Exposição das obras de Portinari em BH conta história de amizade do pintor com mecenas de origem mineira

Acervo de Raymundo Castro Maya (1894-1968) chega ao Museu Inimá de Paula; artista plástico teve no empresário um dos principais guardiões de sua obra

por Walter Sebastião 20/03/2014 07:13

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MIP/divulgação
'Menino com pião' (1947) é uma das obras que integram a exposição (foto: MIP/divulgação )
O Museu Inimá de Paula exibe 59 pinturas, desenhos e ilustrações de Candido Portinari (1903-1962), vindos da maior coleção pública de obras do artista, pertencente ao carioca Raymundo Castro Maya (1894-1968). Na verdade, BH recebe mais do que uma exposição: com documentos e fotos, conta-se a história da amizade do pintor com o colecionador. “São duas exposições em uma”, avisa a curadora Anna Paola P. Baptista.

 

Relembre trajetória de Portinari em fotos

 

De um lado está o pintor, que se tornou personalidade internacional nas décadas de 1930 a 1950, ícone da arte moderna brasileira. De outro, o mecenas vindo de família de posses, que herdou do pai coleção de arte e a ampliou com trabalhos de Degas, Miró, Picasso e de modernistas brasileiros. Castro Maya não era apenas um colecionador: sua ação ajudou a implantar a arte moderna no Brasil.

A dupla se conheceu na década de 1940, quando Maya procurou Portinari para ilustrar uma edição especial de 'Memórias póstumas de Brás Cubas', de Machado de Assis, que seria lançada pela Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil. A amizade só foi interrompida em 1962, quando o artista morreu. Três seções da mostra são dedicadas à parceria: Colecionador, Mecenas e Amigo.

Castro Maya comprou trabalhos de Portinari em leilões, galerias e no ateliê do pintor. Adquiriu até um quadro vindo da coleção Helena Rubinstein. Encomendou-lhe desenhos para uma edição de 'Dom Quixote'. No Natal de 1943, ganhou de presente um retrato pintado pelo amigo.

 

“A exposição traz um Portinari mais suave, mais lírico, diferente do autor das pinturas de temática social. Isso revela o que Castro Maya admirava na obra dele”, explica a curadora.

Castro Maya considerava o paulista artista-símbolo de sua coleção, lembra Anna Paola. “Portinari representava os ideais de uma arte moderna marcada pela brasilidade, aspecto muito considerado na época e cultivado pelo mecenas”, conta ela.

De acordo com a curadora, o pintor via no amigo alguém importante no cenário cultural que entendia sua obra e a referendava. “Portinari era o único brasileiro ao lado dos mestres internacionais na coleção Castro Maya”, destaca Anna Paola.

 

A exposição foi apresentada em Brasília, Salvador, Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo, Porto Alegre, Vitória e Belém. “Acervo e patrimônio só têm sentido quando compartilhados”, ressalta a especialista, defendendo a importância da itinerância: “É a oportunidade para o público, em especial infantojuvenil, conhecer a arte feita no Brasil”.

Paris

O industrial Raymundo Ottoni de Castro Maya nasceu em Paris. Era filho do culto engenheiro Raymundo de Castro Maya, convidado pessoalmente por dom Pedro II para ser o preceptor de seus netos, e de Theodozia Ottoni de Castro Maya – herdeira do clã Ottoni, tradicional família de liberais mineiros.

MIP/divulgação
Por duas décadas, Castro Maya dedicou-se a reunir obras do amigo, como 'Flores' (1947) (foto: MIP/divulgação )
Entre as criações de Maya está a Sociedade Os Amigos da Gravura. Em 1948, ele ajudou a fundar o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, do qual foi o primeiro presidente.

A Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya foi criada na década de 1960. O Museu do Açude (1964) e o Museu da Chácara do Céu (1972) funcionam em residências da família do colecionador, no Rio de Janeiro. Ambos se tornaram instituições federais em 1983.

 

“Esses acervos revelam um momento de transição do colecionismo. Pela diversidade de objetos, remetem ao século 19 e a gabinetes de curiosidades que reuniam peças variadas, exóticas e interessantes. De outro lado está o colecionismo moderno, já direcionado para a arte moderna europeia e brasileira e para itens ligados à história do Brasil”, explica Anna Paola Baptista.

Em 1939 e 1950, Maya adquiriu 400 originais de Debret. Sua coleção conta também com pinturas de Taunay, mapas e ilustrações de artistas viajantes. “Os museus do Açude e Chácara do Céu significam um e o outro lado da moeda Castro Maya e do nosso modernismo. Valorizam tanto a arte do período colonial quanto o modernismo, a inovação contemporânea”, explica a curadora.

Em 2006, assaltantes levaram pinturas de Matisse, Salvador Dali, Monet e Picasso do Museu Chácara do Céu. “Ainda choramos essas perdas – sentimento que não é só nosso, mas do Rio de Janeiro e de todo o Brasil”, conclui Anna Paola.

PORTINARI NA COLEÇÃO CASTRO MAYA
Museu Inimá de Paula. Rua da Bahia, 1.201, Centro, (31) 3213-4320. Terça, quarta, sexta-feira e sábado, das 10h às 19h; quinta-feira, as 12h às 21h; domingo, das 12h às 19h Até 4 de maio.

Marcos Vieira/EM/D.A Press
Em 2013, Belo Horizonte recebeu 'Guerra e Paz', uma das obras icônicas de Candido Portinari (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
Oportunidade de ouro

Depois do jejum de décadas, BH recebe, em pouco mais de um ano, duas mostras dedicadas a Candido Portinari. Em 2013, 'Guerra e Paz', centrada nos painéis criados para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, foi vista por mais de 82,5 mil pessoas, no Cine Theatro Brasil Vallourec.

A importância dos dois eventos é oferecer contato direto com as obras, permitindo ir além das reproduções. Diante dos originais, fica evidente o quanto Portinari é ótimo pintor e desenhista. Mostras dedicadas a autores modernos contribuem para a melhor compreensão da inovadora recodificação plástica dos criadores do século 20.

Vale lembrar: instituições de BH são carentes de acervos dedicados à arte moderna, lacuna não suprimida pelo amplo acesso à produção antiga brasileira (em especial o barroco) e à arte contemporânea.

É antiga a história de Portinari com BH. Na década de 1940, o inovador quadro Cabeça de galo, exibido na Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte, causou polêmica. Convidado por JK e Oscar Niemeyer, o pintor viu suas obras-primas criadas para a Igreja de São Francisco, na Pampulha, serem rejeitadas pelo arcebispo dom Cabral. Por causa da polêmica, o templo ficou fechado 14 anos. Portinari pintou o painel Civilização mineira, instalado no Palácio dos Despachos, que está sendo restaurado. Ele fez trabalhos também para o Pampulha Iate Clube e Iate Tênis Clube.

NO RIO
. Museu Chácara do Céu
Rua Martinho Nobre, 93, Santa Tereza, (21) 3970-1126

. Museu do Açude
Estrada do Açude, 764, Alto da Boa Vista, (21) 3433-4990

 

Ambos funcionam das 12h às 17h e fecham às terças-feiras.

 

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