Autobiografia de Max Cavalera revela momentos marcantes do Sepultura

Livro mergulha nos problemas e superações vividos pelo vocalista e guitarrista mineiro

por Ailton Magioli 27/09/2013 07:20

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Hugo Correia/Reuters - 30/5/10
Cavalera durante apresentação no Rock in Rio Lisboa, com a banda Soufly: reconhecimento internacional (foto: Hugo Correia/Reuters - 30/5/10)
“Toda a verdade sobre a maior lenda do heavy metal brasileiro”. É dessa forma pomposa que o livro 'My bloody roots', de Max Cavalera, que está sendo lançado no Brasil pela Agir, é apresentado aos leitores. Mas a promessa é para valer: não faltam boas histórias e revelações. Tradutor da autobiografia do cantor e guitarrista mineiro criador do Sepultura, o jornalista Roberto Muggiati diz que o livro dá ao leitor e admirador do músico a possibilidade de enxergar “dois lados de uma mesma palheta”.

“O Max Cavalera que hoje sobe ao palco com o Soulfly mantém o vigor dos dias do Sepultura”, garante o jornalista. “Por outro lado, o adolescente que encontrou na música uma forma de aliviar a ausência do pai viria a enfrentar ainda muitos eventos trágicos, que o transformariam ao longo dos anos”, analisa.

Dos excessos da vida de um astro do rock até o afastamento da bebida (provavelmente um de seus maiores inimigos) e o refúgio na vida em família, o Max Cavalera da autobiografia é outro. “Aí talvez esteja uma das grandes revelações do livro: muitos daqueles que veem Max sobre o palco talvez não compreendam a importância que – por mais paradoxal que isso pareça – a família e Deus têm em sua vida”, garante o tradutor Muggiati, especialista em música popular internacional, autor dos livros 'Rock: o grito e o mito','Blues: da lama à fama' e 'New jazz – De volta para o futuro'.

Escrito por vários motivos, segundo o próprio autor, 'My bloody roots' tem por objetivo principal relatar “a verdade sobre o Sepultura, a minha amada primeira banda, e a razão pela qual a deixei, que não foram integralmente reveladas até agora, tampouco a verdade sobre a minha luta contra o álcool e as drogas analgésicas”. Para Max Cavalera, portanto, “chegou a hora de esclarecer as coisas”.

O livro apresenta ao público um Max contemplativo e de certa forma nostálgico, passando a limpo não só sua carreira, mas toda a vida. “Pela primeira vez, Max discorre abertamente sobre seu problema com o álcool, narrando os episódios que o levaram ao fundo do poço e sua posterior recuperação. O livro leva os fãs a conhecerem o ser humano por trás do artista, a motivação que o levou a certas decisões, seus anseios e temores, a importância da família em tudo o que faz”, diz o tradutor.

O sucesso mundial do Sepultura, que nasceu na Belo Horizonte dos anos 1980, não foi mero acaso, de acordo com Muggiati. “Se num primeiro momento a falta de técnica – quando ainda eram adolescentes aprendendo a tocar seus instrumentos – era compensada pelo vigor e pela rapidez essenciais ao death metal, a chegada de Andreas Kisser para o lugar de Jairo Guedes ajudou a colocar óleo numa máquina que já vinha bem engrenada”.

Talvez o diferencial do Sepultura tenha sido a ambição de seus integrantes de buscar sempre a superação, a inovação, o inusitado. “Cada novo álbum deixava evidente o amadurecimento da banda, na parte técnica e na composição. Não bastavam novas canções tão boas quanto as precedentes, eles buscavam sempre oferecer aos fãs algo diferente, que os instigasse e envolvesse. Quem sabe o que viria depois de Roots caso a banda permanecesse unida?”, pergunta Muggiati.

Silêncio e caos

O jornalista lembra que entre o silêncio de João Gilberto, o pai da bossa nova, e o caos do Sepultura, há uma série de artistas brasileiros reverenciados no exterior, por seu talento e criatividade. “De Sérgio Mendes à turma da Tropicália; de Tom Jobim a Jorge Benjor, passando mais recentemente pelo Cansei de Ser Sexy, muitos foram os brasileiros que, com um grau maior ou menor de reconhecimento, caíram no gosto do público estrangeiro”.

No caso do Sepultura, a autobiografia de Max deixa claro que muito do sucesso internacional da banda vem do esforço e da obstinação de seus integrantes. “Num tempo sem internet – a MTV havia acabado de nascer e a transmissão de informações ocorria basicamente por meio de fanzines – chegar aonde o Sepultura chegou foi uma empreitada grandiosa”, admite o tradutor.

