

"Às vezes fico surpreso como algumas tiras desenhadas há mais de 40 anos ainda podem ser aplicadas a questões de hoje", declarou o roteirista e desenhista argentino de 81 anos, em uma entrevista por e-mail à AFP de Madri, onde mora parte do ano.
O restante do tempo ele vive em Buenos Aires. Por motivos de saúde não compareceu ao Festival Internacional de Quadrinhos de Angulema (sudoeste da França), que montou uma exposição em homenagem a Mafalda.
Através do olhar crítico da menina de classe média, Quino apresentou a própria visão anticonformista do mundo. Não gosta de futebol - diz que não entende - e que foi apenas duas vezes a um estádio. Mafalda não gosta de sopa e critica o mundo dos adultos.
Seus temas favoritos são os problemas econômicos e sociais, as desigualdades, a injustiça, a corrupção, a guerra e o meio ambiente.
"Sem ir muito longe, ano passado saiu na Itália um livro sobre Mafalda. O mais incrível é como muitas histórias pareciam fazer referência direta à campanha de Berlusconi", comenta.
Revanche imediata
Há exposições previstas na Argentina, Itália, Espanha, Canadá e México sobre Mafalda e os 60 anos de carreira de seu autor, cujo nome verdadeiro é Joaquín Salvador Lavado Tejón, nascido em 17 de julho de 1932 em Mendoza (oeste da Argentina).
Desde o primeiro álbum, "Mundo Quino", publicado em 1963, é considerado um dos principais humoristas gráficos do país.
Mas foi a pequena menina de cabelo preto e fita vermelha que o levou à fama em 1964. Quino havia esboçado a personagem um ano antes, em uma tira de publicidade de uma marca de eletrodomésticos que não prosperou.
"Adaptei a tira. Como não tinha que elogiar as virtudes de nenhum aspirador, a fiz reclamar, carrancuda. Foi uma revanche imediata".
Quino fazia desenhos cheios de humor e poesia 11 anos antes de criar Mafalda e continuou nesta área depois de encerrar as aventuras da popular personagem em 1973.
Sem censura
Depois veio o exílio em Milão em 1976, com o golpe militar, o pior momento de sua vida.
"A pátria significa juventude, portanto o fato de estar longe tornou meu humor um pouco menos vivaz, mas talvez algo mais profundo".
Segundo o desenhista, durante a ditadura "Mafalda não foi censurada". "Acredito que porque a arte das tiras era considerada um gênero menor, que não representava uma ameaça como voz histórica. Os desenhos não aparentavam ser uma arte altamente intelectual e eram percebidos como entretenimento".
Quino explica que acabou com a série porque "estava cansado de fazer sempre a mesma coisa".
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"Além disso, era muito difícil não repetir. Quando não tinha mais ideia, recorria a Manolito ou a Susanita, que eram os mais fáceis. Se tivesse continuado, os mais ricos eram Miguelito e Libertad".
"Havia um professor da minha geração, Oski, e ele nos disse que nunca tivéssemos um personagem fixo. E que se tivéssemos, deveríamos pegar a tira e tapar o último quadrinho com a mão. Se o leitor adivinhasse como terminaria, deveríamos parar de fazê-lo. Me pareceu um bom momento e não imaginei que 40 anos depois continuaria vigente".
Mafalda é muito famosa em vários países e Quino diz que fica surpreso com o fato de ser uma das 10 figuras argentinas mais famosas do século XX.
"Acredito que a temática é comum a todos os grupos familiares humanos, estejam na China, na Finlândia ou na América Latina".
Alguns comparam a menina argentina de classe média a Charlie Brown, personagem criado pelo americano Charles Schulz.
Para Quino, "Mafalda pertence a um país denso de contrastes sociais, que apesar de tudo queria integrá-la e fazê-la feliz, mas ela se nega e rejeita todas as ofertas".
"Charlie Brown vive em um universo infantil próprio, do qual estão rigorosamente excluídos os adultos, com a diferença de que as crianças querem virar adultos. Mafalda vive em um contínuo diálogo com o mundo adulto, mas o rejeita, reivindicando o direito de continuar sendo uma criança".
De acordo com o autor, "Schulz criou personagens antipáticos, simpáticos, bons, maus, invejosos e isto foi uma revolução. Eu peguei bastante dele, mas como não sou americano fiz uma adaptação muito argentina da coisa".
Ao ser questionado sobre como vê a Argentina e o mundo de hoje, Quino mantém a postura.
"Nossa obrigação é acreditar que o futuro vai ser melhor, mas no fundo sabemos que tudo continuará sendo como até agora".