Cartas de Carlos Drummond de Andrade integram acervo público em Itabira

Mais de 100 documentos comprados por fundação dedicada ao escritor serão expostos em sua terra natal

por Carolina Braga 29/10/2013 07:52

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Fotos: Jair Amaral/EM/D.A Press
Primo do poeta e superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira, Marconi Drummond Lage destaca o conteúdo familiar do conjunto de documentos (foto: Fotos: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Lavras
– No dia em que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) completaria 111 anos, nesta quinta-feira, os admiradores do poeta, em especial a população da terra natal, Itabira, vão ganhar um presente: a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade acaba de adquirir um lote de documentos raríssimos. São correspondências destinadas a amigos e, principalmente, à mãe dele, escritas a partir de 1915 e que vão até 1986.


Em tempos de debate sobre a importância das biografias, o conjunto de documentos pode ser consideado uma espécie de capítulo de autobiografia, fundamental para a compreensão da vida e obra do poeta. Até então, esse tesouro estava guardado dentro de um armário. O dono era o jornalista e empresário de Lavras, no Sul de Minas, Eduardo Cicarelli. “Estou duplamente feliz. Primeiro porque não queria que essas cartas saíssem de Minas em hipótese alguma. Além disso, porque a história de Itabira agora tem um capítulo de Lavras”, diz.

Cicarelli é colecionador de selos e foi graças ao hobby que descobriu a correspondência de Drummond, há mais de 20 anos. Na verdade, foi por intermédio de um amigo, o advogado Anísio Cader, que conseguiu comprar o lote de documentos de parentes do poeta. Somente anos mais tarde soube que pertenciam a Ita, a cunhada de Drummond, que, por sua vez, herdou as cartas da sogra, Julieta Augusta, mãe do poeta.

Do Rio de Janeiro, o jornalista e empresário levou o material para Lavras com o intuito de fazer uma exposição no Instituto Brasil Estados Unidos da cidade. A mostra não vingou e ele guardou o material por 20 anos. “Se você detém essa informação e não repassa, é preferível nem ter. Chega uma hora que não dá mais para ficar atendendo jornalistas e pesquisadores”, afirma Eduardo. Quando tornou público seu desejo de vender o material, recebeu propostas de um site inglês e também de pesquisadores franceses.


“Imediatamente, fiquei alvoroçado. Não é todo dia que se encontra um lote de documentos tão preciosos, que dizem respeito sobretudo à intimidade do poeta”, conta Marconi Drummond Lage, primo do escritor e atual superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Pelo lote de valor inestimável entregue ontem durante cerimônia realizada em Lavras, a instituição pagou R$ 21 mil.

“São cartas endereçadas à mãe e conhecemos pouco da relação dele com ela. Com o pai, a obra traz alguns apontamentos. As cartas guardam muito sobre rotinas familiares, a saúde, o nascimento da filha, a notícia do noivado. É um manancial riquíssimo que ainda está por ser desvendado”, completa Marconi.

O lote tem 212 itens, entre cartas, fotografias, bilhetes, postais, escrituras e telegramas. O que mais chama a atenção são as trocas de afetos com a mãe, Julieta. Para se ter uma ideia da delicadeza com que se tratavam, sempre iniciava as correspondências com “Querida mamãe” e terminava com pedidos de bênçãos, uma curiosidade para o poeta de conhecido ateísmo. “Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores”, escreveu em 1948.

TIMBRADO Em geral, as correspondências foram escritas em papéis timbrados do Ministério da Educação e Saúde, onde o poeta trabalhava na época como chefe de gabinete de Gustavo Capanema. O envelope era timbrado com o nome dele. Algumas das cartas ficaram incompletas. As peças mais antigas datam de 1892 e são escrituras da família Drummond.

Com a letra do poeta, bem pequena, o que há de mais antigo é uma folha de cheque do Banco da Amizade, entregue a Ita, a cunhada. O valor em questão era 365 dias de felicidade. Em uma clara brincadeira de criança, ele assina como Carlito o documento trocado em 28 de dezembro de 1915, quando tinha 13 anos. Nos cartões de visita endereçados à família, riscava o sobrenome, uma forma de ressaltar intimidade. Uma carta para Naná, de dezembro de 1986, é o último documento assinado por ele.

Em meio a tanta raridade, há uma carta enviada ao irmão Flaviano em 1925, informando o desejo de se casar com Dolores, o que ocorreu em 30 de maio daquele ano. “Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento”, redigiu. O lote tem também o cartão que comunica o nascimento da filha, Maria Julieta, em março de 1928, assim como a foto oficial da formatura em farmácia, em 1925. Na dedicatória: “Ao meu bom pai, lembrança de um amor filial”.

