Manifestações geram onda de livros instantâneos no Brasil

E-books garantem agilidade às edições

por Mariana Peixoto 06/08/2013 06:00

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EVELSON DE FREITAS/AE - LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS - LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS - NELSON ALMEIDA/AFP
(foto: EVELSON DE FREITAS/AE - LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS - LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS - NELSON ALMEIDA/AFP)
Brasil, 17 de junho de 2013. Em 12 capitais, protestos levam milhares de pessoas às ruas contra o aumento das tarifas de ônibus, o custo das copas de futebol no país e a falta de ética dos políticos. Cem mil pessoas ocupam a Região Central do Rio de Janeiro; 65 mil param São Paulo; 30 mil fazem passeata em Belo Horizonte – trajeto que começou na Praça Sete e prosseguiu pela Avenida Antônio Carlos em direção ao Mineirão, onde se realizava a primeira partida da Copa das Confederações na capital.

Às 9h37 do dia seguinte, na editora paulista Boitempo, é trocado o primeiro e-mail sobre a publicação de uma obra sobre o momento político do país. Às 20h52 daquele mesmo dia, bateu-se o martelo. Um mês e meio depois, a editora lança 'Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil', coletânea de artigos que inaugura a coleção 'Tinta vermelha'. O e-book já está à venda. O livro físico chega esta semana às lojas.

Esse é o primeiro livro impresso sobre o tema publicado no país. Mas há outros disponíveis, exclusivamente destinados ao mercado digital. A Companhia das Letras lançou o selo 'Breve Companhia' (somente de e-books) com dois títulos: 'Choque de democracia – Razões da revolta', ensaio do professor da Unicamp Marcos Nobre (saiu em 27 de junho), e '#vemprarua', reportagem do jornalista Piero Locatelli (disponível desde 15 de julho).

Independentemente do formato, as três obras são exemplos do chamado livro instantâneo – nos Estados Unidos, o popular instant book –, modalidade editorial que costuma vir à tona depois de grandes eventos e tragédias. O 11 de setembro é um exemplo disso.

No caso dessas obras, além do cuidado editorial, o hiato temporal entre o evento e a publicação é imprescindível para sua repercussão. Os três livros têm também em comum o preço bem abaixo do mercado. Cada e-book da Breve Companhia custa R$ 4,99. A coletânea de artigos da Boitempo é vendida por R$ 10 (livro físico) e R$ 5 (digital).

Coordenador do Departamento Digital da Companhia das Letras, Fábio Uehara conta que a edição do e-book de Marcos Nobre foi rápida porque o autor já vinha trabalhando sobre o tema. “Ele estava escrevendo um livro que tentava explicar a falta de representatividade (no caso dos brasileiros), um dos principais motivos do início das manifestações. Conseguiu, em menos de duas semanas, fazer a pesquisa para contextualizar o conteúdo com o momento presente.”

Já a Boitempo vinha de bem-sucedida experiência com livros de intervenção (termo que a editora usa para os instantâneos). Em 2012, cerca de seis meses depois dos protestos ocorridos nos EUA em 2011, ela lançou a coletânea de artigos 'Occupy – movimentos de protesto que tomaram as ruas'. Foram vendidos 8 mil exemplares e chegou-se à segunda reimpressão. O processo é semelhante ao de 'Cidades rebeldes...': os autores abriram mão dos direitos autorais, por exemplo. “Se não fosse assim, aumentaria o preço do exemplar”, comenta o editor João Alexandre Peschanski, que coordenou o trabalho e escreveu o artigo “O transporte público gratuito, uma utopia real”.

'Cidades rebeldes...' é uma edição coletiva. “A produção foi muito diferente da de um livro convencional (que costuma levar de seis meses a um ano). Todo mundo da Boitempo participou, pois muita gente havia se envolvido com os protestos. A edição foi totalmente horizontal”, diz Peschanski, remontando ao processo decisório do próprio Movimento Passe Livre (MPL). São 16 artigos – de Slovoj Zizek, Leonardo Sakamoto, Mike Davis e Davis Harley, entre outros – bem como fotos do coletivo Mídia Ninja.

“É um projeto ambicioso, os autores estão se expondo bastante, pois apresentam análises de um processo que não acabou. Em livros de intervenção, o leitor deve analisar todas as vozes e tentar tirar a sua própria conclusão. Se tivéssemos seis meses para fazer uma reflexão maior, seria muito diferente. Não acredito, no entanto, que a publicação vá ‘matar’ os livros que saírem daqui a seis meses, um ano. São visões diferentes. Era muito importante o nosso sair rapidamente para intervir no debate”, conclui.

PAPA Outra editora brasileira que atua no filão do livro instantâneo é a Geração. Com a vinda do papa Francisco ao Brasil, a empresa lançou, em junho e julho, 'Francisco – Um papa do fim do mundo', perfil escrito pelo jornalista italiano Gianni Valente (primeiro livro publicado sobre Jorge Mario Bergoglio depois que ele passou a comandar a Igreja Católica); 'Mistérios sombrios do Vaticano', do americano H. Paul Jeffers; e Segredos do conclave, de Gerson Camarotti, comentarista político da Globo News, sobre os bastidores da eleição de Francisco.

“Editar instant book é como editar revista: uma corrida contra o relógio. Os livros devem ser publicados rapidamente, de 30 a 90 dias no máximo depois do acontecimento”, explica Luiz Fernando Emediato, publisher da Geração. A editora prepara um livro sobre as manifestações recentes. “Já avaliamos dois originais, mas não tinham qualidade. Estamos aguardando o terceiro”, conta o editor.

Facebook/reprodução
(foto: Facebook/reprodução)
Personagem da notícia

Piero Locatelli,  autor de #vemprarua

Testemunha ocular

Na tarde de 13 de junho, o repórter Piero Locatelli, da revista CartaCapital, foi detido pela Polícia Militar no Centro de São Paulo enquanto cobria a manifestação. A alegação para a prisão era de que ele portava um recipiente com vinagre. Na noite do mesmo dia, ele foi liberado. “Minha história é só um detalhe no meio de tudo”, afirma o jornalista, autor do e-book #vemprarua.

Locatelli foi procurado pela Companhia das Letras em 19 de junho, no calor das manifestações. “A partir daquele momento, comecei a buscar material específico para o livro. A urgência teve suas vantagens. Como o protesto era o assunto principal, estava tudo muito ‘quente’, todo mundo só discutia o assunto. A apuração ocorreu num bom momento”, conta ele, que entrevistou 30 pessoas para #vemprarua.

“Até por ser cobertura muito presente em redes sociais e portais de internet, busquei organizar tudo o que aconteceu, pois os relatos eram muito fragmentados”, continua ele. Locatelli explica a origem do Movimento Passe Livre (MPL), quem são os integrantes do grupo e o dia a dia dos protestos. “Tomei muito cuidado com a contextualização, pois ninguém tem a obrigação de saber quais foram as promessas que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, fez ao ser eleito”, observa. Detalhes assim fazem a diferença caso o relato seja lido daqui a alguns anos, longe do calor dos acontecimentos.

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