranha, de Edimilson de Almeida Pereira; Poemas da recordação e Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo; Só as mulheres sangram, de Lia Vieira; Ualalape, do moçambicano Ungulani Baka Khosa; As andorinhas, de Paulina Chiviane, também moçambicana; e Midju du Fogu, do cabo-verdiano Pedro Matos.