FONTE PARA PESQUISA

Assim que chegar a Itabira, o material fará parte do acervo do Memorial Carlos Drummond de Andrade. Antes de estar disponível para o público, os documentos serão higienizados e acondicionados corretamente. “Nesse processo vamos fazer a digitalização. É uma forma de salvaguardar o acervo e permitir que ele seja consultado a distância. A ideia é fazer um banco de dados”, informa Marconi Drummond. Segundo ele, com a aquisição deste lote Itabira se insere no mapa de instituições que guardam a memória do poeta, junto à Fundação Casa de Rui Barbosa e o Instituto Moreira Salles, ambos no Rio de Janeiro.

O Memorial Carlos Drummond de Andrade recebe anualmente média de 11 mil visitantes. O espaço mantém exposição permanente de livros e documentos. Entre as raridades do acervo, obras traduzidas para o alemão, inglês, italiano, espanhol e holandês. Outra recente aquisição é um exemplar de Alguma poesia, o primeiro publicado por Drummond, em 1930. “Acho que o que estamos levando para Itabira é um baú de prendas, como ele mesmo fala em sua obra”, resume Marconi.

Assim que chegar a Itabira, o material fará parte do acervo do Memorial Carlos Drummond de Andrade. Antes de estar disponível para o público, os documentos serão higienizados e acondicionados corretamente. “Nesse processo vamos fazer a digitalização. É uma forma de salvaguardar o acervo e permitir que ele seja consultado a distância. A ideia é fazer um banco de dados”, informa Marconi Drummond. Segundo ele, com a aquisição deste lote Itabira se insere no mapa de instituições que guardam a memória do poeta, junto à Fundação Casa de Rui Barbosa e o Instituto Moreira Salles, ambos no Rio de Janeiro.

O Memorial Carlos Drummond de Andrade recebe anualmente média de 11 mil visitantes. O espaço mantém exposição permanente de livros e documentos. Entre as raridades do acervo, obras traduzidas para o alemão, inglês, italiano, espanhol e holandês. Outra recente aquisição é um exemplar de 'Alguma poesia', o primeiro publicado por Drummond, em 1930. “Acho que o que estamos levando para Itabira é um baú de prendas, como ele mesmo fala em sua obra”, resume Marconi.

Leia trechos de cartas escritas por Drummond e familiares

De próprio punho

Jair Amaral / EM / DA PRESS
(foto: Jair Amaral / EM / DA PRESS)
3 de maio 1925


“Flaviano, abraço a todos Vou dar-te uma notícia: pretendo casar-me no dia 30 de maio próximo futuro com a srta. Dolores Morais. Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento.”

4 de maio 1943

“Querida mamãe, Aqui esta de novo seu filho depois de alguns dias de silencio, motivado pela trabalheira no ministério. De saúde vamos todos bem aqui nesta casa. A vida é normal, apesar da carestia de gêneros que a guerra tem determinado. Como deve saber, falta municipalmente açúcar e o governo resolveu racionar esse produto, para evitar mal maior. A quantidade de que dispomos, entretanto, é suficiente para o gasto normal. Espero que também aí a senhora não esteja privada do necessário. Se houver falta de alguma coisa, talvez eu possa ajudá-la, remetendo, por portador. Não tenha, pois, constrangimento em escrever.”



De Maria Julieta para Julieta

Rio, 5 de agosto de 1943


“Dindinha, Papai ganhou de um admirador incógnito uma rede colorida. Instalamo-la na pérgola e atualmente, o maior encanto da família consiste em munir-se de enorme provisão de biscoitos e – um livro debaixo do braço, Puck saltando atrás – deitar-se na rede. (...) Muito obrigada por tudo, Dindinha. A senhora é um amor. E eu serei sempre a neta dedicada. Maria Julieta”

Rio, 27 de fevereiro 1948


“Querida mamãe, Hoje resolvi fazer-lhe uma surpresa: mandar-lhe estas fotografias, para despertar na senhora algumas saudades. Lembra-se desse lugar? Certamente que sim. É o seu antigo Colégio de Macaúbas, onde a senhora passou algumas horas de sua vida.

Continuo naturalmente sem notícias suas, mas fico desejando que elas não sejam más. Como eu desejaria fazer alguma coisa para confortá-la em sua doença! Só me resta, porém, pensar afetuosamente na senhora e desejar-lhe dias tranquilos no seu cantinho do São Lucas.

Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores. Todo carinho e saudades do Carlos”

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