Foi de repente que a artista plástica Beatriz Milhazes se deu conta: já são 30 anos de carreira. “Dizem que você calcula a partir da primeira exposição. Então, foi 1983. Passa rápido demais”, espanta-se a carioca, nascida em 1960. Seja uma feliz coincidência ou não, a data exata marca o retorno dela às exposições no Brasil. De hoje até 22 de setembro, a mostra 'Um itinerário gráfico' traz à Galeria GTO do Sesc Palladium em Belo Horizonte nove serigrafias e um livro feitos entre 1996 e 2003. Tem mais.
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No entanto, todo o reconhecimento internacional e o posto de artista brasileira viva com a obra mais cara vendida em leilão – US$ 2,098 milhões pagos no ano passado pelo quadro 'Meu limão' (2000) – não afetaram o modo como Beatriz encara o próprio ofício. “Acredito que o trabalho do artista plástico está muito relacionado ao do cientista. No fim você fica adicionando coisas”, resume. É assim que vai transformando a própria obra e, cada vez mais, chamando a atenção do público e do mercado.
O conjunto que vem a Minas é composto por serigrafias de grandes dimensões que marcaram o início da trajetória internacional. “Vocês verão a primeira delas, que até hoje é considerada uma das mais emblemáticas”, informa. Foi justamente na exposição realizada em Nova York, em 1996, que Beatriz conheceu Jean-Paul Russell, dono da Durham Press (EUA), e iniciou a parceria que dura até hoje para a impressão de suas obras com tecnologia avançada.
Foi ele quem imprimiu artesanalmente as gravuras que fazem parte desta série inaugural e até hoje tem dado suporte a todas as experimentações de Beatriz. Ela, inclusive, todos os anos, passa temporadas no interior da Pensilvânia pesquisando novos caminhos para sua arte. Foi em uma dessas investidas que ela decidiu acrescentar listras aos círculos, uma marca quase registrada de Milhazes. “Tinha dificuldade em introduzir a linha reta. Depois percebi uma coisa simples e que é complexa ao mesmo tempo: por meio da cor e do listrado poderia criar o mesmo movimento ocular. Então, introduzi novas questões, novos problemas, que fazem toda a obra se mexer em torno disso”, afirma.
Círculos e listras
Como diz, os anseios são sempre os mesmos, apesar de mudarem constantemente de figura. Para ela, ter carreira consolidada não é sinônimo de calmaria. “O fato de expor fora do Brasil não quer dizer que se é um artista internacional”, afirma. Segundo ela, isso depende de um conjunto de fatores que incluem participações frequentes em mostras coletivas e individuais no exterior, representação por galerias conceituadas e presença em leilões, além de publicações.
“Com o tempo passando, o grande desafio é dar conta de uma história que vai crescendo, mas é preciso se desafiar. Manter o seu trabalho interessante para você e, com sorte, para a sua audiência também”, afirma. Beatriz Milhazes se define como artista bem racional. Reconhece que lida com questões delicadas, imagens cuja organicidade é fruto da vida cotidiana, mas o tempo inteiro procura quebrar o lugar-comum.
Ela, que já passou por círculos, listras, colagens e tantos outros elementos, tem o olhar instigado por algo bem mais antigo. Vêm aí os experimentos de Beatriz Milhazes e a arte primitiva, tribal e popular. “Tenho visto obras desde indianos até alguns africanos, artistas tribais e arte aborígene ”, revela.
Artesanal e contemporâneo
“Considero Beatriz a artista brasileira que melhor enfrentou a questão da pintura contemporânea a partir de um método de trabalho pautado em procedimentos da colagem e da gravura”, diz a curadora Luiza Interlenghi. Segundo ela, pensamento gráfico presente na obra é algo que deve ser disseminado em todo o país. É esse o objetivo da mostra 'Um itinerário gráfico'.
Além de Belo Horizonte, os trabalhos vão percorrer o interior, passar por outras cidades, entre elas Uberlândia, no Triângulo. “Apesar de ser uma mostra pequena, é muito significativa. Por meio da gravura ela apresenta a evolução do trabalho”, comenta. Para ela, o papo de que no interior do Brasil não há público para as artes plásticas é balela. “Se não existe, você pode criar”, resume.
Para a curadora, o conjunto selecionado apresenta o quanto Beatriz enfrentou os desafios da pintura contemporânea. Sendo ela um método que implica manipulação do pincel com a mão sobre a tela, o presente tende a valorizar a reprodutabilidade da imagem. “Então, quando Beatriz desenvolve um método que mantém uma atividade da mão, mas essa atividade é mediada pela transferência da cor do pincel para uma folha de plástico e dele para a tela, responde ao dilema do pintor de ter uma atividade artesanal no mundo industrial”, explica.
Luiza Interlenghi analisa a obra de Beatriz Milhazes como um percurso cheio de curvas, tensões, contrastes, dilemas, desafios e respostas. “É incrível como ela elabora a cor graficamente. A cor e a forma, a cor e o desenho estão sempre juntos. Matisse (1869-1954) afirmava isso. Na prática de ateliê, Beatriz encontrou essa verdade. A relação indissolúvel entre a cor e o desenho”, completa.
Geração 80
Representante da chamada Geração 80, grupo de artistas que usaram a pintura em contraposição à vertente conceitual dos anos de 1970, Beatriz Milhazes é pintora, gravadora, ilustradora e professora. Formou-se em comunicação social no Rio de Janeiro, em 1981, e iniciou-se em artes plásticas ao ingressar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, em 1980, onde mais tarde lecionaria e coordenaria atividades culturais. Suas obras fazem parte de acervos dos museus Museum of Modern Art (MoMa), Solomon R. Guggenheim Museum e The Metropolitan Musem of Art (Met), em Nova York.
>Beatriz Milhazes: Itinerário Gráfico
Local: Galeria de Arte GTO do Sesc Palladium
Endereço: Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro
De terça a domingo, das 9h às 21h, até 22 de setembro. Entrada franca.
>Encontro com Beatriz Milhazes
Dia:14 de setembro, às 15h
Local: Teatro de Bolso Júlio Mackenzie do Sesc Palladium
Endereço: Avenida Augusto de Lima, 420, Centro
Entrada franca, com retirada de senhas meia hora antes do evento, sujeito à lotação do espaço.