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Depois de passar, há uma década, por restauro estético para conservação e limpeza, 'Civilização mineira' foi desmontado pela primeira vez. Isso permite à equipe do Grupo Oficina de Restauro, responsável pelo trabalho, descobrir detalhes da técnica de montagem até então desconhecidos.
“A definição final da montagem ainda está em discussão”, explica Rosangela Reis Costa, que lidera a equipe técnica responsável pela restauração do painel. Um dos temas discutidos é a moldura em jacarandá baiano escuro (material usado nas escadas do Palácio dos Despachos, projetado por Luciano Amedée Peret). Ela tem três camadas de tinta em tom bege-esverdeado, mas Portinari não aprovava esse tipo de intervenção em seu trabalho. O pintor preferia a borda pintada de branco diretamente no painel.
“Na verdade, não há nada muito organizado em relação ao painel, o de maiores dimensões em Belo Horizonte. Como apenas pequenos documentos o citam, somente agora ele terá sua história devidamente escrita”, comemora Rosangela. Todo o projeto vem sendo documentado e exaustivamente debatido, reforça a especialista. Nada será apagado, obedecendo ao princípio de reversibilidade da restauração.
Equipe de quatro técnicos liderada por Rosangela comanda a desmontagem do painel. A escovação é etapa importante, pois permite remover resquícios deixados por cupins. “É uma verdadeira chuva de cupim”, comenta Rosangela, enquanto assiste ao escovamento da madeira da parede frontal da entrada do Palácio dos Despachos. Além dos restauradores, integram o grupo historiadores, artistas plásticos, químicos e fotógrafos especializados em luz.
“As técnicas são as mesmas empregadas no Guerra e paz, trabalho comandado pelos restauradores Cláudio Valério e Edson Mota Filho”, informa Rosangela, lembrando que 'Civilização mineira' foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). Os estudos começaram no início de 2012, mas só em setembro os trabalhos de restauro foram iniciados. A conclusão está prevista para o ano que vem, quando a Casa Fiat de Cultura, atualmente instalada no Belvedere, funcionará no Palácio dos Despachos. A reabertura está prevista para junho.
Orgulho
Ana Vilela, gestora da Casa Fiat de Cultura, diz que é motivo de orgulho o governo mineiro ter confiado patrimônio de tal importância à instituição. “É o reconhecimento do trabalho de sete anos que desenvolvemos. Um de nossos objetivos é valorizar, preservar e difundir o patrimônio histórico, artístico e cultural”, garante.
De acordo com ela, a restauração de 'Civilização mineira', orçada em R$ 317 mil, foi viabilizada pela Lei Rouanet graças à parceria entre Ministério da Cultura, governo do estado e Iepha-MG. “Isso só vem reforçar a política cultural da empresa, trazendo a possibilidade de o público desfrutar da obra do grande mestre do modernismo brasileiro”, diz Ana.
A gestora lembra que o painel, além de remeter à transferência da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte, traz a alegoria da Inconfidência Mineira, “referência da identidade dos brasileiros”.
Haja confusão
A onda modernista que atualmente contamina Belo Horizonte não se limita a resgatar a importância da cidade para o movimento artístico que tem o conjunto da Pampulha como um de seus símbolos. Ela também restaura – em boa hora – a relação da capital com Candido Portinari. Criadas para a Igreja de São Francisco, obras do pintor geraram uma batalha político-religiosa. Na época, o arcebispo de Belo Horizonte, dom Antônio dos Santos Cabral, rejeitou o conjunto modernista, condenando “fantasias de artistas” e “extravagâncias que podem muito bem ficar em salões de arte”.
Inaugurada em 1945, a igreja ficou fechada por 14 anos. Só foi aberta aos fiéis em 1959, três anos depois de Portinari pintar os painéis Guerra e paz para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Comunista assumido, o artista plástico brasileiro não conseguiu visto de entrada nos Estados Unidos.
Outra polêmica mineira envolvendo Portinari se deu em 1944. Seu quadro abstrato Cabeça de galo, exibido na Exposição de arte moderna de Belo Horizonte, provocou intensos debates na capital. Boa parte do público rejeitou a obra, ironicamente apelidada como Olag.