Cine Brasil reabre as portas com exposição de painéis monumentais de Portinari

'Guerra e paz', de Candido Portinari foi montado na capital. Público pode ver ainda conjunto de estudos do artista para as peças

por Gustavo Werneck 02/10/2013 08:34

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Leandro Couri/EM/D.A Press
Montagem dos murais, que vieram de São Paulo, termina nesta quarta-feira no centro cultural da Praça Sete. Painéis tem 14m de altura e 10m de largura (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Os mineiros vão assistir a uma exposição que encanta os olhos do mundo, emociona todos os povos e tem o poder de unir, em obras de arte, tempos de guerra e paz. Será aberta no dia 9 – e vai até 24 de novembro – no Cine Theatro Brasil Vallourec, na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, a mostra dos dois painéis que Candido Portinari (1903-1962) fez na década de 1950 para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Estados Unidos. A montagem de 'Guerra e paz', que inaugura o novo centro cultural da capital, deve terminar nesta quarta-feira, depois de três de trabalho. “É uma operação complexa, que exigiu também logística de transporte especial de São Paulo a BH, com uso de três caminhões”, disse ontem a diretora-executiva do Projeto Guerra e Paz, Maria Duarte, atenta a todos os detalhes de instalação dos murais no palco do cine-teatro de 1 mil lugares.

Veja mais fotos dos painéis 'Guerra e Paz' no Cine Brasil

Não é à-toa que a obra é chamada de monumental. Cada mural tem 14m de altura e 10m de largura e, na tarde de ontem, equipes de 30 pessoas davam forma à obra-prima pintada a óleo sobre compensado naval. No total, são 28 placas cobrindo uma superfície de 280 metros quadrados, maior, conforme os estudiosos, do que o Juízo Final concebido por Michelangelo para a Capela Sistina, no Vaticano.

A montagem por si só já é um espetáculo – e chega a arrepiar. Depois de retiradas das caixas, as placas, cada uma com 2,2m de altura por 5m de largura e pesando 75 quilos, são cuidadosamente colocadas sobre uma mesa e verificadas pelos especialistas Edson Motta Júnior e Cláudio Valério Teixeira, também responsáveis pela restauração dos painéis no Rio de Janeiro, em 2010. Eles checam as peças, conferem se há fungos e chegam a cheirá-las, num cuidado que impressiona os leigos.

BELEZA A etapa seguinte parece um balé, embora tudo seja fruto do treino e técnica. Dois grupos de homens, dispostos dos dois lados da mesa, levantam a placa e depois a conduzem, em sincronia, até a estrutura de metal, feita especialmente para a exposição. Ali, outra equipe está a postos para recebê-las e encaixá-las, usando equipamentos de segurança que parecem de alpinistas. Por volta das 15h, o painel 'Guerra' já estava quase totalmente pronto, enquanto 'Paz' chegava perto da metade. Olhando o serviço, impossível não pensar que a paz realmente demora mais para ser construída e que a arte imita a vida.

A montagem da exposição, iniciada segunda-feira, foi ótima oportunidade para ver a beleza do novo centro cultural, cujo prédio em estilo art-déco, agora com linhas bem realçadas pela restauração, abriu pela primeira vez sua bilheteria e portas em 14 de julho de 1932. Maria Duarte destacou que a casa foi a única, pelo altura do pé direito, em condições de receber os painéis de Portinari.

Apesar de os painéis estarem no Brasil desde 2010 e terem sido expostos no Rio e São Paulo, a mostra em BH será a maior no país, diz Maria Duarte. Serão mostrados também, em outro andar, dezenas de estudos feitos por Portinari para produzir as obras. “Nem o próprio pintor teve a chance de ver todo este material em seu conjunto”, diz o fundador e diretor-geral do Projeto Portinari, João Candido Portinari, responsável pelo Projeto Guerra e Paz. Depois da passagem por BH, os painéis serão expostos em Paris, na França, antes de serem devolvidos à ONU em junho de 2014.