“Além do talento inegável e da força de suas composições, o elo da banda com os fãs era algo muito forte. O Sepultura sempre colocou a música acima de tudo: eram fãs do metal tocando para outros fãs. Além disto, é bom lembrar que o nicho do metal é bastante receptivo a bandas que fogem do eixo EUA-Inglaterra. Vejam, por exemplo, a quantidade de artistas vindos de locais como Alemanha, Escandinávia e países do Leste europeu. O Sepultura soube explorar muito bem essa receptividade”, acrescenta.

Notório por suas inúmeras colaborações com outros artistas, em mais uma demonstração do respeito que conquistou ao longo dos anos, Max Cavalera trabalhou com alguns de seus maiores ídolos. De Tom Araya (Slayer) e Jello Biafra (Dead Kennedys) a artistas importantes de sua geração, como Mike Patton (Faith No More) e Rex Brown (Pantera), passando por muitos de seus admiradores, como Dave Grohl (no projeto Probot) e Sean Lennon, entre outros que comparecem em My bloody roots. O prefácio do livro é assinado por Dave Grohl, do Foo Fighters e ex-Nirvana.

O cantor


Numa passagem significativa do livro, Max pergunta a Lemmy Kilmister se o Sepultura poderia incluir Orgasmatron, do Motörhead, em seu show, pedido que lhe é negado porque, segundo o vocalista da banda inglesa, a voz de Max “vem da garganta, e não do estômago”. É justamente esse modo de cantar, na opinião de Roberto Muggiati, que dá a Max “o vigor para rivalizar com a força das guitarras, baixo e bateria, atropelando como uma locomotiva sem freios tudo o que encontra pela frente. Esse modo de cantar se encaixa perfeitamente com o tom de suas composições, incorporando a brutalidade das letras e a fúria da música”.

MY BLOODY ROOTS
. De Max Cavalera, tradução de Roberto Muggiati
. Editora Agir, 208 páginas, R$ 39,90

Três perguntas para...

Roberto Muggiati
escritor e tradutor

A saída de Max Cavalera do Sepultura foi cercada de muito falatório, afinal envolvia inclusive relações familiares. Em que o livro contribui para esclarecer o episódio?

O livro conta pela primeira vez a versão nua e crua de Max sobre os desentendimentos que acabaram levando ao seu desligamento do grupo. Fica a impressão de que hoje, mais de 15 anos depois da separação, todos os envolvidos parecem arrependidos – não do que fizeram, mas sim da maneira como a coisa se desenrolou. Max, particularmente, atravessava um período muito difícil depois da morte de seu enteado e reconhece no livro que a banda deveria ter dado um tempo para depois retomar as atividades de cabeça fria.
    
E a entrada em cena no Soulfly, o que a banda acrescenta na trajetória de Max?

O Soulfly representa um novo leque de possibilidades na carreira de Max, libertando-o de qualquer amarra. Musicalmente, não há nada que não possa ser feito pela banda. Ou, melhor dizendo, bandas, já que a formação do Soulfly está em constante rotação. Dado o caráter altamente inventivo e exploratório de Max, o Soulfly parece lhe propiciar maior liberdade para experimentações. Não que isso necessariamente fosse impossível de acontecer no Sepultura, mas certamente seria mais difícil, pelo grau de importância que a banda atingiu, levando-a a assumir cada vez menos riscos.
    
Até que ponto o Sepultura resiste sem o seu principal vocalista?

Entre mortos e feridos, o Sepultura sem Max conseguiu o mais difícil: manter-se relevante. A banda não perdeu somente seu vocalista, mas também seu principal compositor e a força motriz que a levava adiante. Podemos apenas especular até onde o Sepultura com Max poderia ter chegado, mas, passados 17 anos, é inegável que o grupo ainda tem seu espaço no mundo do metal em particular e da música em geral. Há que se dizer também que a banda acertou ao escolher Derrick Green para assumir os vocais – não para substituir Max, mas sim para escrever capítulos totalmente novos na história da banda, em álbuns bem construídos, como Roorback, Dante XXI e A-Lex. Nem mesmo a saída de Iggor Cavalera, em 2006, conseguiu abalar sua trajetória e ainda hoje, em 2013, o Sepultura é respeitado como um dos grandes nomes do metal – como pôde testemunhar o público que assistiu às duas apresentações da banda no Rock in Rio (uma no palco principal, com Les Tambours du Bronx, outra no palco secundário, fazendo uma improvável parceria com Zé Ramalho).

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