Seria possível contar a história da arte a partir de obras produzidas exclusivamente por mulheres? Durante um ano e meio, equipe do Centro Georges Pompidou, em Paris, que abriga uma das maiores coleções de arte contemporânea da Europa, trabalhou essa ideia. O esforço gerou elles@centrepompidou, panorama de 500 obras de 200 artistas que levou dois milhões de pessoas ao Beaubourg em 2009 e 2010. A exposição virou referência não só pela intensa visitação, mas pelo ineditismo e ambição da empreitada.
Depois da iniciativa francesa, o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) publicou catálogo com todos os trabalhos de sua coleção produzidos por mulheres. O Pompidou, por seu lado, fez novas aquisições e recebeu doações de colecionadores privados – inclusive de peças das brasileiras Lygia Clark e Lygia Pape.
BH verá um recorte do que foi exibido em Paris: seis dezenas de trabalhos de 1907 a 2010, divididos em cinco seções. “É uma releitura das artistas. Tentamos entender melhor o papel das mulheres no desenvolvimento da arte. Há várias feministas entre elas, mas quisemos criar exposição não só sobre o feminismo, mas sobre como elas expressaram sua criatividade”, explica Emma Lavigne, que assina a curadoria ao lado de Cécile Debray – ambas são do Centro Pompidou. No Rio de Janeiro, onde ficou em cartaz de maio a julho, a mostra foi visitada por 240 mil pessoas.
Os formatos são múltiplos: pintura, escultura, desenho, fotografia, vídeo e instalação. “Também quisemos enfatizar os links entre a França e o Brasil. Para o recorte brasileiro, adicionamos trabalhos como os de Maria Helena Vieira da Silva (portuguesa naturalizada francesa), que, durante a Segunda Guerra, viveu entre o Brasil e a França. Há também nomes importantes não apenas para o Brasil, mas para o mercado internacional de arte. É o caso de Lygia Clark, Lygia Pape e de Anna Maria Maiolino, que fez importante performance em 1981 sobre a volta da democracia ao país”, diz Lavigne. Além de Clark, a mostra traz obras de duas mineiras: Rosângela Rennó e Rivane Neuenschwander. A fotógrafa americana Nan Goldin e a pintora Frida Kahlo também estão presentes.
Na questão histórica, a curadora chama a atenção para a produção do início do século 20. “Não era fácil para uma mulher fazer arte. Ao longo da mostra, é interessante ver que muitas artistas usaram o próprio corpo, pois havia dificuldade de pagar modelos. No início da exposição, temos uma série de autorretratos. Foi a maneira que a mulher encontrou para mudar a percepção do próprio corpo. Ali, está não apenas o corpo feminino, ela tenta expressar outros aspectos de sua personalidade.”
Lavigne cita como exemplo o óleo sobre tela O quarto azul (1923), de Suzanne Valadon: “Ela faz importante declaração. A pintura foge da imagem padrão da mulher bonita. A maneira como as artistas expressam os próprios corpos vai além do físico, pois carrega aspectos políticos e psicológicos da mulher. Isso acaba ligando os trabalhos de um século atrás com o que é produzido hoje”.
A MOSTRA
1.133
mulheres têm obras
no acervo do Pompidou
61
participam de Elles
7
são brasileiras
3
são mineiras
SESSÕES
TORNAR-SE UMA ARTISTA
» Pioneiras
Destaca nomes importantes da primeira fase da arte abstrata, como Sonia Delaunay, que inventa a abstração geométrica, Frida Kahlo e Maria Helena Vieira da Silva
» A parte do inconsciente
Obras das surrealistas Marie Laurencin, Dorothea Thanning e Germaine Dulac, pioneiras do início do século 20
Obras contemporâneas de Valérie Belin e Suzanne Valadon. Elas abordam a identidade: ser mulher,
ser artista
ABSTRAÇÃO
» Excêntrica
O título vem da exposição de 1966 que teve Louise Bourgeois como um de seus destaques. A ideia geral é da arte abstrata híbrida em oposição à abordagem modernista ortodoxa. Também há obras de Joan Mitchell
» Colorida
Obras de Marthe Wéry e Aurélie Nemours
» Espaços infinitos
Obras de Geneviève Asse e Vera Molnar
FEMINISMO E A CRÍTICA DO PODER
» Pânico genital
O nome se refere à performance da austríaca Valie Export, com obras que discutem as representações do corpo feminino. Há trabalhos de Nikki de Saint Phalle, Sonia Andrade e Hanna Wilke
» Enfrentando a história
Obras das brasileiras Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino (foto) e Letícia Parente dividem a cena com trabalhos de Eva Aeppli, Sigalit Landau e Marta Minujin
» Musas contra o museu
Obras denunciam as próprias instituições, que seriam espaços desfavoráveis às artistas. Um dos destaques é o vídeo Museum highlights: a gallery talk (Andrea Fraser, 1989)
O CORPO
Espaço dedicado a projeções de vídeo, que registram performances de Nan Goldin e Marina Abramovic, entre outras
NARRATIVAS
Conjunto de instalações questiona a linguagem e a narrativa. Obras de Sophie Calle, Annette Messager e das mineiras Rosângela Rennó e Rivane Neuenschwander
O prédio
Projetado em 1926 pelo arquiteto Luiz Signorelli, o prédio da Praça da Liberdade abrigará a quarta unidade do Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB). As outras funcionam no Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Reforma, restauro e aquisição de equipamentos consumiram R$ 37 milhões. Além do espaço expositivo de 1,2 mil metros quadrados, o CCBB vai contar com salas multimeios e de programa educativo, cafeteria, lanchonete e loja, bem como teatro com 270 lugares, cuja abertura está prevista para outubro.
ELLES: MULHERES ARTISTAS NA COLEÇÃO DO CENTRO POMPIDOU
Inauguração no dia 27, para convidados. Abertura para o público no dia 28. CCBB, Praça da Liberdade, 450, Funcionários. O espaço vai funcionar de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. Até 21 de outubro. Entrada franca.