Em cena, experiências que deram certo a partir do trabalho coletivo de alunos, professores e comunidade. Com depoimentos importantes de diretores, autoridades, pensadores da educação e formuladores de políticas públicas. Num dos casos, o da Escola Municipal Presidente Campos Salles, em Heliópolis (SP), os muros foram derrubados numa demonstração de segurança contra a violência vizinha. Interessante também é a participação de pessoas do meio artístico (o rapper Emicida, o artista plástico Vick Muniz e a atriz Camila Pitanga, entre outros), personagens da sociedade brasileira que estudaram em escolas públicas, como o próprio diretor Luiz Bolognesi.
Com ritmo embalado por trilha do Barbatuques (grupo brasileiro de percussão corporal criado em 1995 pelo músico paulistano Fernando Barba), os documentários, que segundo Bolognesi já foram assistidos por 30 milhões de pessoas, têm boa cadência e linguagem acessível. A ideia “é fazer o Brasil inteiro ver que é possível mudar o paradigma da escola ruim. E que isso faça as pessoas pensarem: ‘quero uma escola assim para o meu filho.’ É preciso participar porque se esperarmos pelo poder público, nunca vamos ter isso. Podemos sensibilizar o país para buscar uma escola melhor”, afirma Bolognesi.
Estratégia
Para se aproximar do grande público, eles não abriram mão da complexidade da informação. “Não diluímos em água, a forma é didática mas tem ritmo. Essa foi a estratégia para falar com milhões de pessoas”, explica o diretor, que fugiu da pegada de denúncia. “Meu sentimento era de outra ordem, iluminar experiências que deram certo, mostrar o que fez as coisas funcionarem (e o audiovisual tem esse poder de colocar luz sobre as coisas). Em vez das celebridades do Big brother, queríamos mostrar que com essas crianças dessas escolas você pode discutir o que quiser. Porque elas leem, estudam, têm professores brilhantes de escolas com diretores excepcionais, escolhidos por concurso e competência, e não indicados por políticos.”
Bolognesi não se esquece de que o nível das escolas brasileiras ainda é muito baixo. Mas, avisa: “A boa notícia é que, o que era uma água parada, faz uns 10 anos que está se mexendo. Se as pessoas não se movimentam e partem sempre do princípio de que tudo é uma porcaria e não fazem sua parte, as coisas não mudam nunca. Resolvemos focar no outro lado, mostrar que no mesmo lugar pobre, na mesma favela violenta podem haver escolas funcionando, passando valores, com competência, com alunos aprendendo português e matemática, medalhistas em química”.
O processo de criação
Foram seis meses de pesquisas para a realização dos filmes. Eles partiram de escolas com bons resultados do IDEB, em áreas pobres, com IDH baixo, e saíram a campo para descobrir como uma escola em área pobre pode dar resultado. “Fizemos primeiro uma viagem precursora, para conhecer os lugares. Depois, saímos para identificar os personagens e, num terceiro momento, partirmos para as entrevistas. Decidimos, também, ouvir depoimentos de pensadores como Tião Rocha e Maria do Pilar Lacerda, entre outros, pessoas que estão envolvidas nas políticas públicas, nos últimos anos, além de protagonistas de nossa história que saíram das escolas públicas, gente que pode comprovar que elas podem dar certo”, conta Bolognesi.
“A resposta para as perguntas que fizemos está nos filmes. Não tem mágica nenhuma, mas muito trabalho”, afirma o diretor, defendendo que “precisamos ter jovens mais capacitados para ser professores, investir na carreira do educador, selecionar diretores por seu mérito técnico e competência e não por meio de indicações políticas. Percebemos que em todas as escolas que funcionam não houve escolhas por apadrinhamento. São necessários testes de seleção, deve-se levar em conta a convivência deles com a comunidade”. Ele convida: “Vamos revolucionar as rede pública e, quem sabe um dia, a gente não vai querer tirar nossos filhos da escola particular para colocar numa pública?”.
Depois da exibição na GloboNews, a série de documentários será distribuída em DVDs encartados em um livro para 50 mil escolas da rede pública em todo o Brasil, ao longo de três anos, com o objetivo de inspirar novas iniciativas na educação.
Por que ver os documentários
Ponto forte do Educação.doc, além de roteiro redondo e trilha que potencializa a força das ações e das falas, são os depoimentos. Exemplo: a história narrada pelo educador Tião Rocha (veja box) sobre um aluno, Álvaro, que o ensinou a enxergar o papel do professor e hoje é seu “anjo da guarda” (“aparece sempre que me distancio do caminho que devo seguir”) é comovente. Entre outras coisas, Rocha revela que “indicava para os alunos da 7ª série os mesmos livros que passava para os da faculdade. Os da 7ª liam tudo e buscavam mais. “Havia rodas de bate-papo e discussão nos sábados e domingos, enquanto na faculdade os livros indicados ficavam pela metade.” E sempre que Rocha se lembrava que ia dar aula para o Álvaro no dia seguinte, ia para casa estudar, pois sabia que seria sabatinado. Há desde uma aluna do Piauí ao especialista Yves de la Taille falando sobre ética, e fala importante do rapper Emicida, contando que viveu o apartheid em sua sala de aula: “A professora punha os brancos assentados na frente e os negros atrás”. Episódio de destaque é também o que discute a escola do futuro. Muitos concordam que o educador vai perder o papel de informador para ser aquele que ajuda a filtrar o excesso de informações e a direcionar para o que o aluno quiser.
Bom exemplo
Alunos da Escola Municipal de Caimbongo (Ibitiara), na Chapada Diamantina (BA), região pobre do interior que está chamando a atenção dos especialistas pela surpreendente qualidade do ensino em 20 municípios. Lá, a educação vem melhorando ano a ano. A explicação: conseguiram que mudanças na política não interrompam projetos na educação.
Bom trabalho
Responsável por um dos depoimentos mais emocionantes do Educação.doc, Tião Rocha é educador, antropólogo e folclorista brasileiro, autor de obras de desenvolvimento cultural e comunitário, além de membro de várias organizações de fomento a iniciativas na área. Fundador e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), organização não-governamental sem fins lucrativos criada em 1984, em Belo Horizonte, que trabalha com educação popular e com desenvolvimento comunitário a partir da cultura.
Ensino brasileiro
180 mil
escolas públicas
20 mil
escolas privadas
2 milhões
professores
44 milhões
alunos