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Determinada na busca de novos olhares para o que o inglês escreveu, a pesquisadora e presidente do Centro de Estudos Shakespearianos (Cesh), Aimara Resende, diz que de vez em quando se desafia a encontrar abordagens diferentes. Reconhece que é difícil. “Shakespeare deixou uma obra muito aberta. Nunca colocou um ponto final e com isso há uma riqueza muito grande.” A prova é a recente onda dos textos do dramaturgo em quadrinhos.
A Editora Record lançou no Brasil a adaptação de 'Hamlet' em desenhos, feita por Emma Vieceli. O selo Nemo, por sua vez, já tem seis obras lançadas nessa linguagem. Entre elas, 'Sonho de uma noite de verão', 'A tempestade' e 'Rei Lear', publicada em novembro do ano passado. “Vira e mexe a gente acha alguma coisa diferente”, garante Aimara, referência no país quando o assunto é o poeta inglês.
Em Minas Gerais, as homenagens pelo aniversário do dramaturgo estão muito mais no campo do debate de ideias. Pelo menos no primeiro semestre, o grande evento dedicado ao aniversário é o fórum que chegará a Belo Horizonte a partir do dia 30, no Centro Cultural Banco do Brasil.
O idealizador do evento, Paul Heritage, professor de artes dramáticas da Queen Mary University of London, também é o tipo do entusiasta que celebra o que pode haver de diferente nas apropriações feitas acerca das peças de Shakespeare. “O que chama a minha atenção é como esse diálogo entre o Reino Unido e o Brasil funciona. O que o Grupo Galpão fez, por exemplo, mostra como a cultura brasileira pode aproximar Shakespeare do Globe Theater muito mais do que o teatro atual feito em Londres. A cultura popular vibra aqui”, comenta.
“Costumo brincar que os ingleses nascem com Shakespeare olhando para eles, então é aquela veneração”, analisa Aimara Resende. “Os ingleses reverenciam tanto Shakespeare,que ficam impedidos de arriscar outra leitura. Ficam no mais formal, mais tradicional”, analisa o ator do Galpão, Antônio Edson. O grupo mineiro é o único latino-americano que se apresentou duas vezes no Globe. A montagem de 'Romeu e Julieta' concebida por Gabriel Villela esteve por lá em 1992 e 2012. Mesmo com o intervalo de 20 anos, Antônio Edson conta que o retorno foi parecido. Em geral, o público se surpreendeu com a capacidade que tiveram de resgatar as raízes populares da época em que a peça foi escrita.
“Ouvimos de um diretor do Globe que o Brasil está tão longe da Inglaterra quanto o século 16 dos dias de hoje. No entanto, ele achava que nós havíamos conseguido uma aproximação tão verdadeira que, se Shakespeare estivesse vivo, teria gostado de assistir”, lembra. É fato. Mesmo que Shakespeare tenha transitado por diversos gêneros, propôs dramas da envergadura de 'Hamlet' assim como escreveu comédias leves como 'Sonho de uma noite de verão'.
“O que a gente percebe é que Shakespeare não pertence aos ingleses. É o dramaturgo do mundo. Todas essas adaptações quebram a ideia de que ele pertenceu a uma época ou a uma companhia de teatro. Precisamos desses diálogos, que vão além da cultura de raça”, diz Paul Heritage.
Olhar local As apropriações brasileiras estão no foco das pesquisas de Aimara Resende há tempos e não ficam restritas aos palcos. Ela finalizou há pouco um texto, enviado para o congresso comemorativo sobre os 450 anos do autor, a ser realizado em Paris. A professora analisa o quanto o Brasil se permitiu ir além da formalidade britânica. Em 1949, por exemplo, Oscarito e Grande Otelo já brincavam com a paixão proibida entre Julieta e Romeu no filme 'Carnaval de fogo'. Tem ainda as novelas de televisão, como 'O cravo e a rosa', adaptação de 'A megera domada'; e 'Pedra sobre pedra', que evoca 'Romeu e Julieta', entre outras. “Shakespeare é um rio mais caudaloso do que o Amazonas”, brinca a pesquisadora.
No dia 30, Aimara dividirá a mesa com integrantes do Grupo Galpão, em debate sobre o legado do autor inglês no Brasil. Já no segundo semestre, ela planeja realizar o Dia Shakespeare, com a encenação de algumas passagens da obra em diversos locais da cidade. “Há 10 anos fazíamos em Belo Horizonte, mas agora temos planos de ir para outras cinco cidades”, adianta. Também está no prelo a publicação de um livro com artigos acadêmicos e a continuidade de projetos de educação que ela mantém nas cidades de São Francisco de Paula, onde vive, e Rio Acima, município onde será construída a filial do Globe Theater no Brasil.
• Programação
» Dia 30, às 19h – Mesa-redonda ‘‘Shakespeare, nosso contemporâneo brasileiro’’, com Grupo Galpão e Aimara Resende
» 1º de maio, às 19h – ‘‘Apropriando, adaptando e trabalhando com Shakespeare no mundo contemporâneo’’
» 2 de maio, às 19h – ‘‘Shakespeare: o mais famoso dramaturgo do mundo’’
» 5 de maio, às 19h – Masterclass com Jo Kukathas, do The Instant Café Theatre Company, e Helen Leblique (Royal Shakespeare Company)
Globe em Rio Acima
“O Globe Brasil no complexo Gandarela será o maior legado para os 450 anos deste cara, Shakespeare!”, resume Mauro Maya. Responsável pelas articulações que vão culminar na construção da réplica do Globe Theater, o espaço onde a companhia de Shakespeare se apresentava em Londres, em Rio Acima. O gestor afirma que a previsão é que as obras sejam concluídas até abril de 2016.
Por enquanto, o Instituto Gandarela, responsável pela implantação do projeto, toca ações voltadas para a formação da população local. Entre a oferta de oficinas na área de fotografia, circo e dança destaca-se a série de encontros batizada ‘‘Shakespeare e as crianças – São Francisco e Rio Acima’’, que além de prever uma formação ampla na área de música inclui análise das adaptações de peças escolhidas pelos próprios alunos.
A iniciativa educacional em Rio Acima é o projeto que Aimara Resende desenvolve há mais de 10 anos em São Francisco de Paula, cidade de 7 mil habitantes próxima a Oliveira. Por lá já há até companhia de teatro se apresentando em espaços públicos. “Estamos usando o teatro para educar social e culturalmente. Está uma delícia. Shakespeare passou de desconhecido a praticamente primo das crianças”, comenta Aimara.
Fórum Shakespeare
De 29 deste mês a 5 de maio. Centro Cultural Banco do Brasil, Belo Horizonte. Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. Entrada Franca. Informações: https://www.peoplespalaceprojects.org.uk/projects/forum-shakespeare-belo-horizonte/
Fotos
Como parte do Fórum Shakespeare em Belo Horizonte, haverá a exposição de fotos da brasileira Ellie Kurttz. Há 20 anos radicada na Inglaterra, ela é a fotógrafa oficial da Royal Shakespeare Company. São imagens de montagens do grupo, assim como de companhias de todo o mundo que visitaram o Globe Theater, em Londres.