Serviço

Exposição: 'Guerra e paz', de Candido Portinari
Local: Cine Theatro Brasil Vallourec, Praça Sete, BH.
Data: 9 de outubro a 24 de novembro.
Horário: Sessões para 400 pessoas a cada hora, entre as 10h e as 19h. Entrada gratuita

Interação e criatividade

Vencedora do prêmio de melhor exposição de 2012 pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), 'Guerra e Paz'  ocupará todos os espaços do Cine Theatro Brasil Vallourec. O acesso a partir do dia 9 será feito por meio de sessões, de hora em hora, com capacidade cada uma para 400 pessoas. A primeira será às 10h e a última às 19h, já que o local fechará às 20h A entrada gratuita será por ordem de chegada, sem retirada prévia de senha. Antes de apreciar a beleza dos monumentais painéis, o público assistirá a um vídeo de 10 minutos sobre a história e o processo criativo de Portinari na elaboração dos painéis. Escolas devem marcar visitas por meio do email educativo@portinari.org.br.

No Salão de Eventos, no sexto andar do edifício, serão expostos mais de 60 estudos preparatórios para a produção dos murais elaborados entre 1952 e 1956 – obras, coleções internacionais particulares, desde pequenos esboços a lápis sobre papel a grandes estudos a óleo sobre madeira, merecem destaque na mostra. Também nesse piso, o público terá a chance de conhecer mais sobre a história de Candido Portinari, por meio de uma centena de documentos históricos, como cartas, fotos, jornais de época, depoimentos e objetos pessoais.

E tem mais: haverá destaque para as obras interativas 'Templo Portinari', que apresenta a relação do pintor com grandes nomes da intelectualidade nas décadas de 1920 a 1950, entre eles o presidente Juscelino Kubitschek, o arquieto Oscar Niemeyer e o poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade, além do Carrossel Raisonné, que conta com 5 mil obras, organizadas de forma cronológica, desde a primeira pintura feita por Portinari aos 11 anos até a última, inacabada. “O acervo do Projeto Portinari não se restringe à vida do pintor, mas ao retrato de uma época. É um trabalho precioso, exemplo internacional, de conservação e difusão da história por meio da arte”, destaca Maria Duarte..

RELEITURAS
A galeria do quinto andar será dedicada às releituras de 'Guerra e Paz' feitas por outros artistas. São três grandes esculturas em bronze produzidas pelo artista plástico mineiro Sérgio Campos e 20 telas bordadas pela Família Dummond, de Brasília. Já o foyer superior conta com estrutura para receber crianças e adolescentes de escolas públicas e privadas que visitam a exposição por meio do programa educativo. No teatro para 200 lugares, no andar térreo, serão exibidos vídeos históricos do acervo do Projeto Portinari.

A concretização do projeto só foi possível com o investimento financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A realização da exposição em BH é fruto da parceria entre Vallourec e Projeto Portinari e apoio da ONU e dos ministérios das Relações Exteriores e da Cultura.

MEMÓRIA: Poeta dos murais

Candido Portinari nasceu em 30 de dezembro de 1903 no interior de São Paulo, passou a infância em Brodowski e, aos 15 anos, foi para o Rio de Janeiro, com papel e cores em punho. Sem curso primário completo e à custa de muita obstinação e talento, tornou-se um dos mais famosos pintores das Américas. Com sua morte prematura, aos 58 anos, deixou um legado de mais de 5 mil murais, afrescos e painéis, pinturas, desenhos e gravuras, que representam, segundo pesquisadores, uma síntese crítica de todos os aspectos da vida brasileira. O pintor esteve sempre às voltas com o contraponto entre o drama e a poesia, evoluindo no tempo, do regional para o universal. Quando recebeu o convite para fazer os painéis 'Guerra e Paz', Portinari já estava proibido de pintar pelos médicos, que tentavam amenizar o processo de envenenamento pelas tintas. Mas ele não recuou ao desafio e ao maior trabalho de toda a sua vida. Morreu em 6 de fevereiro de 1962.


UM PRESENTE PARA A ONU


Presente do governo brasileiro à sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, os painéis 'Guerra e Paz' foram encomendados a Portinari no fim de 1952. Contrariando as recomendacões médicas, pois estava proibido de pintar por sintomas de intoxicação, o artista aceitou o convite. E por quatro anos, no auditório da TV Tupi, no Rio, trabalhou com afinco na elaboração de 180 estudos, esboços e maquetes para os murais. Em 5 de janeiro de 1956, Portinari os entregou ao ministro das Relações Exteriores, Macedo Soares, para a doacão a ONU. Mas ninguém havia visto 'Guerra e Paz' em sua plenitude, nem mesmo o artista. Começou, então, um movimento público e um grupo de intelectuais apelou ao Itamaraty para que os painéis fossem expostos no Brasil antes do irem para os EUA. Assim, os brasileiros tiveram a chance de ver a obra-prima no Teatro Municipal do Rio.

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