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Em 1971, já no Rio, Henfil lançaria a primeira revista do Fradim, na verdade, um “gibizão”, que reunia uma coletânea do que havia sido publicado pela revista mineira, além de nas páginas do jornal Pasquim. De 1971 a 1980, foram 31 edições nos formatos “tijolo em pé” e “tijolo deitado”, agora acrescidos da de nº zero, em que o filho do cartunista conta tudo sobre a nova coleção, que tem o exemplar vendido a R$ 15 cada.
“Apesar de se tratar de uma revista, a que estamos lançando agora não será vendida em banca, apenas via internet”, adverte o presidente do Instituto Henfil, cuja parceria com Mateus Prado, presidente de honra da ONG Henfil – Educação e Sustentabilidade, possibilitou a reedição do clássico dos quadrinhos brasileiros, que estão sendo vendidos em endereço virtual.
Segundo o também cartunista Nilson, que foi amigo de Henfil, com quem morou, ao lado de Glauco, de 1979 a 1981, os fradinhos surgiram da inspiração do chargista ao conhecer os monges e irmãos Ratton, de Belo Horizonte, em um mosteiro dominicano do Bairro Serra, na região Centro-Sul. “Foi antes do golpe militar, quando havia uma igreja atuante, com a participação de pastorais e de grupos de jovens”, recorda Nilson, salientando o fato de os irmãos Souza – Betinho, Cândida e Zilá – terem se envolvido com o movimento na época.
“Mesmo antes de começar a desenhar, Henfil conviveu com os dominicanos, que acabaram inspirando-o a criar os personagens. Ele contou que um dia estava no mosteiro quando viu passar uma fila de frades. Além de um homem alto (Cumprido) havia um baixinho (Baixim), que, olhando para ele, deu uma risada, tirou metade de um pão debaixo do hábito e deu uma dentada”, recorda Nilson, salientando que, a princípio, a dupla criada pelo chargista tinha algo de Sancho Pança e Dom Quixote, personagens de Miguel de Cervantes.
Humor e molecagem dominam os tipos criados por Henfil, por meio dos quais contestava os padrões de comportamento vigentes. A dupla trouxe à tona, ainda, personagens como Zeferino, Bode Francisco , Orelana, Graúna, Turma da Caatinga, com os quais o chargista usava e abusava do politicamente incorreto para estampar sua crítica social. “É um processo psicológico e político. Cada um de nós tem os dois fradinhos dentro de si”, avalia Nilson, destacando a dialética dos personagens de Henfil.
Depois de um pré-lançamento na Bienal do Rio, o lançamento da nova coleção do Fradim está agendado para 5 de fevereiro, no Museu da República, no Rio, quando Henfil completaria 70 anos. “Nada melhor para marcar a data do que o primeiro grande trabalho dele”, aposta o filho, destacando a hipocrisia, a autocensura e o preconceito do politicamente correto, tão bem criticados pelos dois fradinhos.
Temas como racismo, machismo e homossexualidade foram abordados pelo chargista, que, segundo Ivan, foi “limpando” o traço no decorrer da carreira, cujos primeiros desenhos eram mais detalhados. Para Nilson, Henfil teve a capacidade de calar muito gente com seu traço ao transformar a Graúna, por exemplo, em um ponto de exclamação, enquanto o corpo do Fradim às vezes limitava-se a uma única linha. “O objetivo do desenho dele era passar mensagem”, aposta o filho, lembrando que se Henfil parasse para elaborar o desenho, acabaria perdendo tempo e eficácia.
De acordo com Ivan, com a ditadura o pai teria aprendido a artimanha do que a censura liberava. “Só não podia haver críticas ao governo. Ao povo e ao movimento sindical podia. Então, ele falava mal no sentido de incitar as pessoas contra a ordem das coisas”, analisa Ivan.
Palavra de filho
“Cresci acompanhando os desenhos do meu pai e aprendi a ler com as revistas do Fradim. Cada revista que chegava, seja pelos correios ou entregue pessoalmente, era uma alegria para mim. Mas, é lógico, eu preferia quando ele trazia pessoalmente, porque aí a dedicatória era feita na hora, e eu adorava vê-lo desenhando, os personagens surgindo na minha frente, com uma mensagem para mim.
Mas o mais importante era a visita dele, poder matar as saudades. Meu pai sempre falava que os personagens dele eram meus irmãos, já que eu era filho único. Em uma dedicatória ele escreveu: ‘Pro meu filho mais bonito, os outros 37 são todos feios...’. E de todos esses ‘irmãos’, os que mais me acompanharam foram exatamente os fradinhos e a turma da Caatinga, que faziam parte das revistas do Fradim, que finalmente consigo relançar.”
Sonho da sede própria
A dificuldade em administrar o legado do pai, como pessoa física, levou Ivan Cosenza de Souza a criar o Instituto Henfil em 2009, cujo principal objetivo é catalogar a obra do pai, disponibilizando-a ao público. Com a proximidade do aniversário de 70 anos de Henfil, o filho alimenta a esperança de realizar o sonho da sede própria, para a catalogação e pesquisa dos cerca de 15 mil originais herdados de Henfil, além dos que lhe são oferecidos por terceiros, que ele ainda não pôde aceitar por ausência de espaço físico.
Além de uma quantidade maior de desenhos (tirinhas da Graúna e charges do Orelhão, que são políticas), Ivan também guarda uma quantidade grande das charges esportivas do pai, da época em que Henfil acabou responsável por criar os mascotes de times cariocas, popularizados apenas como Urubu (Flamengo), Bacalhau (Vasco da Gama) e Pó-de-arroz (Fluminense).
Ivan ressalta ainda a presença de uma série de histórias infantis que o pai criou especialmente para ele. “São 12 historinhas que transformei em livros. Não havia textos, que, no entanto, estavam em minha memória. Peguei os rascunhos, colori e botei os textos”, relata a respeito dos livros da coleção Sapo Ivan, que, depois do lançamento de 10 títulos, pela Nova Fronteira, ainda guarda dois inéditos. Henfil, que estreou carreira em Belo Horizonte, com passagens pelo Diário de Minas e Diário da Tarde, além da revista Alterosa, também publicaria em órgãos de imprensa do Rio (O Dia, Última Hora, Jornal do Brasil e O Globo) e São Paulo (Estado de S. Paulo).
Além disso, a trajetória vitoriosa do artista passou pelo Pasquim e Jornal dos Sports, ambos com sede no Rio. Para os que não se recordam, vale lembrar que o batismo de Henfil foi feito pelo escritor e ex-cronista do Estado de Minas Roberto Drummond (1933-2002 ), utilizando as letras iniciais do próprio nome do chargista: Hen(rique) Fil(ho).